O primeiro-ministro trabalhou para o grupo Solverde entre 2018 e 2022. Depois, vendeu a sua parte da empresa à mulher, mas a ligação entre o grupo de casinos e Spinumviva mantém-se até hoje. Os comentadores da CNN Portugal não têm dúvidas de que Luís Montenegro vai ter que dar mais explicações

O grupo Solverde revelou ao Expresso que paga à Spinumviva, a empresa da família de Luís Montenegro, uma avença mensal de 4.500 euros desde julho de 2021 a troco de um conjunto de “serviços especia­lizados de com­pliance e definição de procedimentos no domínio da proteção de dados pessoais”.

A ligação ganha relevo, explica o semanário, porque o atual primeiro-ministro trabalhou para a Solverde, grupo de casinos e hotéis sediado em Espinho, entre 2018 e 2022 (ano em que assumiu a presidência do PSD), tendo sido o representante do grupo nas negociações com o Estado que resultaram numa prorrogação do contrato de concessão dos casinos de Espinho e do Algarve.

Esse contrato de concessão termina no final deste ano e o Governo terá de decidir se vai continuar ou não. De acordo com o Expresso, o primeiro-ministro garante que pedirá escusas no geral, mas não revela a lista de incompatibilidades.

Também esta quinta-feira, o Correio da Manhã noticiou que tinha interrogado Luís Montenegro sobre a existência de uma incompatibilidade pelo facto de o atual primeiro-ministro ter sido advogado da Solverde nas negociações com o Estado, durante o penúltimo Governo de António Costa, para a atribuição de compensações no negócio dos casinos, devido aos prejuízos causados pela Covid-19. 

“Como sempre, e como acontece com qualquer outro membro do Governo, o primeiro-ministro pedirá escusa de intervenção em todos os processos em que ocorra conflito de interesses”, respondeu o gabinete do PM a ambos os jornais.

Recorde-se que Luís Montenegro teve uma participação na Spinumviva, mas cedeu as suas quotas à mulher, Carla, quando assumiu a presidência do PSD, ainda em 2022, cerca de dois anos antes de se tornar chefe do Executivo. Segundo a edição desta sexta-feira do jornal Expresso, o acordo de consultoria entre o grupo Solverde e a Spinumviva foi angariado seis meses depois de a empresa ter sido registada com a morada de casa e o número de telemóvel pessoal de Montenegro. Durante 10 meses, até maio de 2022, a Solverde terá continuado a pagar serviços jurídicos no valor de 2.500 euros por mês à sociedade de advogados do chefe do Governo, que Montenegro abandonou quando foi eleito presidente do PSD. Daí para a frente, e até hoje, manteve a avença de 4.500 euros mensais à Spinumviva.

Para o editor executivo da CNN Portugal, Pedro Santos Guerreiro, “é evidente que estamos a falar de um governante estar a receber em exercício dinheiro de uma empresa privada, e não há sítio nenhum onde isto seja nem normal, nem aceitável, nem justificável”.

O facto de Montenegro ter saído da Spinumviva não parece ser suficiente para que não haja aqui um conflito de interesses, diz Santos Guerreiro. “É uma empresa que estava em seu nome e que depois passou para o nome da mulher e dos filhos, e que tinha uma avença com o grupo Solverde e mantém essa avença. Eu imagino que não seja a sua mulher que presta estes serviços. E mesmo que seja um terceiro, um consultor contratado, estamos a falar de um grau de suspeição sobre o primeiro-ministro que é grave”, diz. “Quando dizemos que alguém tem um conflito de interesses, não estamos a dizer que vai beneficiar dele. Mas não é o facto de beneficiar ou não que o anula ou legitima. O conflito de interesses tem de ser evitado sempre.”

Na opinião de Pedro Santos Guerreiro “é obvio que isto põe em causa a imagem do primeiro-ministro”. “Não me parece que vá chegar o que ele disse no Parlamento, Luís Montenegro vai ter mesmo que falar dos clientes”.

António Costa, comentador da CNN Portugal e diretor do Eco, concorda que “Luís Montenegro tem que dar as explicações que não deu antes”. Na sua opinião, “fica claro que o primeiro-ministro deveria ter encerrado esta empresa e não vendido a sua participação em 2022”, até porque, sublinha, “a venda à mulher, com quem tem comunhão de adquiridos, é absolutamente nula e para efeitos jurídicos é irrelevante”. Até porque, diz, “o problema não é jurídico, é político”. “Não se trata de confiar ou não na palavra do primeiro-ministro, tem que haver escrutínio.”

A empresa da família de Montenegro motivou já uma moção de censura apresentada na semana passada pelo Chega, intitulada “Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um Primeiro-Ministro sob suspeita grave”.

No debate no Parlamento, quando questionado pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, sobre a sua relação com o grupo de Espinho, Montenegro referiu que “não é preciso qualquer conflito de interesses que possa dimanar de uma relação profissional ou contratual” e que, sendo “amigo pessoal dos acionistas dessa empresa”, impor-se-á “inibição total de intervir em qualquer decisão” que respeite à Solverde ou a outras com que “estiver ligado por relações familiares, de amizade ou razões profissionais”.