A frase
“Somos um país que há uns anos não ligava muito à propriedade intelectual e já inventamos coisas que hoje estão espalhadas pelo mundo e que não registamos a patente. Costumo dizer isto e fica toda a gente irritada: a Via Verde é um exemplo excelente. Foi inventada e não foi registada a patente”.
António Costa Silva, ex-ministro da Economia e do Mar de Portugal
O contexto
António Costa e Silva foi um dos intervenientes do podcast do Expresso “Liga dos Inovadores”, de 26 de Fevereiro, em que se debateram melhorias registadas na inovação em Portugal nos últimos anos.
Durante essa conversa surgiu o tema da Via Verde. Foi elencado por António Costa e Silva como um exemplo de algo que não se deve fazer. “Foi inventada e não foi registada a patente”, disse.
Os factos
A Via Verde foi criada em 1991 e descreve-se como “uma das marcas nacionais mais emblemáticas” e até pioneira, uma vez “que posicionou Portugal como o primeiro país do mundo com uma rede integrada de portagem non stop electrónica”, lê-se no site oficial.
Mas, “na época da entrada em funcionamento (no início da década de 90) não há registo da apresentação de qualquer pedido de patente relacionado com o conhecido sistema automático de cobrança de portagens”, diz o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em resposta ao PÚBLICO.
Mesmo o registo da marca só acontece seis anos depois, em 1997. No entanto, “o registo de uma marca identifica o serviço e não a invenção em si”, diferencia o INPI.
Os pedidos de registo de patente só surgem 10 anos depois. Mais concretamente, a 12 de Janeiro de 2007, houve um pedido de patente europeia “que foi objecto de despacho de recusa” pelo Instituto Europeu de Patentes. A marca optou por transformar este pedido em modelo de utilidade nacional, que dispensava exame. A licença acabou por caducar em 2013 “por falta de pagamento de taxas de manutenção”, esclarece o INPI.
No ano seguinte, em 2008, surge um pedido de nova patente que foi admitido, desta vez de âmbito nacional, para um “sistema de reconhecimento automático de matrículas integrado num sistema de cobranças electrónica de portagens”. Esclarece o INPI que esta designação “engloba vários aspectos técnicos” desde o reconhecimento aos pagamentos e transmissão de dados, entre outros, e que corresponde “à protecção de desenvolvimentos tecnológicos ulteriores à versão inicial do mesmo”.
Criada pela Brisa – Auto-estradas de Portugal SA, a patente nacional foi depois transmitida para a Brisa Inovação e Tecnologia SA, que entretanto mudou o nome para Atobe – Mobility Technology, SA. Esta é a patente que ainda hoje continua em vigor.
Em resposta escrita às questões do PÚBLICO, a própria Via Verde justifica a ausência de patentes no início com a complexidade do modelo: “O sistema comummente denominado de Via Verde engloba um conjunto considerável de componentes e integrantes tecnológicos que não são passíveis de registo como patente quando global e integralmente considerados”.
“No entanto, e no momento devido, o Grupo Brisa tem vindo a registar os direitos de propriedade industrial que considera pertinentes e passíveis de registo, entre outros, patentes, desenhos ou modelos de utilidade”, como se verificou através dos dados fornecidos pelo INPI.
Apesar desta demora, quer no registo da marca, quer no registo da patente, fonte oficial da Via Verde diz que “não corresponde à verdade que tenham sido realizadas perdas financeiras neste âmbito” como afirmou o ex-ministro da Economia e do Mar de Portugal.
O veredicto
Dizer que a Via Verde não foi patenteada não é verdade e não faz jus ao processo da marca. Depois de ter sido criada em 1991, foi registada em 1997 e registada com uma patente nacional em 2008. Foi um processo que demorou 17 anos, mas aconteceu. Assim, é parcialmente falso o que diz António Costa e Silva.