Os milhões de ficheiros fornecidos por Rui Pinto às autoridades há cinco anos começam lentamente a dar frutos na Justiça portuguesa. A recente acusação do Ministério Público a Jorge Mendes num processo autónomo afastado da Operação Fora de Jogo é prova disso mesmo, com a base deste caso a ser justamente informações recolhidas pelo denunciante português que colabora actualmente com a Polícia Judiciária (PJ).
Foi em 2018 que Rui Pinto começou a divulgar informação dos circuitos fiscais usados pelos maiores clubes e agentes do futebol mundial. Num portal chamado Football Leaks, uma personagem anónima divulgava de forma periódica contratos e outros documentos secretos de jogadores, clubes, agentes e advogados. Um dos principais alvos foi Jorge Mendes, o superagente que geria, à data, a carreira de Cristiano Ronaldo e vários outros craques. O agente é agora acusado de um crime de fraude fiscal.
“Em 2018 o projecto Football Leaks revelou em primeira mão vários dados acerca das estruturas e circuitos financeiros ligados a Jorge Mendes. A Autoridade Tributária investigou, fez buscas em diversos locais, e finalmente terá sido deduzida uma acusação”, escreveu Rui Pinto na rede social X (antigo Twitter).
A Operação Fora de Jogo chegou ao terreno em Março de 2020, com o cumprimento de 76 mandados de detenção. As autoridades deslocaram-se às instalações de Benfica, FC Porto, Sporting e Sp. Braga, fazendo ainda buscas junto da Gestifute, empresa gerida pelo agente Jorge Mendes.
A Autoridade Tributária revelou a existência de suspeitas de “fraude qualificada” relacionadas com negócios realizados no futebol profissional. O objectivo passaria por ocultar os reais beneficiários dos rendimentos, com o objectivo de escapar ao pagamento de impostos sobre estas verbas.
Jorge Mendes foi acusado de um crime de fraude fiscal por causa de uma doação feita à mulher, Sandra Mendes, de metade do capital social de uma empresa. Posteriormente, esta empresa seria comprada por uma sociedade com ligações ao agente. Por este motivo, o MP considera que a doação foi fictícia e reclama 18 milhões de euros, o equivalente ao valor que aponta como o prejuízo verificado para o Estado.
Em comunicado assinado pelo advogado Rui Patrício, a defesa diz que a “acusação é incorrecta e infundada, e é injusta” para o agente desportivo, deixando claro que este processo diz respeito unicamente “à esfera pessoal” do agente, não estando, portanto, relacionado com qualquer actividade desportiva.
Mesmo considerando esta acusação infundada e injusta, a defesa garante que o agente já desencadeou os mecanismos legais para saldar o valor reclamado pelo MP, de modo a solucionar a questão.
Jogadores obrigados a pagar
O Football Leaks foi responsável por múltiplas investigações em vários países. Em Espanha, várias estrelas do futebol, incluindo os jogadores portugueses Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão e o treinador José Mourinho, tiveram de pagar indemnizações ao Fisco espanhol, por terem fugido à tributação do país.
No caso de CR7, o jogador teve de desembolsar 18,8 milhões de euros num acordo com a Justiça espanhola que permitiu evitar o cumprimento de pena de prisão de 23 meses.
Em Abril de 2020, depois de mais de um ano em prisão preventiva, Rui Pinto aceitou dar o acesso às autoridades aos discos rígidos encriptados que guardavam milhões de ficheiros. Em troca, teve autorização para sair da cadeia para prisão domiciliária. Posteriormente, foi colocado num programa de protecção de testemunhas, regime em que se mantém há cinco anos.
Rui Pinto foi constituído arguido em dois processos judiciais, mas a grande probabilidade é que estejam já mais a caminho. No primeiro, foi condenado a uma pena de prisão de quatro anos, suspensa por igual período. No segundo caso, que está actualmente a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa, foi pronunciado por 242 crimes no processo relacionado com o acesso a emails do Benfica e outras entidades.