O ator Adérito Lopes foi agredido esta terça-feira à noite por elementos de um grupo que testemunhas no local descrevem como sendo composto por “neonazis”. A agressão aconteceu junto ao Teatro A Barraca, em Lisboa, e o ator, que ficou com “dois cortes na face”, foi conduzido ao Hospital de Santa Maria para ser submetido a exames. O autor das agressões foi identificado pela PSP.
Segundo a SIC Notícias, o ator saiu do hospital por volta das duas da madrugada e ainda voltou para o teatro. Fonte próxima, que estava no local quando ocorreram as agressões, revelou que Adérito Lopes teve de levar pontos.
A agressão aconteceu quando Adérito Lopes acabava de chegar ao teatro para a última apresentação da peça Amor é um fogo que arde sem se ver. Segundo relatou ao Observador um ator d’A Barraca, que pediu para não ser identificado, “um grupo de neonazis estava a participar num evento num dos restaurantes junto ao teatro” quando um dos elementos se dirigiu a uma das atrizes que fazia parte do elenco da peça — os atores começavam a chegar para a tal última apresentação e estavam na rua, junto ao edifício do teatro. A mesma fonte refere que o grupo promovia slogans nacionalistas e tinha afixado com mensagens com o mesmo teor naquele local.
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“A atriz tinha uma t-shirt com estrela vermelha e foi agredida verbalmente, com palavras como ‘morte aos comunistas’”, conta o mesmo ator ao Observador. “O meu colega [Adérito Lopes] chegou de carro, cumprimentou um dos colegas atores e foi agredido à traição. Não houve qualquer ação dele, tentou cumprimentar o colega e um indivíduo deu-lhe um soco no olho” no que é descrito como um “ato de violência fortuito”.
“Ele nem sequer disse nada, não reagiu. Mandaram-lhes [aos atores que ali se encontravam] umas ‘bocas’ e eles nem entraram em diálogo. Foi puro ódio, um destilar de ódio para cima dos atores.”
Adérito Lopes “ficou com dois cortes na face, um acima do olho e outro abaixo do olho, porque penso que o agressor tinha um anel num dos dedos”. Acabou por ser transportado para o hospital, realizou exames mas não ficou ferido com gravidade. “O problema é que um ator usa a sua cara como meio de trabalho, ele vai ficar com marcas com durante algum tempo”, sublinha.
Ao Observador, a PSP refere que foi chamada ao Largo de Santos por volta das 20h15 “por haver notícia de agressões”. Foi nesse momento que Adérito Lopes explicou ter sido alvo de agressões. “A PSP, com as características do eventual suspeito, fornecidas pelo ofendido e por um amigo deste, encetou várias diligências nas artérias adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos de idade, suspeito de ser o autor da agressão.”
A PSP acrescenta ainda que “identificou todos os intervenientes (suspeito, ofendido e testemunha) e irá comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público”.
A peça, que se deveria ter realizado às 21 horas, não aconteceu, explicou à Lusa Maria do Céu Guerra, atriz e diretora da companhia. O público só abandonou o local às 22 horas, relatou a atriz. Já à SIC Notícias, notou que o ator foi agredido no dia em que se assinalaram os 30 anos da morte de Alcindo Monteiro, num ataque neonazi. “30 anos depois, este país ainda não arranjou forma de se defender dos nazis”, disse.
A ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, repudiu a agressão contra a companhia teatral A Barraca, classificando-a de “atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos”.
“A Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo. Repudio a agressão cobarde de que foram alvo os atores da companhia A Barraca”, escreve a ministra na rede social X.
A Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo. Repudio a agressão cobarde de que foram alvo os atores da companhia A Barraca. (1/4)
— Margarida B Lopes (@margaridalopes) June 11, 2025
“Este ataque é um atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos que nos definem enquanto país. A Cultura não se intimida. Não recua. E não aceita ódio travestido de discurso político”.
“Temos de garantir que artistas, técnicos e público podem participar plenamente na vida cultural, com segurança, respeito e dignidade”, reforçou a governante, que dirigiu ao ator Adérito Lopes e a toda a equipa da companhia a sua solidariedade. Deixa um destaque à diretora artística da companhia, Maria do Céu Guerra, “cujo papel na cultura portuguesa é inestimável”, diz a ministra.
A agressão ao ator Adérito Lopes está a ser condenada pelos deputados do Livre e por Mariana Mortágua, deputada única do Bloco de Esquerda. Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes, do partido Livre, condenam a agressão ao ator Adérito Lopes.
No X, Rui Tavares declara que a agressão “merece a mais veemente condenação”, assim como uma “investigação que castigue os responsáveis”. “É inaceitável que uma peça seja cancelada por causa de um grupo neofascista. É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio”, escreveu Rui Tavares.
A agressão de que foi alvo o ator Adérito Lopes merece a mais veemente condenação, e uma investigação que castigue os responsáveis. É inaceitável que uma peça seja cancelada por causa de um grupo neofascista. É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio.
— rui tavares (@ruitavares) June 10, 2025
Já Isabel Mendes Lopes, a líder do grupo parlamentar do Livre, afirmou também no X que “a agressão violenta a Adérito Lopes, depois de uma espera feita aos profissionais da Barraca por um grupo de neonazis neste 10 de junho, não pode ficar impune”. “O aumento da violência e do discurso de ódio é para levar muito a sério”, diz a deputada, demonstrando “toda a solidariedade com a equipa da Barraca”.
A agressão violenta a Adérito Lopes, depois de uma espera feita aos profissionais da Barraca por um grupo de neonazis neste 10 de junho, não pode ficar impune. O aumento da violência e do discurso de ódio é para levar muito a sério.
Toda a solidariedade com a equipa da Barraca.
— Isabel Mendes Lopes (@Isabel_ml_) June 10, 2025
“Os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura. Fazem-no porque acham que podem. O Governo do PSD retirou do relatório de segurança interna a ameaça da extrema-direita. É o maior risco à nossa democracia. Solidariedade com o teatro d’A Barraca. Vamos à luta”, escreveu Mariana Mortágua, deputada única do Bloco de Esquerda na rede social X.
Os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura. Fazem-no porque acham que podem. O Governo do PSD retirou do relatório de segurança interna a ameaça da extrema direita. É o maior risco à nossa democracia. Solidariedade com o teatro d’A Barraca. Vamos à luta ✊
— mariana mortágua (@MRMortagua) June 10, 2025
A agressão ao ator também foi criticada por António Filipe, antigo deputado do PCP. “Solidariedade total com Adérito Lopes, ator do teatro “A Barraca” agredido por neonazis. É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna)”, escreveu no X.
Solidariedade total com Adérito Lopes, ator do teatro “A Barraca” agredido por neonazis. É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna).
— Antonio Filipe (@AntonioFilipe) June 10, 2025
Carlos Moedas, o autarca de Lisboa, esteve no teatro na noite de terça-feira. Em imagens transmitidas pela RTP3, o presidente da Câmara de Lisboa é visto a falar com os atores no interior do teatro, explicando que “está há muito tempo a pedir mais policiamento”.
“Estou aqui mesmo só para dar um abraço e uma solidariedade”, acrescentou. “Na cultura, estas coisas não podem acontecer. (…) Eu não posso ter atores que representam a cultura com medo de virem representar ou terem algum tipo de receio. Isso não pode acontecer.”
E, na mesma ocasião, Moedas recordou outro acontecimento do dia. “Já tivemos uma situação na cerimónia dos antigos combatentes que me faz lembrar um pouco esta”, afirmou. Moedas referiu-se aos gritos ouvidos durante a cerimónia dos antigos combatentes, em que se ouviram gritos de traição dirigidos a Gouveia e Melo e insultos racistas devido à presença do imã de Lisboa.
À SIC Notícias, a atriz e diretora da companhia A Barraca mostrou um dos autocolantes colocados no local, com o logótipo do movimento Reconquista.
O movimento emitiu um comunicado, em que refere que “os supostos perpetradores ‘deixaram para trás’ um autocolante alusivo ao movimento”. O grupo afirma que “nenhum membro da Reconquista estava no local em que ocorreu a alegada agressão”, indicando que os “membros do núcleo de Lisboa e do Centro estiveram em Samora Correia com o Presidente André Gonçalves”.
É ainda dito que o grupo “não pode responder por quem compra ou dispõe de autocolantes do movimento” e que “não pode (apesar de estar em condições de garantir a inocência dos seus membros) responder pelas atitudes individuais dos mesmos”.
(Artigo atualizado às 11h52 com mais informação)