Num mundo verdadeiramente conectado, os mais novos exploram a Internet desde tenra idade, sendo confrontados com tudo aquilo que nela se acumula, sem filtro. Este fenómeno é particularmente preocupante em relação à pornografia, à qual as crianças acedem cada vez mais cedo.

Com um acesso quase ilimitado aos smartphones e à Internet, as crianças e jovens acedem a conteúdos que antes não estavam disponíveis – pelo menos, não de forma tão facilitada.

Apesar de não haver muita evidência, em Portugal, sobre o consumo de pornografia pelos mais novos, há anos que o fenómeno é estudado pelos investigadores estrangeiros.

Conforme recordado por Cristiane Miranda, cofundadora da plataforma Agarrados à Net, “um estudo recente feito no Reino Unido” dá conta de “crianças com quatro anos expostas a conteúdos pornográficos”.

Além disso, no ano passado, a Academia Americana de Pediatria (em inglês, AAP), publicou um alerta sobre os malefícios do consumo de pornografia em crianças de tenra idade.

De acordo com a AAP, a idade média com que os jovens são expostos a conteúdos pornográficos é de 12 anos, com 73% dos adolescentes a admitirem já ter consumido pornografia.

Por outro lado, 52% reportam ter assistido a conteúdos pornográficos violentos, e 58% dos adolescentes que admitem ter tido contacto com pornografia online dizem que foi “por acidente”.

O site dos Serviços de Saúde de Alberta, no Canadá, publicou alguns factos sobre o consumo de pornografia por menores, citando um estudo canadiano feito junto de 470 adolescentes.

Este dá conta de que 98% deles foram expostos a pornografia, ainda que a idade média seja 12 anos, e que um terço dessas crianças tiveram contacto com pornografia com 10 anos ou menos.

Apesar de a curiosidade ser saudável, é-o “quando se inicia na puberdade e existe um pico hormonal”.

Aí, sim, existe maturação dos órgãos sexuais, existe vontade e o cérebro começa-se a preparar-se para receber isto.

Disse o pediatra Manuel Ferreira de Magalhães, acrescentando que, ainda assim, “é importante pensar-se na educação sexual nas escolas, é importante os pais anteciparem isto e conversarem com os filhos”.

 

Pornografia numa idade precoce tem impacto mental e físico

Numa longa reportagem, publicada pela CNN Portugal, especialistas alertam para a gravidade deste fenómeno e partilham, com os encarregados de educação, estratégias para lidar e dissolver o problema.

Tudo o que seja acelerar o comportamento sexual da criança, seja por danças, seja por coisas que ouvem, seja por conteúdo explícito que veem, vai fazer com que esteja exposta a algo que não consegue compreender e com que normalize comportamentos que não devem ser normalizados.

Disse Manuel Ferreira de Magalhães, médico pediatra no Centro Materno Infantil do Porto e também no Hospital dos Lusíadas, explicando que “a pornografia que está disponível é, muitas vezes e cada vez mais, uma pornografia violenta, que não corresponde à realidade”.

Conforme alertou, este tipo de conteúdo “faz com que aquela criança tenha uma aprendizagem sexual que não é verdadeira, com riscos para o futuro, para quando iniciar a sua prática sexual”.

Criança com óculos a usar um smartphone

Além disso, o médico contou que há estudos que apontam que as crianças que foram expostas a conteúdos sexuais explícito e violentos antes do momento certo (“estamos a falar sempre antes do momento certo, porque, na verdade, na adolescência isto é normal e é saudável até desde que com limites e que não seja um vício”) são “crianças que têm mais tendência à depressão e que têm menos ligação, menos vínculo com os próprios pais”.

São, portanto, situações que estão longe de ser as ideais para uma criança crescer em termos emocionais, com impacto para o futuro na sua saúde mental.

Além do impacto mental, Alfredo Leite, licenciado em Psicologia e professor universitário, e fundador do centro de desenvolvimento de competências Mundo Brilhante, mencionou impactos “na saúde física”: “Muitos jovens entram em padrões de masturbação compulsiva, dificuldades de sono, falta de energia, alterações de humor e vício digital”.

De facto, segundo a psicóloga Marta Fialho, “um dos problemas identificados é que, quanto maior exposição a conteúdos pornográficos, maior o risco de levar a uma compulsão sexual inadequada, em forma de masturbação e/ou com um parceiro(a) sexual”.

Adolescentes e redes sociais

Uma vez que muitas das crianças veem pornografia em grupo e não de uma forma isolada, Alfredo Leite concluiu que “ver pornografia em grupo, entre os 9 e os 12 anos, é menos sobre sexo e mais sobre identidade… É um ritual silencioso: ‘se vires isto, és dos nossos'”.

Querem pertencer, parecer crescidos, provar coragem. Mas ao fazerem isso, saltam etapas internas: não compreendem o que veem, mas fingem que sim. Riem, copiam, imitam. E o cérebro pode registar como se fosse normal […] a pornografia pode estar a substituir o espaço do afeto, do toque, do consentimento, da espera.

 

Diálogo entre os encarregados de educação e os mais novos é fundamental

Para Alfredo Leite, o diálogo é a única chave para a proteção das crianças: “A pornografia não é o monstro; o monstro é o silêncio adulto, a ausência de diálogo, a ideia de que ‘isso passa’; e não passa. Molda”.

Na sua opinião, na maioria das vezes, as crianças “não procuram… tropeçam” nos conteúdos pornográficos: “Escrevem mal uma palavra no Google, clicam num link no WhatsApp da turma, ou ouvem colegas a falar”.

Por isso, é importante que os adultos intervenham:

Fale do corpo e do prazer antes da Internet o fazer.
Use filtros nos dispositivos e ensine a ética do digital.
Crie um pacto familiar sobre o que se vê e se partilha.
Valorize as relações reais e o toque com respeito.
Esteja presente, escute sem julgar, e diga: “podes sempre falar comigo”. “A boa educação sexual começa quando alguém diz: ‘O que viste não é o fim. É o começo de uma conversa que eu quero ter contigo'”.