Em semanas de exames, enquanto os estudantes se preparam para as provas nacionais, fazem revisões de última hora ou respiram de alívio por já terem completado, pelo menos, um teste, há questões que pairam sem resposta certa, mais ou menos enterradas na mochila do secundário. “Será que já escolhi o curso certo?”, “Conseguirei trabalhar no que quero?” ou, ainda, “Será que devo mesmo entrar na universidade?”. Cinco estudantes que entraram com as médias mais altas nas universidades do Minho, do Porto e de Lisboa, há cerca de dez anos, podem ajudar a responder a estes anseios.
Quando entraram no ensino superior, os cursos de Medicina e de Engenharia recebiam os jovens com melhores notas, e o medo de não ter emprego no final do percurso académico assombrava-os, especialmente nas disciplinas de Humanidades. No ano lectivo 2015/2016, os alunos que se candidataram ao ensino superior tinham à sua disposição 50.555 lugares, menos cinco mil do que os que entrarão em Setembro (55.956 vagas).
Uma nota introdutória: ao contrário do que se poderia esperar, nem mesmo os melhores alunos, com médias internas finais de 19,9, têm a certeza da área em que querem trabalhar. Alguns decidiram mudar de curso (até mais do que uma vez). Outros estão a acabar a formação académica, empregados nos seus trabalhos de sonho ou a descobrir o que vão fazer a seguir.
Mudar não é o “pior erro”
Engana-se quem considera que todos os percursos têm de ser “rectos e lineares”. Podem ser “atribulados” e saltar de curso em curso, cidade em cidade, até se encontrar a área que gera mais fascínio. Ana Catarina Sousa, 29 anos, representa bem esta realidade. No ano lectivo 2014/2015, quando se candidatou à universidade, sabia que ficaria na primeira fase em Medicina, no Porto. Mas, meses depois, na terceira fase, mudou para Economia e, no ano seguinte, foi para Matemática, na Universidade do Minho. “Ainda demorei algum tempo a encontrar o meu caminho”, diz ao PÚBLICO. Mas Catarina não ficou por aqui. “Decidi que o que era mesmo ‘fixe’ para mim era, afinal, Engenharia Informática.” E aí ficou. Terminou a licenciatura, começou a trabalhar e, em constante ânsia pelas equações e pelos problemas matemáticos, decidiu voltar para onde outrora fora feliz: o mundo da Matemática.
Ana Catarina quando entrou na faculdade e agora, em 2025
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Os passos seguintes foram menos complicados: fez mestrado, iniciou-se na investigação, e está, actualmente, a concluir um doutoramento em Matemática Aplicada, enquanto dá aulas na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. A investigação que faz é em Lógica e Fundamentos das Ciências da Computação.
“Apesar de saber que o meu amor pela matemática estava a guiar o meu percurso, abandonar Medicina foi o que mais me custou, porque havia muitas expectativas e sentia que estava a desiludir-me e às outras pessoas”, aponta. Ainda assim, “tudo valeu a pena”. “Fácil nunca foi”, diz, mas “acabei por aprender mais” e reunir conhecimentos de várias áreas, que, agora, são uma mais-valia.
“É claro que na altura era um drama”, descreve, explicando que tentou sempre optar pelo que lhe parecia certo. “As pessoas devem mudar as vezes que forem preciso porque o pior erro é ficar numa situação só porque uma decisão foi tomada anos atrás”, reconhece.
Aos 18 anos, não se imaginava onde está agora. Dar aulas vai ser para ficar, diz, desta vez com certezas. Deixa-a feliz acompanhar “a evolução dos alunos”, o crescimento e a adaptação. Espera continuar na área da investigação, apesar da instabilidade associada ao percurso da investigação científica.
Escolher “nunca vai ser fácil”
Mariana Malonek, de 27 anos, acabou há pouco tempo o curso de seis anos na Faculdade de Medicina, na Universidade do Porto, mas perto do fim da viagem decidiu explorar novos caminhos.
Mariana na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Nelson Garrido
“Quando entrei para o curso, foi um choque”, relembra. Depois do secundário num colégio privado no Porto, considera que o que a mais inquietou foram as diferenças culturais e a organização das aulas e dos exames. Porém, estas questões não afectaram as notas e, desde o primeiro semestre, manteve as classificações que tanto esperava. Ao PÚBLICO, nota que ainda não sabe o que a levou a desistir da faculdade em que entrou com 19,92 de média interna, já no quarto ano. Não aponta só o dedo ao conteúdo leccionado ou à pouca vontade que tinha de trabalhar num hospital. “Foi um misto de factores”, diz.
No entanto, com a pandemia de covid-19 à porta, decidiu cessar o progresso que tinha feito na área e, em vez de fazer um ano sabático — como tinha imaginado —, iniciou uma nova licenciatura à distância, desta vez, em Matemática.
Quando faltava cerca de um ano para terminar o novo curso, concluiu que a “assombrava” a ideia de que no futuro não poderia ter um contacto tão habitual com pessoas se se dedicasse exclusivamente a Matemática. No segundo ano da licenciatura, voltou para Medicina e terminou os dois anos de curso que faltavam. “Quando voltei, a experiência foi muito melhor. Tive mais apoio, mas também entrei com outra maturidade e disponibilidade.” Não teve de escolher: concluiu dois cursos ao mesmo tempo.
Mariana quando entrou na faculdade
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“Quando escolhemos o curso, somos muito novinhos e não sabemos bem onde nos vamos meter”, apazigua. “Tomar uma decisão nunca vai ser fácil porque uma pessoa nunca percebe bem o que vai fazer até começar a fazê-lo. Independentemente do caminho que escolhemos, temos de ter em mente que há diferentes formas de atingir o mesmo e há tantas áreas para explorar.”
Mariana está agora a fazer a formação geral “no ano comum”, em Medicina, no Hospital de Santo António, no Porto. Não sabe que especialidade vai escolher ou qual será o próximo passo. Quer fazer algo “fora da caixa”, que “ultrapasse a medicina tradicional”, que junte também a matemática — e que lhe dê tempo para se dedicar ao violino.
Escolher o que se gosta “custa menos”
“Não há uma escolha certa, há várias.” É nisto que acredita Benedita Viana, que entrou com uma das melhores médias na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, já há cerca de dez anos. Benedita, 27 anos, está no segundo ano de internato em cardiologia, no Hospital São João, no Porto, e ao olhar para os últimos anos admite que o processo “foi desafiante” e “muito diferente”, em comparação com o ensino secundário.
Manuel Roberto
“Não há uma escolha certa, há várias”
Escolher a área não foi um problema: “Medicina foi sempre a minha primeira escolha. Os métodos de estudo e o apoio dos outros colegas facilitaram a vida.” A época de exames obrigava Benedita a fechar-se muitas vezes do resto do mundo, recorda. Ainda assim, tentou sempre procurar um “ponto de equilíbrio” e começou a dar mais valor à vida que existe para lá do curso, acrescenta.
“O curso é longo, mas faz-se”, reconhece. “Tudo na vida se vai construindo com o tempo.” O mais “importante é estar presente” e trabalhar no que se tem em mãos. “Se estivermos sempre a olhar para o fim, vai ser desmoralizante.” “Se tivermos inclinações [para alguma área] e se as respeitarmos, vai ser mais fácil”, não só acabar o curso como, depois, trabalhar todas as semanas. Isto porque correr por gosto cansa, sabe agora, mas “cansa menos”.
Benedita na faculdade
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“Com trabalho” determina-se o sucesso
Em 2015, as “questões da empregabilidade” tinham um “grande peso” e influenciavam as opções dos estudantes (mesmo entre os que tinham médias elevadas). Ainda assim, Catarina Silva escolheu fazer uma licenciatura na área de Humanidades, em Relações Internacionais, na Universidade do Minho. Apesar de temer que a falta de emprego a pudesse afectar, a jovem decidiu, primeiramente, “escolher um curso” com o qual se identificava, trabalhou nas suas “aptidões e interesses” e acreditou que o esforço determinaria não só o seu sucesso mas também a respectiva realização pessoal e profissional.
No final do mestrado na mesma área, passados seis anos, Catarina foi atirada ao mercado de trabalho durante a pandemia. “Foi difícil, principalmente para alguém que não tinha experiência profissional, mas sempre acreditei que com trabalho e muita procura conseguiria uma oportunidade.” Essa oportunidade surgiu no país vizinho, na cidade de Madrid.
Catarina Silva é consultora em Madrid
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Aos 27 anos é consultora de assuntos públicos numa agência espanhola há três anos. “Olhando para trás”, nota que também não imaginava fazer o que faz agora, mas sabe que foi o curso que lhe trouxe até à carreira e à sensação de realização que sente habitualmente. É por isso que defende que todos os alunos deveriam ser capazes de “procurar fazer uma escolha que reflicta o futuro que cada um quer construir”, explica. O caminho vai ser “sempre desafiante”. Porém, no fim, considerando tudo, “vamos conseguir ver que que só nos fez crescer”, descreve. E é muito melhor crescer enquanto se trabalhar numa área “rica e multifacetada”.
Por fim, tem de existir “paixão”
Sara Pessoa foi uma estudante deslocada. A média final do ensino obrigatório com que se candidatou ao ensino superior poderia levá-la a qualquer curso, mas como queria estudar algo relacionado com aviões, optou por Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. Em 2015, mudou-se do Porto para Lisboa para estudar. “Saí de casa, mudei de cidade”, mas “foi tudo muito divertido”, revela ao PÚBLICO. Fazer novos amigos e aumentar a respectiva rede de apoio fez a diferença, conta. “Não se consegue fazer [este percurso] de uma forma tão bonita e enriquecedora se não tivermos ninguém” — principalmente quando é preciso ir viver para longe de casa. Além disso, é ainda “mais fácil” “se houver paixão” e se optar por uma área que se gosta e que desperta “o brilho nos olhos”.
Sara Pessoa
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Na universidade, as notas já não voavam tão alto, mas “continuaram elevadas”, garante. Antecipando que o curso a levaria a trabalhar fora de Portugal, decidiu fazer dois semestres de Erasmus. A primeira viagem foi para o Canadá e a segunda para a Turquia. Depois de concluir o mestrado integrado, voltou para o primeiro destino na América do Norte, onde está a terminar um doutoramento em Engenharia Mecânica. Quando deixar a universidade, quer testar a indústria aeroespacial canadiana. “Com o doutoramento não é tão difícil encontrar trabalho no Canadá como em Portugal”, lamenta. Depois, logo se vê.