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O mineiro David Carvalho, 45 anos, viu seu futuro ser traçado em uma mesa de bar. Ele tinha comprado uma casa em Portugal em 2016 e passou a viajar para o país com frequência. Numa dessas viagens, reencontrou o português Felipe Rosa, que havia conhecido em São Paulo. Para colocar a conversa em dia, foram tomar uma cerveja — uma não, várias. Conversa vai, conversa vem, o brasileiro perguntou ao amigo o que ele estava fazendo em Portugal, “um país pequeno, parado, sem o agito da vida paulistana”. Felipe contou que estava num projeto assessorando investidores dispostos e investir no agronegócio e no mercado imobiliário.
“Depois dessa conversa, retornei para o Brasil, mas, três meses depois, cruzei novamente o Atlântico. Falei com o Felipe para nos encontrarmos e perguntei a ele como estava o projeto do qual tinha me falado. Ele me disse que os investidores haviam optado por entrar no mercado de imóveis, pois tinham recebido aportes de fundos de pensão, que são mais conservadores”, relembra David. “Foi então que brinquei: um dia, vou ter um pedaço de terra em Portugal para falar que é meu. E ele me falou que havia se surpreendido com a escala do agronegócio em Portugal, com a dimensão e com as margens (operacionais)”, acrescenta.
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David ficou com aquela conversa martelando na cabeça. Para que o brasileiro dirimisse todas as dúvidas, Felipe lhe enviou um material preparado por uma consultoria sobre o agronegócio em Portugal. “Aquele documento tinha mais de 500 páginas, mas virei a noite lendo tudo, mergulhei de cabeça no assunto. No outro dia, liguei para o Felipe e disse que iria investir em Portugal”, afirma. Era passagem de 2017 para 2018 e, desde então, já foram 50 milhões os investimentos realizados pelo brasileiro, que tem o amigo português como sócio. A empresa fundada por David, a Veracruz, produz amêndoas.
Fábrica entra em operação
O empresário estava capitalizado, pois havia vendido a empresa de tecnologia que tinha no Brasil, a FS. “Nosso primeiro investimento foi de 20 milhões de euros. Compramos terras e contratamos uma consultoria e alguns agrônomos para começar o projeto”, diz. Ele, que tinha boa formação em gestão, foi para os Estados Unidos estudar. “Aquele país é o maior produtor de amêndoas do mundo, respondendo 80% do total. Fui também para a Espanha, o segundo produtor mundial, fazer curso para entrar nesse meio agrícola”, destaca.
Portugal tende a se consolidar como terceiro maior produtor de amêndoas do mundo
Miguel Madeira
Com planos bastante ambiciosos, o fundador da Veracruz conseguiu um financiamento de 20 milhões de euros para dar musculatura ao negócio. Além do plantio e da colheita das amêndoas, ele se preparou para agregar valor aos frutos. “Passamos a construir a nossa fábrica, que começará a entrar em operação em agosto”, conta. Para garantir a unidade de produção, David e Felipe foram em busca de um fundo de investimento, o IR Capital, que aportou 10 milhões de euros no negócio.
A fábrica, deixa claro o empreendedor, será uma espécie de grito de independência da Veracruz. “Hoje, todo o beneficiamento das amêndoas está terceirizado, do descascamento dos frutos à saborização e ao embalamento. “Agora, com a fábrica entrando em operação, vamos internalizar esses processos. De início, passaremos a embalar nossos produtos. Encomendamos a máquina no ano passado e já recebemos, o que nos permitirá fazer esse processo dentro de casa a partir do próximo mês. Depois, vamos partir para a saborização e as outras etapas. Estamos focados na agregação de valor”, assinala.
O brasileiro afirma que, neste momento, a empresa está colhendo 1 mil toneladas de amêndoas — metade da meta programada para até 2030, de 2 mil toneladas. Ele explica que a colheita do fruto é demorada. “Começamos a plantar em 2018, e as árvores demoram cerca de quatro anos para começar a produzir frutos. A produção vai crescendo gradualmente, e chega ao topo com sete, oito anos depois do plantio. Estamos na metade do processo. Hoje, temos 50% da produção esperada”, explica.
Consumidores saudáveis
O entusiasmo de David é grande. Ele acredita que, em breve, por conta do projeto que ele está à frente e de outros 40 que estão em andamento, Portugal se tornará o terceiro maior produtor de amêndoas do mundo, superando a Austrália, cuja produção vem sendo afetada por questões climáticas. Ao mesmo tempo, o mineiro, que criou a própria marca, a Better With, lançada no ano passado, vê a demanda pelo fruto crescendo graças à forte expansão do mercado de comidas saudáveis. “Os frutos secos estão no topo dessa cadeia, especialmente a amêndoa, pelo alto teor nutritivo. Não à toa, esses frutos secos são indicados pelos nutricionistas”, ressalta.
David Carvalho diz que o processo de produção de amêndoas é gradual. Do que ele já colhe, 90% são exportados
Arquivo pessoal
As amêndoas produzidas pela Veracruz são vendidas como snacks, mercado que movimenta 1,3 bilhão de dólares por ano, com perspectiva de crescimento de dois dígitos nos próximos anos. “Cada vez mais, as pessoas têm buscado alimentação saudável. Estamos falando de consumidores mais conscientes com a origem do produto, com a questão da sustentabilidade”, frisa.
E complementa: “Recorremos à agricultura regenerativa, que controla a quantidade de água usada da rega da plantação, preserva a biodiversidade e mantém a saúde do solo. Também temos os olhos voltados para os trabalhadores, para não haver trabalho análogo à escravidão e infantil”. A Veracruz tem, atualmente, 50 empregados, número que pode dobrar quando a fábrica estiver em pleno funcionamento e todas as áreas de plantio, produzindo.
David explica que os consumidores, além de um snack saudável, querem produtos saborosos. “Nossos produtos carregam vários sabores, dos tradicionais, como coco e canela, aos mais exóticos, de trufas e pétalas de rosa. “Muitos daqueles que buscam alimentação saudável não abrem mão de um momento de prazer, da indulgência de ter um produto que faz bem para a saúde, mas também é saboroso” frisa.
90% são exportados
Os 1.300 hectares da Veracruz — dos quais 1 mil estão plantados — ficam na região de Castelo Branco, mais precisamente, nos municípios de Idanha-a-Nova e Fundão. “Estamos exportando 90% da nossa produção. Já vendemos para diversos países, entre eles, Inglaterra, Alemanha, Japão, Emirados Árabes, Croácia e até Ucrânia, mesmo com a guerra. Exportamos o produto acabado. A nossa marca está voltada para o mercado internacional, com diversos sabores e formatos de embalagens”, diz.
As vendas para o Brasil, no entanto, ainda são um sonho. “Não é fácil exportar para o Brasil. Mas é uma questão de honra fazer com que nossos produtos cheguem ao país. Tenho vários amigos brasileiros perguntando quando poderão comprar as amêndoas que provaram em Portugal e acharam bem saborosas”, destaca. O Brasil não produz amêndoas por causa do clima. As plantas precisam de pelo menos 500 horas por ano de frio, período que adormecem para, depois, florescerem. Hoje, tudo o que o Brasil consome de amêndoas sai dos Estados Unidos”, emenda.
Apesar da queda da produção da Austrália devido às questões climáticas, David não viu os preços das amêndoas dispararem, como se observa nos casos do café e do cacau, cujas safras têm sido afetadas por eventos extremos, como secas prolongadas. E a demanda só cresce. “O quilo de amêndoas está cotado a 5 euros nas bolsas de commodities. A produção mundial do fruto tem girado em torno de 1,3 bilhão de quilos e seu uso está se diversificando, como na indústria da confeitaria — doces, chocolates e sorvetes — e até como leite vegano”, complementa.