No meio de todo este debate sobre as causas e prevenção dos incêndios em Portugal, uma coisa que me faz confusão é o quão raramente oiço a questão da biodiversidade ser referida. Fala-se (e bem) do papel que as monoculturas de eucalipto desempenham mas poucas vezes se fala do quão empobrecido o nosso país está em questões de conservação e restauração da natureza e como isso nos afecta.
Portugal, assim como vários países europeus, atravessa um período de abandono rural no qual o pastoreio vai perdendo importância económica e as cabeças de gado vai diminuindo por todo o território. Esta tendência é improvável que se reverta e quanto muito só se está intensificar. Por outro lado, os grandes herbívoros selvagens que temos existem numa baixíssima densidade populacional, o que faz com que a vegetação se acumule e se torne mais densa, o que efectivamente cria um barril de pólvora quando o verão chega e a vegetação seca.
Sabemos já que herbívoros como o tauros (versão moderna do extinto auroque) e cavalos selvagens de facto têm um impacto positivo na frequência e impacto dos incêndios florestais ao consumirem grandes quantidades de vegetação. Gado bovino e bisontes criam também zonas abertas ao alimentarem-se de árvores jovens e arbustos que diminui a probabilidade dos incêndios se alastrarem. Herbívoros mais pequenos como o veado-vermelho, o corço, etc, desempenham o mesmo papel embora não de forma tão eficaz. Por último, o castor, embora não seja um herbívoro de grande porte, é um engenheiro de ecossistemas e ao construírem as suas barragens criam zonas húmidas que servem como barreiras para os fogos.
É possível que 1 só espécie não faça grande diferença, mas a acção coordenada de todas estas espécies pode realmente fazer a diferença, com o bónus acrescido que são espécies-chave que podem potenciar a biodiversidade no nosso país.
by zek_997
16 comments
Concordo plenamente. Não sei porque não é algo mais discutido
Finalmente alguém a falar de soluções uteis
Até não haver penas graves para as pessoas que ateiam incêndios não acredito que estas medidas ajudem muito.
O problema é grande e tem várias camadas. Para começar, a vegetação que temos não é a mais adequada, e há muitos interesses em jogo. A plantação massiva de eucaliptos – impulsionada nos tempos do Cavaco por interesses económicos privados – destruiu grande parte da verdadeira floresta portuguesa, que era muito mais resistente aos incêndios.
Depois há a questão da posse dos terrenos. Muitos estão concentrados em famílias abastadas, que os encaram mais como símbolo de estatuto do que como algo para ser cuidado ou valorizado. Pior ainda: há inúmeros terrenos em que os donos legítimos nem sabem que os têm, porque não estão devidamente registados. Muitas autarquias continuam sem sistemas informatizados ou sem meios para cruzar dados e identificar os proprietários.
O que acaba por acontecer é isto: quem tem grandes áreas de terreno não as aproveita de forma sustentável, e quem teria vontade e energia para reflorestar, recuperar espécies nativas e cuidar da biodiversidade… não tem acesso nem permissões para o fazer. Eu, por exemplo, adoraria ter um bom pedaço de terra para reintroduzir espécies autóctones e tratá-las como minhas. Mas esse não é o interesse de quem tem poder e manda no sistema.
98% da área de PT está em mão de privados.
Eu até dou de barato que tenhamos monoculturas, não chego ao extemo de dizer que temos de proibir o eucalipto. Mas que não sejam hectares e hectares contínuos de monocultura.
Intercalar as monoculturas com o que estás a propor, talvez fosse viável? Não sou especialista no assunto, mas parece-me boa ideia usar a biodiversidade como barreira natural contra o fogo.
Enfim, mesmo que nao resolva muito, pelo menos ficávamos com um país mais bonito.
Eu não percebo nada do assunto, nem vou fingir perceber.
Mas sei que o nosso problema não é falta de soluções. Já temos vários relatórios sobre o assunto. O problema é falta de implementação.
A Lousã está cheia de veados. Ardeu na mesma
Adoro a ideia, mas uma questão: se o ambiente fosse propício a essa vida selvagem, não significaria que ela ia começar a aumentar ano após ano?
Os habitats podem não ser o que achamos.
Vou perguntar à Navigator o que é que eles acham.
Por acaso tenho curiosidade em saber se há alguma correlação entre as zonas com cavalos “selvagens”/gado a viver solto e incendios. Principalmente na Serra D’Agra, Fafe, Serra Amarela e por aí.
Um dos problemas é que tens demasiados eucaliptos, que além de tóxicos para o solo, são tóxicos para a maioria dos animais.
A não seque que se importem koalas aos contentores, só mesmo reduzindo fortemente a quantidade de eucaliptos
Aqui está uma bela ideia. Não sei é até que ponto depois não se tem de autorizar alguma caça/abate para fazer controlo populacional (como fazem periodicamente às cabras selvagens das Desertas) ou introduzir mais carnívoros como lobo ou urso, mas é um excelente método para diminuir o mato.
Parece ser uma excelente medida.
Tudo óptimo, mas o terrenos sao privados e as pessoas querem ganhar algum dinheiro com eles.
Essa biodiversidade referida nunca seria a solução mágica, pela vasta extensão de floresta mas claro que seria, sem dúvida, um sintoma benigno de que estávamos a reflorestar e a restaurar o nosso bosque.
Enquanto não chegarem à conclusão de que :” temos de plantar árvores cujo fruto nunca provaremos” ou ” saber plantar arvores cuja sombra será para os que virão”, nunca passaremos da cepa torta.
Claro que essas ideias numa sociedade como a nossa, em que só se valoriza o lucro imediato, em que só o dinheiro tem valor e de uma individualização exacerbada, são muito dificeis de concretizar.
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