Após ter estado no Arquivo Distrital de Faro, “Ventos do povo: De revoluções e transições ibéricas (1974-1977)”, leva até 30 de outubro à Guarda 70 imagens que marcaram a mudança de regime em Portugal e Espanha.


Integrado no programa cultural conjunto que celebra os 50 anos de democracia nos dois países, o projeto releva aspetos populares fulcrais para a mudança em ambas as sociedades.


“Não há políticos nas nossas fotografias, elas são todas de acontecimentos, eventos, movimentos e dinâmicas que têm uma raiz popular”, explicou à agência Lusa Carla Baptista, que assume a curadoria da exposição com Rafael R. Tranche.


A investigação procurou as dinâmicas mais relevantes para lá do processo político, identificando imagens que permitem estabelecer paralelos entre o que se passou do lado de cá e do lado de lá da fronteira.


Por exemplo, o eclodir da revolução em Portugal proporcionou, no 25 de Abril, fotografias “de celebração, alegria e comemoração”. Já em Espanha, os curadores identificaram o dia da morte do ditador Francisco Franco, 20 de novembro de 1975, como o momento inicial da transição progressiva e negociada – mas também com situações de “repressão fortíssima e as imagens retratam isso”.


“Nesse dia temos [imagens] de pessoas a ler jornais onde se vê `Franco morreu` e os semblantes são de expectativa, uma certa perplexidade com o que vai acontecer”, exemplificou Carla Baptista.


Deste exercício, retira-se que “o olhar português [sobre a revolução] ganha uma dimensão maior”, porque os fotógrafos registam “coisas que transcendem os próprios acontecimentos”, como “perceções, formas de sentir, formas de reagir, comportamentos coletivos”.


Mas há também pontos de contacto, nomeadamente na cultura visual da época.


“As fotografias são, às vezes, incrivelmente parecidas umas com as outras: nas posturas, nos gestos que retratam, nas caras das pessoas, nos enquadramentos, nos tratamentos gráficos”.


Por outro lado, destacou a curadora, “aproxima os dois países a luta pela casa, pela habitação”. Um processo que “ficou muito incompleto”, porque a revolução não resolveu o problema.


“Há um diálogo para o futuro muito interessante, porque estas lutas mantêm-se”.


Outro comparativo feito na exposição é no campo dos costumes. “Em Espanha, a democracia demorou mais tempo a institucionalizar-se, mas temos expressões mais vibrantes de coletivos feministas, de reivindicações LGBT ou de gestos amorosos na rua. Em Portugal, isso é mais lento”.


“Em Espanha apareciam muitas imagens; em Portugal tivemos de andar à procura. É socialmente muito revelador”, destacou Carla Baptista.


Organizada em cinco secções temáticas – “Hoje começa tudo”, “O povo na rua”, “Do centro à periferia”, “Liberdade de expressão” e “A revolução dos corpos” -, a exposição conta com fotografias de Alexandre Alves Costa, Alécio de Andrade, Guillermo Armengol, Manel Armengol, Pilar Aymerich, Carlos Bosch, Henri Bureau, Augusto Cabrita, Xosé Castro, Gustavo Catalán, Colita, Peter Collis, Nuno Félix da Costa, Demetrio E. Brisset, Paco Elvira, Pepe Encinas, Antonio Gabriel, Eduardo Gageiro, Carlos Gil, César Lucas, Inácio Ludgero, Rui Martins, Pablo L. Monasor, Andrés Palomino, Albano Pereira, José Carlos Pereira, José Carlos Pratas, Guy Le Querrec, Benito Román, Francesc Simó, Ernesto de Sousa, Anna Turbau e Luis Vasconcelos.


Segundo a curadora, os fotógrafos foram dos primeiros a perceber a importância da dinâmica popular na revolução:


“Essas reivindicações populares tiveram uma enorme sistematicidade, ganharam voz e expressão durante aqueles dois anos em Portugal, com efeitos que ainda perduram na democracia que temos”.


Através da fotografia, “Ventos do povo” mostra-o na Guarda a partir de 07 de outubro.