O ex-Presidente da Guiné-Bissau, deposto na quarta-feira por um grupo de militares e que na quinta-feira à noite chegou a Dakar num avião fretado pelo Governo do Senegal, deu uma entrevista ao canal de televisão 1 Africa TV a responsabilizar Portugal pelos acontecimentos recentes que levaram ao seu afastamento do poder. Para Umaro Sissoco Embaló, Portugal não gosta que haja um Presidente guineense muçulmano.

“Assim que há um Presidente que se chama Mamadou, Omar ou Ibrahim, eles tornam-se muito hostis”, afirma Embaló no extracto da entrevista posta a circular pelo canal de televisão nas redes sociais. “É uma pena. A Guiné-Bissau tem 60 e poucos por cento de muçulmanos”, mas sempre que “há uma mudança”, sempre que “há um Presidente muçulmano, Portugal mostra-se muito hostil.”

O Presidente guineense, que chegou a ser condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa com o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, o mesmo reservado ao imperador Akihito, Nelson Mandela, Lech Walesa ou François Mitterrand, considera que Portugal é um factor de desestabilização na Guiné-Bissau a partir do momento em que um muçulmano chega ao poder.

Não são só os dirigentes políticos, também os media: “Sempre que há um Presidente de confissão muçulmana, as rádios portuguesas são muito hostis em relação à Guiné-Bissau.” Embaló, enquanto Presidente, expulsou do país a RTP e a agência Lusa.

“A Guiné-Bissau era o único país onde havia muçulmanos, católicos, protestantes e ateus” no tempo da colonização portuguesa, “não se vê isso em Angola, no interior, nas outras comunidades”, acrescenta o ex-Presidente guineense.

Durante os quase seis anos em que Sissoco Embaló se manteve no poder, Portugal foi acusado por muitos quadrantes, nomeadamente a oposição guineense, de compactuar com a sua deriva autoritária. “Através do seu Presidente da República e do seu Governo, o Estado português participou activamente na higienização do ex-Presidente [sic] guineense autoritário, Umaro Sissoco Embaló”, dizia em Julho o colectivo guineense Firkidja di Pubis.