A Polícia Judiciária (PJ) deteve seis pessoas esta terça-feira, 17 de Junho, por ligações ao grupo de extrema-direita e neonazi Movimento Armilar Lusitano, descrito como se fosse uma milícia armada. Na operação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ foram apreendidos explosivos, armas brancas e armas de fogo. Foram ainda encontradas armas desenhadas em impressoras 3D, com capacidade para disparar, algo inédito em Portugal até agora, segundo afirmou a directora da UNCT, Manuela Santos.
Há um elemento da PSP entre os detidos, confirmou a PJ. Actualmente, este agente desempenha funções de chefia na Polícia Municipal de Lisboa. Num dos canais de Telegram deste grupo partilham-se mensagens de elementos de vários outros grupos de extrema-direita. A PJ confirma ainda que além deste detido há mais elementos das forças de segurança entre os membros, todos portugueses e sobretudo homens. Entre as apreensões estavam vários livros de Hitler.
O PÚBLICO sabe que entre as apreensões estavam autocolantes e bandeiras do 1143, o grupo neonazi liderado por Mário Machado, e uma bandeira que parece ter ligações a grupos neonazis alemães, mas o director nacional da PJ, em conferência de imprensa, não quis explicitar as ligações encontradas entre grupos. Também foi descartada ligação com a Barraca e com o grupo de onde saiu o agressor de 20 anos, e onde estavam elementos neonazis.
Na sede da PJ, o director nacional Luís Neves afirmou que estes grupos são uma fonte de preocupação. A linha em comum é “a discriminação em função da identidade de género, da raça, em função do credo”, referiram os responsáveis. Luís Neves disse que os crimes de ódio são um fenómeno “muito sério” que está em crescimento. “Assistimos a um recrutamento de camadas cada vez mais jovens através da Internet”, assentes em “fake news” e manipulação, disse o director nacional. Sobre a participação de um elemento da PSP no grupo investigado, o director nacional diz que não são colocadas em causa as forças de segurança.
Já Manuela Santos, directora da UNCT, não escondeu surpresa com a quantidade, qualidade e diversidade do material apreendido. A responsável diz que a PJ se apercebeu que o grupo se estava a armar, tendo já capacidade de organizar ataques de grande escala. Há elementos que estavam ligados a antigas associações de extrema-direita já neutralizadas. Os elementos detidos são de várias zonas do país. “Temos muita informação sobre outras pessoas que intervêm nesta estrutura.”
E adiantou: “Percebemos que estavam, de facto, a armar-se, a recrutar pessoas e a ter capacidade de treino e táctica para fazer uma acção que não sabemos qual, mas que provavelmente estaria no seu horizonte”, adiantou.
Que a PJ tenha conhecimento, esta foi a primeira vez que as autoridades portuguesas apreenderam armas fabricadas com recurso a tecnologia 3D. Estes objectos eram 100% funcionais, estando prontos a disparar. Explicaram que são armas muito mais difíceis de detectar, por escaparem ao controlo metálico nos aeroportos e outros locais.
Grupo fez treinos airsoft
Não existem provas que mostrem um plano concreto para ataques, mas sabe-se que os elementos desta milícia realizavam treinos com armas airsoft. Há ainda indícios que mostram grandes níveis de preparação. O grupo junta vários membros de outros movimentos. Nos canais online proferem discurso de ódio e ideologia neonazi com frases como “só existe o nacionalismo étnico”.
Segundo foi explicado, a milícia teve a sua origem em 2018 e a sua actividade acentuou-se, sobretudo, a partir da pandemia. Iniciaram a sua investigação em finais de 2021, mas foi ao longo dos últimos três anos que incidiram a acção. Trata-se de junção de grupos antissistema, que contestam as instituições e o estado democrático.
Luís Neves elogiou ainda a colaboração da PSP e da GNR nesta investigação, adiantando que o grupo, apesar de não ser considerada uma organização terrorista, tem elementos referenciados por este risco. Dadas as novidades que este caso traz, vai ser analisada a legislação, de modo a perceber o que precisa de nova regulamentação. Não há, para já, ligação a claques de futebol.
No comunicado da PJ a anunciar a Operação Desarme 3D, detalha-se que foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão (domiciliárias e não domiciliárias), com os seis detidos a serem fortemente indiciados da prática dos crimes de infracções relacionadas com grupo e actividades terroristas, discriminação e incitamento ao ódio e à violência e detenção de arma proibida. O material foi apreendido sobretudo em três locais, especificaram na conferência de imprensa.
Além das armas foram ainda encontradas várias munições, material informático e outros elementos de prova. A PJ chegou ao grupo através da análise de redes sociais e outras actividades online, detectando “indicadores de manifestações extremistas” que incentivavam “à discriminação, ao ódio e à violência contra imigrantes e refugiados”.
O Movimento Armilar Lusitano pretendia constituir-se como um movimento político, “apoiado numa milícia armada, e encontram-se indiciados pela prática de factos enquadráveis nos crimes de infracções terroristas, alteração violenta do Estado de direito e de detenção de armas proibidas”, pode ler-se no comunicado da PJ.
Os detidos serão presentes a primeiro interrogatório ainda esta terça-feira para conhecerem as respectivas medidas de coacção.
Nota: numa primeira versão deste texto referiu-se que havia autocolantes do Reconquista mas eram do 1143