Líder do centro de dados de Sines – um investimento de 10 mil milhões – revela que há uma grande procura por Portugal por parte de tecnológicas americanas. Fechado o acordo com a Nvidia e a Microsoft, a Sines DC arranca com a construção do segundo edifício no final deste ano, deixando a porta aberta a parcerias com grandes tecnológicas. A procura é tanta que novos clientes já “estão a bater à porta” para que novo edifício esteja pronto em 2 anos.

Quando alguém na Califórnia usa alguma aplicação de Inteligência Artificial (IA), os dados estão a ser processados em Portugal. A informação chega em milisegundos ao outro lado do mundo, apesar dos 9 mil kms que separam Lisboa de Los Angeles. Este cenário vai tornar-se realidade a partir do primeiro trimestre de 2026.

A partir do próximo ano, mais de 12 mil chips de topo de uma das maiores fabricantes mundiais vão começar a bombar no centro de dados de Sines. A pequena cidade costeira do distrito de Setúbal vai receber um projeto que junta as duas companhias mais valiosas do mundo neste momento – Nvidia e Microsoft – que vão convergir no centro de dados Sines DC.

“Esta é a recompensa por cinco anos de trabalho duro. Vemos agora estas grandes empresas internacionais a reconhecerem as qualidades deste projeto e de Portugal”, disse Robert Dunn, presidente-executivo da Start Campus.

O centro de dados de Sines vai receber chips da Nvidia para um projeto da Microsoft, as duas cotadas de Wall Street contam com um valor combinado de 8,3 biliões de dólares (isso mesmo, biliões).

Esta é a maior instalação já feita da nova geração de chips de IA da Nvidia em Portugal: são 12.600  unidades de processamento gráfico – Blackwell Ultra GB300. Estes chips serem para acelerar o uso de aplicações de IA, mas continuam a ser usados para videojogos, produção de vídeos ou realidade virtual.

“Todos estão a falar de Portugal, do que eu tenho ouvido dos clientes americanos e até dos nossos concorrentes dos EUA. No último ano, houve uma grande procura para construir todos estes grandes centros de dados de IA nos EUA porque era rápido, relativamente barato e havia energia. Agora vemos que já não há energia disponível. Estão a ter muitas restrições e procuraram medidas temporárias como grandes turbinas de gás para resolver o problema no curto prazo, mas que se tornaram muito caras”, acrescentou o gestor.

“Agora há muitos projetos e estão a pensar ‘não conseguimos fazer’ e estão a procurar por outros países e estão todos a olhar para a Europa e para Portugal por causa dos preços baixos, porque conseguimos desenvolver este campus rapidamente, porque tudo o que tinham planeado para os EUA conseguem fazer aqui. Há muito interesse em Portugal neste momento. Ajuda muito que Portugal tem os cabos submarinos que fazem a ligação direta aos EUA”, acrescentou o gestor em entrevista ao Jornal Económico na sede da empresa em Lisboa.

“Está a ter lugar a febre da IA. Somos parte desta vaga. Os nossos clientes estão a bater à porta para tentar que o edifício esteja concluído no espaço de 24 meses. É um desafio dado o tamanho do projeto. Já temos todos os empreiteiros contratados e o equipamento”, explica.

O próximo passo é arrancar a construção do segundo edifício até ao final do ano, que vai ser duas vezes maior em área face ao primeiro, mas “seis vezes mais poderoso” em capacidade tecnológica “este tem 30 MW de carga, o próximo vai ter 180 MW. Estamos a instalar infraestruturas (‘racks’, que alojam os chips e servidores) com 130 kilowatts, 10 vezes mais potentes do que há 5 anos. No próximo edifício, esperamos ter ‘racks’ com 200 ou até 300 kW. Isto significa que conseguimos acrescentar mais capacidade no mesmo espaço”.

O gestor australiano diz que a Start Campus é “cortejada por muitos investidores que querem estar envolvidos no nosso projeto. Mas neste ponto, temos apoio do nosso investidor principal, Davidson Kempner. Estamos a rejeitar muitos investidores a este ponto enquanto continuamos o nosso projeto”, afirmou sobre o fundo norte-americano, acionista da empresa.

“Prevemos cerca de 10 mil milhões em atividades de construção. E os clientes devem trazer investimento 4 vezes superior a este valor em termos de chips e de infraestrutura tecnológica”, na casa dos 40 mil milhões de euros.

A companhia prevê arrancar com a construção do segundo edifício no final deste ano, depois de esgotada a capacidade do primeiro edifício. “Os clientes já estão a fazer fila, é excelente”.

Questionado se o acordo com a Nscale/Nvidia/Microsoft implica exclusividade, o gestor responde que as portas estão abertas a todo o setor. “Os contratos para o primeiro edifício já estão a decorrer. Nos novos edifícios estamos a falar com todas as companhias tecnológicas globais. Gostamos deles como parceiros e podemos continuar a trabalhar com eles, mas há muito apetite pelas novas fases. Estamos em discussões neste momento com muitos deles para saber quem quer estar no novo edifício”.

Um estudo feito pela Copenhagen Economics concluiu que o setor dos centros de dados pode contribuir com até 26 mil milhões de euros para o PIB nacional e apoiar cerca de 50 mil empregos até 2030.

Do valor total, cerca de 9,2 mil milhões são de efeitos diretos e 8,6 mil milhões indiretos, com 8,4 mil milhões a serem induzidos através do desenvolvimento do setor, de acordo com o estudo feito para a Start Campus e divulgado este ano.

Em termos de postos de trabalho, poderá atingir 50 mil novos postos de trabalho a tempo inteiro, entre empregos diretos, indiretos e induzidos.

Sobre as restrições às compras de chips da Nvidia que os EUA queriam impor, a medida foi cancelada já não havendo impactos para Portugal. “Os clientes não vão sofrer restrições, os chips estão a chegar”.

Em relação às tensões geopolíticas, Robert Dunn considera que a empresa tem estado a passar ao lado das mesmas. “Não estamos a sentir as tensões. A relação EUA-Portugal continua forte. Quando os clientes americanos olham para fora do país, Portugal surge naturalmente”.

O setor dos centros de dados “está muito forte em Portugal”, defende. O acordo com a Nvidia e a Microsoft “prova que Portugal é uma boa casa para investimentos de IA na Europa e na UE. Quando falamos de soberania de dados, Portugal parece o lugar perfeito para estar, não só por causa dos preços baixos e das energias renováveis, mas também devido à sua localização geográfica no Atlântico com todos os cabos submarinos a virem de outros continentes. Está bem localizado para ser um grande centro de dados na UE e na Europa”.

Com as tensões entre o ocidente e grandes potências como a China, a questão da soberania de dados vai ser importante? “Já é. Tem sido um tema de conversa no último ano, mas agora estamos a ver decisões reais para ajudar empresas e governos para ajudarem a tomar decisões para proteger a sua soberania. Os investimentos estão a acontecer. As pessoas estão a acordar para isto”.

A Start Campus está envolvida no consórcio para a gigafábrica de IA? “Sabemos que Sines está a ser avançado como potencial localização. Esperamos que o consórcio fale connosco a dado momento, mas ainda não há uma relação direta”.

Em termos de abastecimento de eletricidade, disse ter acertado agulhas com a gestora de rede de transporte, a REN, para ter acesso a energia. E que já assinou os primeiros acordos de compra de eletricidade renovável, o que continuará a fazer nos próximos edifícios, com a possibilidade de acordos com centrais renováveis na área. Sobre um eventual acordo com a giga-central solar Fernando Pessoa em Santiago do Cacém, disse que “potencialmente” poderá vir a ser um dos fornecedores, mas que não há acordos fechados.

Sobre o consumo de água, usada para arrefecer os edifícios dado o intenso calor que emana dos servidores, o primeiro edifício está a consumir 40% de água do mar, que depois é deitada novamente no mar, mas que o objetivo é atingir 100% de uso de água do mar no arrefecimento. “Estamos a preparar-nos para ter mais água do mar no resto do campus na próxima fase. No segundo edifício e no resto do campus, todo o arrefecimento vai ser feito com água do mar. Estamos a usar o poder de arrefecimento do mar para arrefecer o centro de dados”.

“A reciclagem de água torna o centro de dados um exemplo. Temos um sistema eficiente de arrefecimento, não usamos água”, pois é reciclada, apontando que o uso de energia para bombar a água é “incrivelmente baixo comparado com unidades de arrefecimento a partir de ar condicionado”. Consideramos que há zero uso efetivo de água. Os outros usam torres de arrefecimento e têm de usar água industrial para arrefecer o ar, mas nós não usamos nada disso. Tentamos ser um exemplo para outros projetos”.

Houve noticias recentes de várias grandes companhias a investirem em centros de dados, como a Blackrock, Microsoft, Nvidia, Macquarie. Poderão vir a ser parceiros da Start Campus? “Não procuramos investimento direto neste momento. Vai haver muitos requerimentos de capital na futura expansão do campus. Mas já temos algumas parceiras que nos permitem arrancar com o próximo edifício. E o futuro investimento virá mais tarde, assim que tivermos os clientes.”