O Audax Club Parisien é como a FIFA para o futebol

A atividade, chamemos-lhe assim, não está sob a égide de nenhuma federação, mas só é permitido participar mediante inscrição na Randonneurs Portugal. E não é permitido começar logo por uma prova de 600 ou mais quilómetros. Tem de começar nos 200Km e ter um determinado número de carimbos no brevet para fazer provas cada vez mais longas.

Há que acumular experiências, saber lidar com contratempos, como um furo ou o estômago vazio quando se está no meio do nada e com o sentimento de que não vai conseguir completar a volta. Em Portugal há provas dos 200 aos 1200 quilómetros, mas há percursos internacionais com mais do dobro da distância.

Depois de definido o percurso com a distância exata da prova e pontos de controlo, cada ciclista procura completar a prova como pode e quer. Chegar dentro do tempo limite definido – 200Km em 13h30, 300Km em 20h00, 400Km em 27h00, 600Km em 40h00 ou 1000 em 75h00 – é a regra.

Henri Desgrages, fundador do Tour, esteve envolvido no início da atividade/modalidade, que é gerida mundialmente pelo Audax Club Parisien, que organiza, desde 1951, o Paris-Brest-Paris (a prova que esteve na origem da Randonneurs Portugal). Pedro Alves e o amigo Albano Simões (acabou por não ir) precisavam de ir a uma quantidade específica de eventos em solo português para serem admitidos na prova francesa e, assim, nasceu uma associação sem fins lucrativos ou interesse em organizar eventos de massas. O número controlado de pessoas em cada prova é um dos segredos de um bom evento, segundo o presidente Pedro Alves.

Não é preciso atestado médico para participar, mas os participantes estão duplamente segurados. Além do seguro da Randonneurs Portugal, quase todos têm seguros pessoais. Em 15 anos só registaram um incidente. E há um conjunto de regras escritas e outras não-escritas, como exigirem a si mesmos um comportamento de segurança. Portugal foi o primeiro país do mundo a obrigar os randonneurs a trazerem coletes refletores dia e noite. Passar um sinal vermelho numa localidade, mesmo sem haver trânsito, é penalizado até moralmente.

Mas, e será saudável? “Costuma dizer-se que quem faz brevets anda à procura de uma coisa que nunca alcança. Quando fazes estas distâncias muito grandes, passas por estados emocionais diferentes e há um truque que todos usamos: quando nos estamos a sentir bem aproveitamos, porque vai haver um momento em que nos perguntamos o que é que estamos ali a fazer. É evidente que há uma gestão mental que torna a parte atlética secundária. Se me pedir uma resposta pura e dura, a resposta é não, as pessoas não foram feitas para pedalar durante 13 horas sentadas num selim de 10 centímetros, mas provavelmente também não foram feitas para correr uma maratona (mais de 40Km), nem para mergulhar a 50 metros”, respondeu o líder do Randonneurs Portugal.

A motivação de um randonneur mudou muito, segundo Pedro Alves. Se em 2011 apareciam muitas pessoas “com a ideia da superação física, numa lógica mais individual, hoje uma parte substancial dos participantes fazem-no para conhecer o país de bicicleta, o que é uma motivação muito interessante”. E, por isso, os percursos são cada vez mais idílicos e instagramáveis. A próxima prova são os 200Km Évora, já no dia 29.

isaura.almeid@dn.pt