O debate arranca com António Filipe a afirmar que os portugueses “querem um presidente que faça aquilo que lhe compete constitucionalmente, que é cumprir e fazer cumprir a constituição”.

Na opinião do candidato apoiado pelos comunistas, o presidente da República “tem iniciativa política e pode tomar iniciativas políticas no sentido de sensibilizar quem exerce o poder executivo para tomar certas medidas”.

“Esperam do Presidente alguém que aumente a sua magistratura de influência e intervenha junto do Governo”, acrescenta.

Em resposta, João Cotrim Figueiredo diz que os problemas que afetam os portugueses “são de cariz sobretudo executivo” e lembra que António Filipe viabilizou seis orçamentos, e durante esse período “a imigração era um tema e passou a ser um problema, a habitação era problema passou a ser uma crise, e a saúde que era uma crise passou a ser um caos”, sugerindo que esteve mais próximo das funções executivas do que estaria em Belém.

O antigo líder dos liberais considera que um presidente “deve ser interventivo”, mas garante que não vai para o Palácio de Belém “defender que as políticas devem ser liberais”.

António Filipe responde afirmando que Cotrim “apoiou mais governos” do que ele, apontando “funções executivas próximas de governos”. O candidato comunista acusa também o seu oponente de “apoiar claramente” a política do atual Governo, nomeadamente a proposta de reforma laboral.

Saúde em debate
Passando para o tema da Saúde, Cotrim Figueiredo diz que este é o “período da história em que mais cresceram os privados” e considera “irresponsável não atacar este problema na base”.

“Estamos a criar um sistema que alinha os interesses dos doentes com prestadores de saúde?”, questiona o candidato, alertando que os sistemas deveriam ser “beneficiados” por tratar melhor os doentes, desde logo através de “incentivos”.

“Se os incentivos estiverem alinhados, as coisas correrão certamente melhor”, considera.

António Filipe, por sua vez, diz que “o que se está a passar na saúde é o resultado de políticas neoliberais” no setor. 

“Enquanto o SNS se vai degradando, vemos que temos mais hospitais privados do que hospitais públicos”, diz. “Portanto, está a dar-me razão”, interrompe Cotrim Figueiredo, ao que António Filipe responde que isso se deve “em grande parte à custa de custos públicos, designadamente à custa de convenções”.

“É preciso que haja um investimento claro no SNS, dando condições aos profissionais para que lá trabalhem”, defende.


“Os utentes do SNS devem poder optar pelo prestador de serviços que mais querem. Essa postura, que nunca houve no SNS, impede que o sistema tenha em si a capacidade de se autorregenerar e melhorar. Isto tem zero a ver com atitude liberal”, responde Cotrim Figueiredo. 


Divergências e concordâncias na lei laboral


Outro dos temas a dominar o debate foi o pacote laboral atualmente em discussão. O candidato apoiado pelo PCP defendeu que o aumento de salários no setor privado consegue-se a partir da valorização da contratação coletiva. 

António Filipe assinalou que a legislação sobre trabalho em vigor “não é de 1975” mas sim de 2003, e que desde então “tem vindo a ser sucessivamente alterada no sentido desfavorável para os trabalhadores e que faz com que, já hoje, tenhamos uma economia de baixos salários”. 

O candidato lembrou que o salário mínimo líquido em Portugal é de “744 euros por mês”, pelo que “dois milhões e meio de trabalhadores que não levam 1000 euros para casa”. Enquanto isso, as maiores empresas do PSI20 “vão distribuir dividendos de 3 mil milhões de euros em 2026”. 

Acusou Cotrim Figueiredo de demonstrar apoio “quase entusiástico” a uma lei que vai no sentido da “precarização eterna” e dos baixos salários. 

“Não considero normal que uma pessoa passe a sua vida inteira sem ter um emprego permanente”, apontou, lembrando ainda o “ataque aos direitos das mães trabalhadoras” ou a possibilidade de uma empresa contratar em outsorcing “os mesmos trabalhadores que acabou de despedir”. 

Segundo António Filipe, os “neoliberais deste país (…) estão a querer vender ideias bafientas do século XIX como se fossem modernidades”. 

João Cotrim de Figueiredo ripostou, considerando que a acusação sobre “ideias do século XIX” vinda de António Filipe “é claramente ofensiva”. Disse, no entanto, que está de acordo com o adversário me alguns pontos, nomeadamente quanto à necessidade de mais emprego e melhores salários. 

“Eu acho lindamente que haja muito mais contratação coletiva”, disse. Mas, ao contrário da função pública, o aumento de salários “não é por decreto”. 

“Agora estamos muito perto de uma situação de pleno emprego, as pessoas têm alternativas de emprego. Aí é que o seu poder negocial sobe tanto ou mais do que com a contratação coletiva”, completou. 

A ideia de que os empregadores “olham para os empregados como um custo” é “do século XVIII”. 

“Qualquer empresa que se preze hoje em dia, pelo menos num setor que viva com alguma concorrência, faz dos seus trabalhadores claramente o seu ativo principal. Vai querer reter os melhores, e se os melhores tiverem alternativas, vai certamente ter que pagar mais”, afirmou Cotrim de Figueiredo. 

Neste ponto, o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal assinalou os efeitos nefastos provocados por um mercado de trabalho em que há “cada vez mais pessoas disponíveis para trabalhar pelo salário mínimo”. 

“Os fenómenos migratórios não têm só efeitos favoráveis naqueles setores que precisam de mão-de-obra barata”, assinalou.

Direito à greve

Questionado pela jornalista Clara de Sousa sobre os possíveis impactos negativos da greve para o país, António Filipe respondeu que “o que prejudica o país é este pacote laboral” e que “as greves já têm serviços mínimos e nalguns casos são quase serviços máximos”.

“Há serviços mínimos que os próprios trabalhadores asseguram, são os primeiros a ter responsabilidade”, assinalou. E considerou ainda que “nenhum trabalhador faz greve por desporto ou com grande alegria”. 

“Quando fazem greve é porque sentem que os seus direitos estão ameaçados e têm de os defender”, rematou. Há até casos em que, ao fazer greve numa empresa, “o trabalhador pode ficar sinalizado e ser dos primeiros a ser despedido”, argumentou. 

Em resposta à afirmação sobre o pleno emprego de Cotrim Figueiredo, António Filipe afirmou que “não há nenhum trabalhador a receber o salário mínimo que não quisesse receber um salário melhor”.

“Se conseguisse arranjar um emprego em que lhe pagassem melhor certamente que o aceitaria. Não aceita porque não há. Só por via da contratação coletiva”, insistiu António Filipe. 

João Cotrim de Figueiredo ripostou: “Só por via do crescimento económico”. Defendeu que as alterações ao código laboral servem para enfrentar os novos desafios do trabalho e que rejeitar todas alterações “é um imobilismo total”. 

Ainda assim, o candidato apoiado pela IL reconhece, como já aconteceu noutros debates, que discorda com alíneas “contra uma política de natalidade”, pretendendo que se assegurem os períodos de amamentação das mães e também a recusa de trabalho noturno ou ao fim de semana por parte de quem têm filhos com idade inferior a 12 anos.

“Parece que o Estado não sabe que há um problema de natalidade”, afirmou. Se fosse Presidente da República, apresentaria estas opiniões “em privado”, mas como candidato diz ter “a obrigação” de explanar o que gosta ou não gosta deste anteprojeto.

Lembrou, por fim, os portugueses que emigra, “São sobretudo os mais jovens e qualificados” e estes “não vão para sítios com legislação laboral mais rígida”, afirmou. 

“Nos últimos 10 anos estes 200 mil portugueses que emigraram para outros países que pagam melhor, com legislações laborais mais flexíveis”, acrescentou ainda. Perante as críticas de António Filipe, rematou: “Não há ninguém que emigre para países comunistas”.

O candidato apoiado pelos comunistas acusou João Cotrim de Figueiredo de estar “ao lado dos interesses dos 1% mais ricos” e disse estar “do lado dos outros 99%”. 

“Não basta que haja crescimento económico para que haja desenvolvimento económico. Ao crescimento económico deve corresponder o aumento de salários e isso em Portugal não se verifica”, argumentou.

Apostar no serviço militar obrigatório “não faz sentido”
João Cotrim Figueiredo considera que “não faz enorme sentido” apostar no serviço militar obrigatório, “porque as necessidades de defesa e a forma de executar operações militares tem mudado muito”.

“Está a mudar muito depressa e a componente tecnológica tem evoluído loucamente e não se compadece com serviços militares voluntários e pessoas com pouca experiência”, acrescenta, afirmando que não concorda com o que está a ser feito em França.

“Mais importante é o investimento material em conhecimento e em equipamento de guerra moderna”, defendeu.

António Filipe, por sua vez, diz que “não defende isso para Portugal”, afirmando que o problema do país é a “falta de atratividade das forças armadas para os jovens”.

“Devíamos olhar para que Forças Armadas queremos e precisamos e não pelo que nos querem impor de fora”, disse.

Questionados sobre a eventualidade de a NATO evocar o artigo 5º da defesa coletiva dos aliados e o que deve fazer o Presidente da República, António Filipe remete o assunto para o Governo. “A política externa é competência governamental”, diz.

Cotrim Figueiredo, por seu lado, diz que a primeira função do Presidente é “antecipar questões que possam conduzir a conflitos e fazer a sua parte de coadjuvante da política externa, forçando a diplomacia e evitando ao máximo que o conflito exista e reforçando a paz”.

“Não sendo isso possível, há obrigações internacionais a respeitar”, continua, ressalvando que “nenhum presidente da República irá levianamente enviar tropas”.

“Teria de ser decidido caso a caso, mas sempre dentro do princípio de que se estamos disponíveis a ser ajudados pelos nossos aiados, temos de estar disponíveis para ajudar os nossos aliados”, rematou.