O líder do Chega, André Ventura, tem um novo cartaz. E é muito parecido com os anteriores, que foram mandados retirar há uma semana por ordem judicial mas que ainda se mantêm no terreno. Diz: “As minorias ‘do costume’ têm de cumprir a lei”. Os anteriores afirmam que os ciganos têm de cumprir a lei.
“E assim, será que pode ser ou também vão ficar melindrados?”, pergunta o candidato a Presidente da República nas redes sociais, onde colocou um vídeo seu a acabar de pendurar o novo cartaz, que foi colocado à entrada de Vila Nova de Milfontes, localidade alentejana onde o líder do Chega está a promover esta segunda-feira uma arruada.
Termina amanhã o prazo dado há uma semana a André Ventura pelo tribunal cível de Lisboa para retirar os outdoors anteriores. Ventura quer poder manter na rua pelo menos alguns dos cartazes que deram origem à sua condenação, até ser decidido o recurso que vai apresentar ao tribunal de segunda instância. Mas entretanto foi preparando o terreno para a eventualidade de ter de os tirar ensaiando esta segunda mensagem.
Na sentença que proferiu no passado dia 22 de Dezembro, a juíza do tribunal cível de Lisboa Ana Brandão defendeu que a mensagem inicial era uma afronta ao direito à honra, ao bom nome e à reputação dos queixosos, seis pessoas de etnia cigana que resolveram desencadear a acção judicial. E deitava por terra os argumentos de André Ventura baseados na liberdade de expressão, lembrando que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos que proíbe a discriminação em função da raça ou etnia. A frase usada por Ventura “é grave”, argumentava a magistrada, “porque foi reflectida (não foi proferida no calor de um debate político)”, ” pensada para causar um específico impacto social relativamente a um grupo social (impacto esse negativo, porque discrimina uma etnia)”.
Dizia também que a opção por outdoors não foi inocente. “O réu sabe que colocou os cartazes em diversas localidades, na via pública, e que os mesmos serão lidos, no sentido por si desejado, por inúmeras pessoas (como admitiu em julgamento, colocou os cartazes em zonas de maior impacto e visibilidade eleitoral).”
E escreveu que a afirmação “agrava o estigma e preconceito de que as comunidades ciganas já são alvo na sociedade portuguesa em geral, fomentando assim a intolerância, a segregação, a discriminação e, no limite, o ódio”, o que é agravado pelo facto de André Ventura ser uma figura pública, representante de um partido com assento parlamentar. “Não pode deixar de saber que a sua convicção assenta em ideias discriminatórias e atenta contra uma minoria étnica”, acrescentava.
Para o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, Telmo Semião, ao não se focar numa minoria específica, a nova mensagem do líder do partido populista de extrema-direita torna-se menos susceptível de incorrer na violação da lei do que a primeira – uma vez que “minoria do costume” é uma expressão que não remete para nenhuma comunidade em especial, seja ela religiosa, étnica ou de orientação sexual. Isto, acrescenta o jurista, muito embora a mensagem com que André Ventura acompanha o cartaz, “E assim, será que pode ser ou também vão ficar melindrados?”, remeta necessariamente para o primeiro outdoor, esse sim dedicado aos ciganos.
“Talvez a nova mensagem já se consiga enquadrar no direito à liberdade de expressão”, equaciona Telmo Semião. “Pode ser uma maneira de dar a volta à situação sem ser penalizado.”
Mas se este dirigente da Ordem dos Advogados entende que com o novo cartaz André Ventura não está a desrespeitar a decisão do tribunal, já a ex-eurodeputada Ana Gomes não tem tantas certezas. “Trata-se um estratagema ardiloso para contornar a decisão judicial. Espero que o tribunal perceba isso”, observa a antiga diplomata, que em Outubro passado apresentou queixa-crime contra outro cartaz, desta vez digital, colocado online por um membro do conselho nacional do Chega, Pedro Pinto Faria, em que se vê Ventura ao lado do slogan “Tira os teus putos castanhos da minha creche”.
“Não são só as minorias que têm de cumprir a lei. As maiorias também”, objecta Ana Gomes, que lamenta que o candidato presidencial esteja a apelar ao preconceito primário de parte da população portuguesa.
Representante legal das seis pessoas de etnia cigana que moveram a acção judicial contra os cartazes, o advogado Ricardo Sá Fernandes não comenta o novo outdoor, limitando-se a dizer que se está a esgotar o prazo para o cumprimento da decisão do tribunal. Foram identificados cerca de uma dúzia, espalhados pela Margem Sul, Alentejo e Algarve, mas podem existir mais. Alguns deles até já terão sido removidos, como sucedeu na Moita. “Estou a aguardar até amanhã, que é o último dia do prazo para a sua retirada”, refere Sá Fernandes.