Estreou no início do mês o novo filme do Superman, dirigido por James Gunn e estrelado por David Corenswet. Desde então, a nova franquia da DC nos cinemas tem sido alvo de uma série de controvérsias políticas, uma vez que o próprio Gunn deixou claro que o filme tem, sim, uma mensagem política, já que, segundo ele, retrata a história de um imigrante alienígena nos EUA. Como era de se esperar, a declaração gerou reações diversas, tendo em vista o contexto atual americano, não apenas de grande polarização, mas sobretudo de recrudescimento das políticas migratórias de Donald Trump.
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A discussão em torno do “Superman” de Gunn, no entanto, não parou por aí. Na trama, o super-herói tenta defender a população de Jahanpur, um país fictício do mundo dos quadrinhos, situado no Leste Europeu, que está sob ameaça de invasão do ditador da Borávia, nação vizinha e igualmente fictícia. Ainda assim, não demorou para que surgissem, nas redes sociais, afirmações de que o filme seria uma crítica à atual guerra de Israel contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza.
Tal conclusão, no entanto, é pura especulação sem fundamento. Isso porque o roteiro do longa foi finalizado no início de 2023, antes da greve dos roteiristas de Hollywood. Ou seja, antes do massacre realizado pelo Hamas no sul de Israel, em 7 de outubro de 2023, que levou à contraofensiva israelense ao grupo terrorista no enclave palestino. Muito provavelmente, o que Gunn tinha em mente era a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, iniciada em 2022. Isso é visível na própria caracterização do ditador da Borávia, do sotaque russo, à arquitetura dos prédios políticos, que mais se assemelham ao Kremlin de Moscou.
Nesse sentido, há quem argumente que o aspecto dos civis de Jahanpur, principalmente das crianças, lembre trajes muçulmanos, sendo interpretado como uma provável alusão a Gaza. Vale ressaltar, no entanto, que o enclave palestino infelizmente não é o único foco de conflito no Oriente Médio nos últimos anos. Basta lembrar da Síria e do Iêmen, tragédias humanitárias das quais sempre esquecemos, propositalmente ou não. O próprio Gunn, inclusive, deixou claro em entrevista ao The Times of London que o filme “não tem nada a ver com o Oriente Médio”.
A mensagem política de “Superman”, contudo, vai além de Gaza e de referências indiretas à Ucrânia. Até porque não dá para comparar os dois conflitos. No primeiro caso, temos uma guerra assimétrica entre Israel, um Estado que tenta se defender do Hamas, um grupo terrorista que atua em uma zona densamente populosa e que corriqueiramente utiliza civis como escudos humanos, transformando escolas, hospitais e outras instalações civis em bases para fins militares. No outro, há a Rússia, um país com ambições claramente expansionistas, que busca anexar a Ucrânia, um território e uma nação soberanos.
A discussão central do filme é a crescente incapacidade humana de evitar novas guerras. Guerras que sempre levam à morte e ao sofrimento de civis, mesmo quando moralmente justificáveis, como no caso das guerras de autodefesa. Nesse cenário de anarquia internacional, no qual instituições internacionais e grandes potências se mostram inertes diante de novas ameaças à segurança global, os meios diplomáticos são cada vez mais frágeis. Isso dá a entender que a única esperança dos seres humanos parece estar fora do planeta Terra.
Acredito que esse também era o sentimento de Jerry Siegel e Joe Shuster ao criarem a figura do Superman nos quadrinhos, na década de 1930. Filhos de imigrantes judeus do Leste Europeu, eles cresceram nos EUA em meio à pobreza e ao preconceito. Na época, o mundo assistia ao avanço do nazismo, e eles presenciavam, impotentes, o aumento do antissemitismo. Diante da hesitação dos EUA e da comunidade internacional como um todo frente ao que viríamos a conhecer como o Holocausto, o genocídio de seis milhões de judeus, Siegel e Shuster criaram um símbolo que lhes desse um pouco de esperança em meio ao caos: um herói que enfrentava a injustiça de frente, sem medo.
Até mesmo o nome kryptoniano de Superman, Kal-El, carrega raízes do hebraico. “El” significa “Deus”, e Kal-El pode ser entendido como “voz de Deus” ou “filho de Deus”. Essa era a resposta que dois judeus pobres e imigrantes davam ao mundo: nós também temos heróis. Isso ficou ilustrado de maneira clara em 1940, na capa histórica que mostra o Superman segurando Hitler. Enquanto os EUA discutiam se deviam ou não se juntar aos Aliados contra a Alemanha nazista, o Führer era retratado de modo fraco e acovardado, sendo rendido por um poderoso homem de ferro com nome hebraico e vindo de outro mundo.
Em 2025, o Superman de Gunn, interpretado pela primeira vez por um judeu, ressalta esse mesmo anseio humano por um fim aos tormentos geopolíticos que nos assolam. No entanto, na trama, o próprio Superman, mesmo sendo um alienígena dotado de poderes especiais, percebe que nem ele é capaz de pôr fim às guerras modernas e escapar dos dilemas da política, em um planeta Terra cada vez mais marcado pela polarização, racismo e desinformação em massa.
É somente quando busca reconhecer sua humanidade e sua fraqueza que o herói consegue triunfar. E é justamente isso o que nos falta. Precisamos ser capazes de reconhecer o quanto as disputas de poder ainda regem o mundo em que vivemos, sendo essa uma das principais causas das guerras que presenciamos. Ao mesmo tempo, não podemos fixar os nossos olhos apenas nisso e, assim, ignorar o valor intrínseco da vida de todos os seres humanos, independentemente de sua nacionalidade, etnia, religião ou orientação sexual. Precisamos nos forçar a olhar além de nossas preferências políticas e visões pessoais acerca dos conflitos internacionais contemporâneos.
No contexto atual, isso significa sentir o sofrimento dos refugiados e imigrantes nos EUA; a dor dos ucranianos, vítimas da agressão russa; o trauma das mulheres israelenses que foram violentadas pelo Hamas durante o massacre de 7 de outubro de 2023; e a angústia dos reféns que seguem em cativeiro na Faixa de Gaza há meses. Significa lembrar que o Hamas não representa a maioria dos palestinos, e sofrer pelos civis do enclave. Significa combater toda tentativa de desumanização e os crescentes casos de antissemitismo e islamofobia ao redor do mundo.
Essa é a mensagem do “Superman”. Ela vai além da guerra em Gaza, nos chamando a lembrar da nossa humanidade, propensa a conflitos, mas impregnada com a dignidade inerente a todos nós, a despeito do local onde nascemos.
*Igor Sabino é doutor em Ciência Política (UFPE) e gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil.
Equipe de ‘Superman’ em visita ao Rio de Janeiro
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David Corenswet, James Gunn e Rachel Brosnahan participam de sessão de fotos de “Superman”, em Santa Teresa, no Rio — Foto: Júlia Aguiar / Agência O Globo
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James Gunn, Rachel Brosnahan e David Corenswet visitam o Cristo Redendor para promover “Superman” no Rio de Janeiro — Foto: Divulgação / Gabriel Inácio
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James Gunn, David Corenswet e Rachel Brosnahan, de “Superman”, em evento para fãs no Rio de Janeiro — Foto: Divulgação / Warner Bros. Pictures
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David Corenswet e James Gunn participam de sessão de fotos de “Superman”, em Santa Teresa, no Rio — Foto: Júlia Aguiar / Agência O Globo
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Rachel Brosnahan participam de sessão de fotos de “Superman”, em Santa Teresa, no Rio — Foto: Júlia Aguiar / Agência O Globo
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David Corenswet e Rachel Brosnahan participam de sessão de fotos de “Superman”, em Santa Teresa, no Rio — Foto: Júlia Aguiar / Agência O Globo
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David Corenswet visita o Cristo Redendor para promover “Superman” no Rio de Janeiro — Foto: Divulgação / Gabriel Inácio — Foto: Divulgação / Gabriel Inácio
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Rachel Brosnahan, de “Superman”, no Cristo Redentor, no Rio — Foto: Divulgação / Gabriel Inácio
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James Gunn, Rachel Brosnahan e David Corenswet recepcionam o pequeno brasileiro Kal-El em evento de “Superman”, no Cine Odeon, no Rio — Foto: Divulgação / Warner Bros. Pictures
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Novo Superman, David Corenswet tira fotos com fãs no Cine Odeon, na Cinelândia, no Rio — Foto: Divulgação / Warner Bros. Pictures
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Diretor James Gunn e atores David Corenswet e Rachel Brosnahan visitaram o Brasil em junho de 2025