Ilustradores brasileiros acusam o Prêmio Candango de Literatura de ter indicado, na categoria de melhor capa, artes feitas com o uso de inteligência artificial. O edital da premiação proíbe explicitamente o uso desta tecnologia na confecção de obras inscritas.
O caso veio à tona na quarta-feira, após uma transmissão de emails denunciando o suposto uso de IA no projeto gráfico de quatro capas da editora Mondru, de Goiânia.
Jeferson Barbosa, editor-chefe da casa e o responsável pelo design das capas, negou as acusações e afirma que as artes são colagens digitais, com trechos retirados, em sua maioria, de bancos de imagens.
Em um vídeo publicado no YouTube, Barbosa refuta o uso de IA e abre os arquivos do Photoshop em que montou as capas dos livros “O Cão Vai à Missa Todos os Dias”, “Perpetuando a Ilha de Jeju com Tangerinas”, “Traslado Sob Céu Enxuto” e “Desaparecer”.
A denúncia dos ilutradores, enviada a artistas e profissionais do mercado editorial, pedia atenção do prêmio. Era um email com documentos que explicam como cada capa poderia ter sido feita por meio da IA generativa de imagens Midjourney, apresentando resultados semelhantes às capas de Barbosa.
Segundo os documentos, o principal indicativo do uso de IA seria a discrepância de estilos entre diferentes elementos das ilustrações. No caso da capa de “Perpetuando a Ilha de Jeju com Tangerinas”, por exemplo, citam o contraste entre os retratos realistas e o fundo abstrato, além da falta de hierarquia editorial convencional.
Em nota à imprensa, o Prêmio Candango afirmou que está ciente das acusações e que uma análise será realizada pela curadoria do prêmio, com base em documentos complementares enviados pela Mondru, para decidir se haverá ou não desclassificação.
Tudo a Ler
A acusação repercutiu nas redes. A ilustradora Ing Lee foi uma das que denunciaram o caso. “Para um olhar mais atento, é possível aferir que alguns detalhes e estilos não têm muita coerência entre si. Penso que, se o profissional responsável pela criação de uma imagem é capaz de desenhar de forma tão sofisticada e experiente, não cometeria esses erros”, afirmou.
Em outra capa, a do livro “A Dor Virada do Avesso”, ela diz ter visto elementos de concepção por meio de IA que, em sua avaliação, têm grande semelhança com uma das ilustrações que ela fez para o livro “Aos Prantos no Mercado”, de Michelle Zauner, na editora Fósforo. Ela afirma que está tomando medidas jurídicas contra a Mondru.
Lee chama o vídeo em que Barbosa destrincha as camadas dos trabalhos de “inconclusivo”. “Quem não conhece muito do processo artístico pode julgar suficiente, mas ele não mostrou nada além do fato de ter criado uma colagem. Mas de onde vêm esses elementos utilizados em suas colagens ainda traz dúvidas sobre sua procedência não estar ligada à IA generativa.”
A União Democrática dos Artistas Digitais (Unidad), que surgiu da preocupação com o uso da IA nas artes visuais, também se manifestou. O coletivo disse que não há regulamentação específica para esse tipo de tecnologia, o que dificulta a atribuição de responsabilidade civil e criminal pelo uso indevido das imagens geradas.
A editora Mondru afirma que entrou em contato com a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos de Goiânia, acusando os ilustradores de uma campanha difamatória.
A casa também diz que seus projetos gráficos que usam IA para ilustração digital e colagem nunca foram inscritos em prêmios e que suas contracapas citam que recursos de IA foram empenhados.