Com o nome de código K9K, este motor Diesel chamava-se 1.5 dCi para os amigos. A história de um supermotor que agradou a franceses e alemães.

Durante semanas, circularam rumores de que a Mercedes poderia vir a recorrer a motores BMW. A história foi entretanto desmentida, mas serviu para recordar uma outra ligação — essa, bem real — entre a marca de Estugarda e a Renault.

Sim, a Mercedes já utilizou um motor Renault — atualmente utiliza outro, mas com a chancela da Horse, a divisão de motores térmicos da marca francesa numa joint venture com a Geely. E não foi um motor qualquer.

Falamos do K9K, sobretudo conhecido como 1.5 dCi, um dos blocos Diesel mais produzidos dos últimos 25 anos, conhecido pela sua eficiência, simplicidade e longevidade — já vamos à questão das capas de biela. Os consumos eram tão baixos que acho que ainda detenho o «recorde não oficial» da volta mais poupada (e mais lenta…) ao Circuito do Estoril:

Um herói sem capa (de biela…)

O K9K nasceu em 2001, numa altura em que a Renault se afirmava como uma referência em motores Diesel compactos. Com apenas 1461 cm³ de cilindrada, dispunha de quatro cilindros, injeção direta common-rail e um turbocompressor de geometria variável nas versões mais “espigadas” — a partir das versões de 105 cv (K9K 732 em diante).

Ao longo do tempo, ganhou também um intercooler, filtro de partículas e melhorias sucessivas na gestão eletrónica, mantendo sempre o mesmo ADN: baixo consumo, suavidade e resistência.

Renault Clio 2 dci© Renault Os primeiros modelos a receberem este motor: Renault Clio II, Megane II e Scenic II. A satisfação no sorriso dos figurantes devia-se aos consumos.

Com um diâmetro de 76 mm e curso de 80,5 mm, foi um exemplo de equilíbrio mecânico, capaz de trabalhar em milhares de modelos diferentes e de cumprir várias normas europeias de emissões, do Euro 3 ao Euro 6. Um exemplo de longevidade.

É verdade que a primeira geração do K9K 1.5 dCi não teve, durante muitos anos, uma boa fama. O desgaste prematuro das capas de biela, turbos pouco fiáveis e um sistema de injeção caprichoso deram algumas dores de cabeça aos proprietários.

Como já perceberam pelo vídeo partilhado mais acima, fui um desses proprietários. Mas, talvez, fruto da utilização apenas de óleos de boa qualidade (sempre!), apenas tive problemas em dois injetores (aos 170 mil quilómetros).

Por volta dos 220 mil quilómetros, por precaução e de forma preventiva, decidi pedir a substituição das capas de biela. Uma intervenção que, felizmente, veio a revelar-se desnecessária: não acusavam desgaste. Vendi a minha Renault Mégane II com 300 mil quilómetros e, segundo consta, ainda anda por aí…

Mais tarde, comprei um Renault Scenic II (2005) e tive zero problemas de motor. Claramente, a longevidade do bloco K9K suplantava a de outros componentes da Renault, como os elevadores dos vidros, fecho centralizado ou o travão de mão elétrico. Mas vamos voltar ao «herói» deste artigo de Autopédia…

Motor 1.5 dCi dos 65 aos 116 cv

Ao longo de quase 20 anos, o 1.5 dCi foi ganhando potência e refinamento. Começou tímido, com 65 cv e 160 Nm de binário, e chegou aos 116 cv e 260 Nm nas últimas versões, sempre mantendo consumos muito baixos e uma fiabilidade acima da média — desde que a manutenção fosse feita a tempo e horas.

Como referimos antes, a longevidade deste motor foi tão elevada que, ao longo de 20 anos, conheceu quatro gerações. A mais problemática, como expliquei há pouco, foi a primeira (2001-2005).

Na segunda geração (2005 a 2010), conheceram-se algumas melhorias de potência e de fiabilidade, mas o grande destaque vai para a adoção de uma caixa manual de seis velocidades. Os consumos agradeceram e as normas de emissões mais restritivas também.

Há quem defenda que a melhor geração, em termos de fiabilidade, é a terceira (2010-2016). As fraquezas do passado ficaram resolvidas e o K9K ainda não tinha de responder a normas de emissões tão severas como a quarta geração (2016-2021).

Um dos trunfos do Mercedes-Classe A em Portugal foi precisamente o motor 1.5 dCi. Tinha algumas diferenças para as versões da Renault ao nível dos periféricos. Falamos sobre isso mais adiante.

Neste período de tempo, este motor 1.5 dCi da Renault equipou modelos como o Clio, Mégane, Scénic, Kangoo, Modus, Dacia Sandero, Logan e Dokker, mas também Micra, Juke, Note e Qashqai, através da aliança Renault-Nissan. E, surpreendentemente para alguns, também equipou Mercedes-Benz Classe A, Classe B e Citan.

Um motor francês orgulhosamente alemão

Para a Mercedes, o motor K9K foi uma solução pragmática. O objetivo era oferecer versões de acesso com baixos consumos e custos de utilização reduzidos, ideais para frotas e mercados onde o gasóleo ainda dominava. Portugal foi, durante muitos anos, um desses mercados.

A escolha não foi apenas estratégica, foi também técnica: o 1.5 dCi era compacto, leve e encaixava perfeitamente na arquitetura transversal dos modelos mais pequenos da marca alemã. O resultado foi um casamento improvável, mas funcional, entre a excelente imagem germânica e a engenharia francesa.

Regressando ao caso português, durante muitos anos foi o casamento perfeito no mercado automóvel nacional. A Renault e a Mercedes ocuparam durante muitos anos o primeiro e o segundo lugar nas tabelas de vendas. Sempre animadas, sobretudo, pelo humilde mas trabalhador K9K.

Um motor que, apesar de continuar a ser 100% francês, para estar ao serviço da Mercedes recebeu algumas melhorias, sobretudo para o tornar mais suave. Em 2018, escrevemos sobre essas diferenças:

Um ícone disfarçado de motor utilitário

Hoje, o K9K é visto com respeito — e alguma nostalgia — entre os entusiastas e mecânicos. Sobreviveu a mais de vinte anos de normas de emissões, milhões de quilómetros e uma infinidade de modelos diferentes.

© Renault A fama menos positiva das primeiras unidades do K9K 1.5 dCi tem vindo a ser substituída pela memória mais fresca e menos problemática dos modelos mais recentes.

Num mundo que se prepara para abandonar o Diesel, o 1.5 dCi fica na história como um dos últimos motores verdadeiramente universais. Um motor que nasceu na Renault, passou pela Nissan, pela Dacia… e, por momentos, fez a estrela de três pontas brilhar com sotaque francês.

E sim, também prefiro motores a gasolina, mas há motores Diesel que merecem mais do que uma nota de rodapé. O K9K é um deles, o PD130 também, mas esse fica para outro dia…