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Sabemos que existem alguns elementos necessários para a vida: carbono, oxigénio, hidrogénio, azoto e fósforo. Outros são ajudantes importantes: ferro, cálcio, potássio e sódio. Durante muito tempo, o lítio pareceu pertencer a uma terceira categoria de elementos – como o titânio ou rádio, preferíveis fora do organismo, a não ser que algo estivesse errado.

O lítio alimenta baterias e muitas das nossas outras tecnologias. Além disso, os médicos prescrevem-no há anos como tratamento eficaz para a perturbação bipolar e alguns tipos de depressão major. No entanto, “até há muito pouco tempo, não achávamos que o lítio fosse fisiologicamente necessário”, lembra Tomas Hajek, psiquiatra da Dalhousie University, em Nova Scotia.

Agora, estudos sugerem que a administração de doses baixas deste elemento poderá travar – e até reverter – os efeitos devastadores da doença de Alzheimer e o declínio cognitivo. Embora os cientistas ainda estejam a tentar perceber como o lítio funciona, têm vindo a aperceber-se de que o metal poderá juntar-se à lista de elementos fundamentais de que o nosso organismo – especialmente o nosso cérebro – precisa para prosperar.

O efeito estimulante do lítio

Após a descoberta do lítio em 1817, os cientistas começaram a investigar este metal leve e prateado como tratamento para doenças mentais como o “nervosismo geral”. No início do século XX, os produtos à base de lítio começaram a efervescer – literalmente. Uma receita inicial de 7-Up continha lítio e essa é uma explicação para o nome deste refrigerante (outra é o número original de ingredientes da bebida. “O ‘up’ referia-se, presumivelmente, aos efeitos psicológicos do lítio e o sete era o seu peso molecular”, diz Bruce Yanker, neurocientista da Faculdade de Medicina de Harvard, em Boston. Tal como muitas medicamentos e tónicos patenteados nesta época, as doses eram elevadas, os efeitos eram tóxicos e, actualmente, não há nenhum “up” na 7-Up cujo peso molecular seja sete.

Após uma certa acalmia na febre do lítio, o médico australiano John Cade começou a tratar, com sucesso, pacientes com perturbação bipolar utilizando lítio em 1949 e a substância foi aprovada nos EUA em 1970. “O lítio tornou-se a norma de ouro dos tratamentos de estabilização de humor”, explica Hajek.

Ninguém sabe ao certo como o lítio diminui a mania e acalma a depressão. Mas a forma como funciona é secundária. O lítio salva vidas. “Pode soar polémico”, diz Hajek, “mas as coisas podem funcionar sem compreendermos porque funcionam… se quiséssemos conhecer os mecanismos de acção, provavelmente não teríamos quaisquer tratamentos de psiquiatria”.

O lítio é prescrito a pessoas com perturbação bipolar sob a forma de carbonato de lítio, em doses relativamente elevadas, e os pacientes são vigiados de perto a fim de garantir que o fármaco não está a ter efeitos negativos nos seus rins e tiróide.

Os potenciais benefícios do lítio para o cérebro

Os primeiros indícios de que os efeitos do lítio poderiam ser neuroprotectores vieram de pacientes bipolares. As pessoas com perturbações de humor graves têm um risco três vezes superior de sofrer declínio cognitivo à medida que envelhecem, explica Paul Vöhringer, psiquiatra da Universidade do Chile, em Santiago. No entanto, em 2017, cientistas da Suíça demonstraram que os pacientes bipolares tratados com lítio “tinham a taxa de demência ou doença de Alzheimer da população geral, quando comparados com os pacientes não tratados com lítio”. O tratamento parecia diminuir o aumento do risco entre eles, equiparando-o ao nível da população geral.

Em 2012, Hajek fez exames cerebrais aos pacientes e descobriudiferenças no hipocampo– uma área do cérebro importante para a memória, que também é crucial na perturbação depressiva major e na perturbação bipolar. “Os volumes do hipocampo costumam ser mais pequenos em pessoas com perturbações depressivas major”, explica. No entanto, os pacientes tratados com lítio apresentavam volumes do hipocampo que pareciam normais. “Os seus cérebros estão praticamente intactos, apesar do seu longo historial de doença”, diz Hajek.

Até vestígios residuais de lítio – como os presentes na água potável, por exemplo – foram associados a taxas mais reduzidas de agressão, risco de suicídio e declínio cognitivo na população. “Isto é muito intrigante porque há uma diferença de muitas ordens de magnitude entre as doses que as pessoas obtêm através da água e as doses que utilizamos clinicamente”, diz Hajek.

A ligação do lítio ao Alzheimer

Coincidentemente, o laboratório de Yankner estava a utilizar lítio nos seus próprios estudos sobre a doença de Alzheimer, a fim de investigar factores neuroprotectores activados por uma via de sinalização conhecida como wnt. “A forma clássica de activar experimentalmente a wnt é através da administração de concentrações elevadas de lítio”, diz. Em modelos animais, “estas concentrações elevadas de lítio podem reverter muitas, se não todas, as manifestações patológicas” da doença de Alzheimer. Eles começaram a interrogar-se “se o próprio lítio poderia fazer parte do mecanismo da doença”.

Yankner e os seus colegas começaram por examinar os cérebros de cadáveres e descobriram que os cérebros normais tinham níveis basais de lítio — níveis tão baixos que não tinham sido detectados em estudos anteriores. O tecido neuronal cognitivamente normal contém quantidades residuais de lítio, “aproximadamente mil vezes menos do que as de um paciente bipolar tratado com doses elevadas de lítio”, diz. No entanto, esses níveis residuais eram ainda mais baixos em pessoas que tinham morrido com um declínio cognitivo ligeiro ou doença de Alzheimer.

Para onde estaria o lítio a ir? Yankner e o seu laboratório conseguiram demonstrar que o lítio “se fixa de forma bastante forte” a aglomerados da proteína amilóide beta, mais especificamente a uma forma composta por 42 aminoácidos que está envolvida no desenvolvimento da doença de Alzheimer, explicou. As placas podem estar a sugar as reservas de lítio do cérebro.

“Nós obtemos o nosso lítio através da alimentação e da água”, explica Yankner. Por isso, para descobrir o papel desempenhado por esses iões de lítio, o laboratório privou ratos de 92 por cento do lítio normalmente presente na sua água e alimentação. Embora isso tenha reduzido os níveis de lítio em 90 por cento, diz Yankner, o cérebro só perdeu 50 por cento do seu lítio – sugerindo que o cérebro estava a proteger as suas reservas de lítio. “É evidente que existe uma reserva de lítio fortemente fixada no cérebro”.

Nos ratos com doença de Alzheimer, até a diminuição de 50 por cento foi profunda. As placas amilóides aumentaram a pique, bem como os emaranhados de tau, outra proteína envolvida na doença de Alzheimer. Os ratos também revelaram um desempenho mais fraco da memória – sinais iniciais de declínio cognitivo, conforme relatado pela equipa na revista Nature neste ano.

Deitando fora o lixo celular

O lítio é um átomo quase absurdamente minúsculo que é altamente activo em termos electroquímicos, sendo, por isso, difícil apurar qual a função exacta que desempenha no cérebro e influencia a doença de Alzheimer.

Uma possível explicação poderá residir na capacidade do lítio de reduzir a actividade de uma enzima chamada glicogénio sintase quinase-3 beta, ou GSK-3 beta. Esta molécula laboriosa participa em diversas tarefas, incluindo na regulação das vias wnt, que representam um papel na protecção do cérebro e despertaram o interesse de Yankner no lítio. A GSK-3 beta também actua sobre o tau, anexando fósforo adicional à proteína e levando-a a emaranhar-se no interior das células durante a doença de Alzheimer. Bloquear a GSK-3 beta também pode activar a autofagia, processo no qual uma célula decompõe as suas partes que não funcionam, explica Francesco Fornai, neurocientista da Universidade de Pisa e do Instituto Candiolo para o Cancro, em Itália.

A autofagia é suprimida em pacientes com Alzheimer, comenta Fornai, resultando numa acumulação de “lixo” celular – placas amilóide beta e emaranhados de tau. Se a autofagia voltar a ser activada, diz ele, as células reiniciarão os seus sistemas de limpeza, “que são acompanhados por uma melhoria da função cognitiva”. O lítio, diz ele, pode activar a autofagia.

Yankner e o seu laboratório fizeram isto, devolvendo lítio ao organismo sob uma forma de baixa dosagem denominada orotato de lítio. Os depósitos de placas amilóide beta e a acumulação de tau cessaram. Os ratos recuperaram a função da memória. Tudo isto aconteceu com doses muito mais pequenas do que as actualmente utilizadas para tratar a perturbação bipolar.

Um elemento clínico

Os resultados nos ratos são promissores, mas ninguém vai voltar a pôr lítio nos refrigerantes – por enquanto. O próximo passo serão ensaios clínicos para determinar as formas e doses de lítio seguras e eficazes contra o declínio provocado pela demência em seres humanos.

Vöhringer está actualmente a recrutar participantes para um ensaio clínico no Chile, procurando idosos com perturbações de humor – pessoas com riscos elevados de declínio cognitivo. O investigador espera administrar doses baixas de lítio a alguns participantes durante cinco anos, cerca de 50 mg (o tratamento para a perturbação bipolar começa geralmente com 300 mg), para descobrir se consegue prevenir o desenvolvimento de declínio cognitivo ligeiro.

No entanto, diz, Vöhringer, tem sido difícil angariar fundos. “Ninguém ganha dinheiro com o lítio porque o lítio é um produto natural”, afirma. “É como ganhar dinheiro com oxigénio ou com água. Não é um fármaco.” Isto significa que é barato, mas também que não é rentável e as grandes empresas farmacêuticas não têm tanta motivação para testá-lo. Yankner está a planear mais estudos com orotato de lítio.

Restam muitas questões sobre o que este elemento minúsculo estará, de facto, a fazer. “Não percebemos tudo o que o lítio fisiológico está a fazer no cérebro”, diz Yankner. Talvez tenha algo que ver com a beta amilóide, a tau, a GSK-3 beta. “Mas também é possível, e não posso excluir esta hipótese, que o lítio exerça um efeito directo na electroquímica do cérebro, tal como acontece nas baterias de lítio”, diz. “Talvez não tínhamos sido os primeiros a descobrir e a utilizar essa electroquímica singular; talvez a evolução a tenha descoberto antes de nós.”

Embora sejam fundamentais mais estudos para compreender tudo, para psiquiatras como Vöhringer, o aspecto clínico prático vem primeiro. “Não vou ficar à espera de ver o quadro completo para começar a tratar pacientes”, comenta. “Se dermos isto a pacientes e eles melhorarem, vamos a isso.”