As contas públicas portuguesas estão, a meio deste ano, não só com um excedente superior a 2000 milhões de euros, como a registar um resultado que é 4680 milhões de euros mais favorável do que em igual período do ano passado. Dois terços dessa diferença, contudo, resultam de mudanças de calendário no pagamento dos impostos, cujo efeito tenderá a desaparecer ao longo dos próximos meses.
Os dados divulgados esta quarta-feira pelo Ministério das Finanças são em contabilidade pública, isto é, numa óptica de caixa, podendo por isso ser diferentes dos valores em contabilidade nacional publicados pelo INE e que são os utilizados por Bruxelas para, por exemplo, aferir se o país está a cumprir as regras orçamentais europeias. De qualquer modo, permitem verificar com alguma antecedência qual o desempenho das finanças públicas portuguesas.
E aquilo que mostram é que os resultados na primeira metade do ano estão a ser melhores do que os registados em igual período do ano passado. A única dúvida está em saber quão melhores são.
O Ministério das Finanças, no comunicado enviado esta quarta-feira aos jornalistas, limitou-se a assinalar que, nos primeiros seis meses do ano, se registou um saldo orçamental positivo de 2008 milhões de euros, um valor equivalente a 1,3% do PIB desse período, comparando-o com o resultado atingido em igual período do ano passado e que foi de um défice de 2672 milhões de euros, ou cerca de 1,9% do PIB. Isto significa, destaca o ministério liderado por Joaquim Miranda Sarmento, que há “uma melhoria no saldo global de 4680 milhões de euros”, que “é explicada, essencialmente, por uma variação positiva da receita (13,9%) superior àquela que ocorreu do lado da despesa (4,8%)”.
No entanto, ao ler o boletim de execução orçamental publicado pela Entidade Orçamental, que apresenta mais detalhes das contas do que o comunicado do Ministério, verifica-se que uma parte significativa desta melhoria encontra explicação em diferenças no calendário do pagamento de impostos entre 2024 e 2025, que fizeram com que a receita fiscal, principalmente a do IRC, registasse até ao final de Junho variações extraordinárias, que tenderão a diminuir ao longo dos próximos meses.
Nos primeiros seis meses do ano, as receitas fiscais do Estado foram superiores em 5149,7 milhões de euros, ou 22%, face ao mesmo período do ano passado, com destaque para a subida de 11,9% no IRS, de 11,6% no IVA, de 13,1% no ISP e, principalmente, de 221,9% do IRC.
A receita com os impostos cobrados sobre o lucro das empresas mais do que triplica na primeira metade do ano porque, explica o boletim, “existe um efeito do desfasamento dos prazos para o pagamento da autoliquidação entre 2024 e 2025”. “Em 2024, este prazo foi prorrogado para 15 de Julho e, em 2025, para 30 de Junho”, escrevem os técnicos da Entidade Orçamental, que deixam claro que “a receita líquida de IRC de Junho de 2025 não é comparável com a de Junho de 2024”.
E há outras diferenças deste tipo noutros impostos, embora de muito menor dimensão. Juntando tudo, são feitas as contas e chega-se à conclusão de que, com bases comparáveis, o aumento da receita fiscal seria bastante menor do que os 5149,7 milhões de euros registados. “Excluindo este efeito [de prorrogação do pagamento de IVA], o efeito do pagamento de impostos diferidos em sede de IRC em Fevereiro de 2024 (117 milhões de euros) e o efeito do desfasamento dos prazos para o pagamento da autoliquidação do IRC, a receita fiscal apresenta um crescimento homólogo de 7,5%, ou 2012,7 milhões de euros.”
Se, no cálculo do saldo orçamental, se levasse em conta esta diferença de 3137 milhões de euros explicada pelo calendário fiscal, o valor já não seria positivo, com as administrações públicas a caírem para um défice superior a 1000 milhões de euros.
Seria, ainda assim, um resultado mais favorável em cerca de 1500 milhões de euros do que o registado no mesmo período do ano passado. Será isto que faz com que o Ministério das Finanças, no comunicado emitido esta quarta-feira, assinale que “a execução orçamental hoje conhecida, mesmo em contabilidade pública, reforça a confiança do Executivo de que o país atingirá um excedente orçamental este ano, em contabilidade nacional, em torno dos 0,3% do PIB”.
Até ao final do ano, ainda será sentido o impacto nas contas públicas de medidas como a redução das taxas do IRS, a entrega de um suplemento extraordinário aos pensionistas ou o reforço das despesas com defesa, mas no ano passado medidas semelhantes no IRS e nas pensões foram igualmente postas em prática, não impedindo que se registasse no final do ano um excedente orçamental de 0,7% do PIB.