Um planeta interestelar, segundo a nomenclatura científica brasileira, ou errante/desgarrado/rebelde na linguagem informal, é um corpo de massa planetária que não orbita uma estrela e flutua de Cosmos livremente. Tais objetos costumam se comportar de formas distintas e um tanto estranhas, o que nos traz ao curioso caso de Cha-1107-7626.
Descoberto em 2008 e ainda em formação, ele iniciou recentemente um processo tresloucado de absorção de matéria, a uma taxa de 6 bilhões de toneladas de gás e poeira estelar por segundo.
Representação artística de Cha 1107-7626 fazendo um “lanchinho” (Crédito: L. Calçada/M. Kornmesser/European Southern Observatory)
Um planeta em fase de crescimento
Planetas errantes não são tão incomuns, eles podem se formar dentro de sistemas estelares, mas acabam ejetados pelas forças gravitacionais, ou se agregam por conta própria, no que alguns cientistas os consideram pequenas “estrelas falhas” (as grandes fracassadas seriam gigantes gasosos como Júpiter, algo disputado até hoje), tendo proposto inclusive reclassificá-los como “sub-anãs marrons”.
É teorizado que existem bilhões, senão trilhões de planetas errantes na Via Láctea, e essa é inclusive uma das missões do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman (RST), a ser lançado em 2027 se nada mais der errado: identificar exoplanetas usando o efeito de microlente gravitacional, e reduzir o número suposto de corpos do tipo a uma estimativa mais real.
Cha 1107-7626 seria só mais um entre muitos outros, um planeta errante localizado na constelação de Camaleão, a 620 anos-luz da Terra, ou “logo ali na esquina” na escala cósmica. Ele teria massa equivalente a 6 ou 10 vezes a de Júpiter, e um raio 2,8 vezes maior que nosso vizinho maior. Por estar ainda nos estágios iniciais de formação, ele continua absorvendo matéria do disco de acreção do qual se formou, mas de uns tempos para cá, cientistas identificaram o que pode ser chamado de “surto de crescimento”.
Usando o Very Large Telescope (VLT), aquele projeto da ESO (European Southern Observatory) do qual o Brasil foi chutado (o que é bem a nossa cara), foi observado que desde agosto de 2025, o planeta errante passou a absorver muito mais matéria do que vinha “comendo” até então.
Víctor Almendros-Abad, ao Instituto Astronômico de Palermo, do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália, e um dos co-autores do estudo (cuidado, PDF), menciona que o consumo de matéria por Cha 1107-7626 acelerou em 8 vezes quando comparado à taxa antes de 08/2025, o que foi categorizado como o episódio de acreção mais rápido já registrado. É como ele o planeta absorvesse uma quantidade de matéria equivalente à massa de oito Pallas, o terceiro maior asteroide do Sistema Solar, por ano.
O VLT não foi o único telescópio usado, a ESO também teve acesso a dados do James Webb, operado pela NASA. Os pesquisadores notaram forte atividade magnética, e a química ao redor do astro também mudou, com a identificação de vapor de água durante o surto, mas não antes disso, ambos eventos que se acreditavam serem restritos a estrelas; é a primeira vez que ambas ocorrências foram documentadas em objetos de menos massa, como planetas.
Os pesquisadores envolvidos no estudo estão tão confusos quanto maravilhados. Outra co-autora, a astrônoma Belinda Damian da Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, diz que a descoberta “borra a linha entre estrelas e planetas”, e permite observar o processo de formação inicial de um planeta interestelar, que ainda levanta uma série de questões de acadêmicos.
Já para Amelia Bayo, astrônoma do ESO e também co-autora, “a ideia de que um objeto planetário pode se comportar como uma estrela é inspiradora, e nos convida a imaginar como seriam os mundos além do nosso, durante seus estágios iniciais”, afinal, o Universo não é só mais esquisito do que imaginamos, mas mais esquisito do que podemos imaginar.
Referências bibliográficas
ALMENDROS-ABAD, V., SCHOLZ, A., DAMIAN, B. et al. Discovery of an Accretion Burst in a Free-floating Planetary-mass Object. The Astrophysical Journal Letters, Volume 992, Edição 1, 7 páginas, 2 de outubro de 2025.
Fonte: European Southern Observatory