Estes autarcas – que agora saem de cena – defendem que os novos eleitos para o poder local em Portugal devem considerar essa relação com a Europa também como uma prioridade.
A importância do Poder Local na Europa
O poder local está representado na União Europeia, mais especificamente através do Comité das Regiões.
Este Comité funciona como uma assembleia consultiva dos representantes locais e regionais da União Europeia. Foi criado em 1994 tendo em contra que perto de três quartos da legislação da União Europeia é aplicada a nível local e regional, o que justificava que se ouçam os representantes do poder local sobre as novas diretivas.
A constituição deste Comité foi essencial também para suprir o distanciamento entre os cidadãos e as instituições europeias, permitindo dar voz ao nível de governação mais próximo dos eleitores.
Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal da Lousã, considera que “o poder local é muito importante, desde logo em Portugal”.
“Considero que o poder local é, digamos assim, a base do regime, do sistema de funcionamento democrático e da organização do Estado, e da presença do Estado, em termos de proximidade à população”.
“Em Portugal tem maior expressão, de facto, comparativamente com outros países da União Europeia, porque outros países têm um processo de regionalização evoluído e consolidado e com outra forma de organização”, destaca Luís Antunes.
“Mas mesmo na União Europeia”, defende o ainda autarca da Lousã, “os municípios têm uma relevância muito grande naquilo que é o regime de funcionamento do Estado e naquilo que é o assegurar das condições de desenvolvimento e de resposta às necessidades e expectativas das populações”.
Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga, defende que do ponto de vista prático o poder local tem “uma importância crucial no sentido em que, em todos os países, em todos os Estados-membros, as autarquias, os poderes regionais – onde eles existem – têm uma capacidade de concretização e de promover resultados – alinhados, inclusivamente com aqueles que são os objetivos da própria União – que são fundamentais e, portanto, sem esse envolvimento e sem a capacidade de trazer o Poder Local para a concretização desses objetivos, dificilmente os mesmos poderão ser atingidos”.
“Do ponto de vista daquilo que é a capacidade de interlocução e de apoio ao processo de decisão – eu diria quer ao nível dos Estados-membros, quer na própria relação com a União Europeia – há ainda um longo caminho a percorrer”, refere Ricardo Rio.
“Na verdade, eu – a nível europeu – para além de ser membro do Comité das Regiões Europeu, sou também membro da Comissão Executiva da Eurocities e fui, durante este último ano e meio um membro do Gabinete Sombra que se criou para a Comissão Europeia com os chamados Comissários Sombra – e que eu sou para o poder local. E a verdade é que isso permitiu-me também ter várias interações com responsáveis das várias instituições europeias em que se percebe que as autarquias ainda não são consideradas como deveriam ser, nesse mesmo diálogo e nesse modelo de governança que nós consideramos que têm que ser estabelecido”.
“Portanto, eu diria que do ponto de vista prático o poder local é um poder fundamental, é um nível de governo fundamental, mas do ponto de vista da capacidade de decisão e de condicionamento daquilo que são as opções da União Europeia, ainda é muito limitado”, sublinha o autarca social-democrata de Braga.
“Eu acho que o poder local, europeu e nacional, é realmente, e em democracia, um poder inestimável, porque é o poder que está em contacto com as comunidades e com as pessoas. O primeiro conhecimento dos problemas das pessoas é feito pelo poder local”, refere à Antena 1 o presidente da Autarquia de Sintra, Basílio Horta.
“Portanto, um Governo que pretende governar bem tem que estar informado e não há melhor informação que a que chega através do poder local, das juntas de freguesia, das câmaras municipais. O poder local é de uma importância enorme”.
“A nível europeu, eu creio que essa importância ainda é maior, se é possível dizê-lo, e eu creio até que faz falta, na Europa, uma Câmara Alta e que o Comité das Regiões podia um dia transformar-se numa Câmara Alta, onde as Regiões pudessem ter o seu lugar e pudessem ter um papel consultivo, mas em alguns casos até um papel decisório, porque realmente era necessário que o poder local fosse mais consistente e mais atuante” reforça o Autarca eleito pelo PS para Sintra.
“Eu diria que o poder local tem, para os países da União Europeia, a importância que tem para Portugal: é um poder do Estado absolutamente fundamental, por várias lógicas”, refere à Antena 1 José Ribau Esteves o ainda Presidente da Autarquia de Aveiro”.
“Primeiro, para a lógica do desenvolvimento dos territórios, numa lógica total e integrada, porque há poder local nos quatro cantos da Europa. Por outro lado, para a lógica da riqueza da democracia, porque o poder local estimula muito os cidadãos a cuidarem da democracia, a serem candidatos – no nosso caso àquela circunscrição que a Europa não conhece e que são as Freguesias e aos Municípios – e portanto é uma unidade do Estado que tem um papel muito importante na relação dos cidadãos com a democracia”.
“E, em terceiro lugar, o poder local é uma ferramenta que o Estado tem e que os cidadãos têm e que é absolutamente fundamental para explorar, no bom sentido da palavra, aquilo que cada território tem de potencial ainda diferente, porque é um poder que conhece pela proximidade”, considera José Ribau Esteves.
“No quadro da União Europeia significa que uma União que se quer a trabalhar sempre de forma continuada (porque obviamente nunca atingiremos o 100%) e que se quer a crescer em níveis de coesão territorial, de coesão social e de envolvimento de todas as suas unidades – Cidades, Regiões e Municípios, e no nosso caso, Freguesias – o poder local é de uma importância capital”, salienta o Presidente da Câmara Municipal de Aveiro.
Foto: Ricardo Rio – Câmara Municipal Braga
Podem os autarcas perder voz na União Europeia?
“Eu não diria que que há uma intenção de afastar os autarcas, até porque isso é, de certa forma, contraditório com vários outros sinais, quer da Agenda para as Cidades – que está a ser preparada pelo Comissário – quer de várias outras declarações públicas da própria presidente da Comissão e de outros responsáveis, nas quais vão reconhecendo que é importante envolver as cidades”, considera o ainda presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio.
“Mas há aqui uma clara contradição entre esse discurso e aquilo que é o efeito prático num processo de centralização dos fundos a nível nacional através de novos Planos Nacionais (do próximo orçamento de longo prazo da União Europeia) que são uma forma de diminuir a capacidade de concretização em muitos países”.
“No caso de Portugal, até nem será o pior, apesar da dimensão centralista que ainda existe no nosso país. Mas há outros países em que há uma ação deliberada da parte dos Governos para limitar a capacidade de concretização das Cidades e, portanto, das Regiões” reforça o autarca social-democrata.
Luís Antunes, até agora presidente da Câmara Municipal da Lousã eleito pelo PS, defende que “neste momento já não existe (esta possibilidade), mas que houve a perspetiva de alguns, dentro das instâncias europeias, de desvalorização ou de menorização de órgãos, como, por exemplo, o Comité das Regiões”.
“Mas neste momento, fruto do trabalho que lá é desenvolvido e também da força e da implantação que tem este órgão nos diferentes países – em função das suas presenças, dos seus representantes e dos seus membros – essa situação foi combatida e, portanto, deixou de ser assunto”, reforça Luís Antunes.
“A minha convicção é que é importante que os países que têm no poder local uma força relevante naquilo que é a gestão dos impostos do Estado – e dou sempre aquele que para mim é o melhor exemplo que é a Polónia, enquanto Portugal é dos países da União onde o Poder Local tem uma menor participação na receita do Estado – e também numa lógica de combate ao centralismo, os países devem apostar mais no poder local”, defende José Ribau Esteves o Autarca eleito pelo PSD para Aveiro.
E acrescenta: “Obviamente, isso quer dizer aumentar a densidade das competências que têm ou que terão que exercer”.
Já Basílio Horta considera que sim, os autarcas podem perder voz na União Europeia “e por vários motivos”.
“O primeiro motivo pragmático é que o próximo Orçamento Europeu vai ser um orçamento muito difícil de elaborar, porque há despesas substanciais que vão aparecer. Em primeiro lugar, com o primeiro pagamento do grande empréstimo do tempo da covid-19, que são milhares de milhões. Em segundo lugar, há o problema da Ucrânia pois também são precisos alguns milhares de milhões para ajuda à Ucrânia e, portanto, há aqui um conjunto largo de novas despesas. E depois existe a questão do armamento europeu”.
“E depois politicamente, o que não é uma questão menor, a Europa hoje não é uma Europa unida como foi durante tanto tempo. Hoje, há desunião dentro da Europa e o que os responsáveis da Eslováquia pensam, ou da Hungria ou da Letónia, muitas vezes não tem muito a ver com aquilo que é o consenso europeu. E isso cria dificuldades na gestão da Europa, no caminho único no qual é necessário que todos os países concordem, como foi durante tantos anos, para o trilhem em conjunto. Neste caso, a União faz realmente a força”, destaca o Autarca de Sintra.
Foto: Basílio Horta – Câmara Municipal de Sintra
Participação e presença dos autarcas nas instâncias de decisão
O poder local está sobretudo representado no Comité das Regiões e em organizações como a Eurocities, uma rede de grandes cidades europeias que funciona como uma plataforma política para trocar conhecimentos, partilhar experiências e influenciar as políticas da União Europeia.
A Eurocities atua como um canal de comunicação entre as cidades e as instituições da União, reforçando o papel das autoridades locais no processo de decisão.
Certas Regiões e Redes de Municípios optaram também já por ter representações em Bruxelas – onde o lóbi é permitido e está regulado – para poderem, mais de perto, influenciar o poder europeu no sentido mais benéfico para as suas Regiões.
Mas para os autarcas que falaram com a Antena 1 ainda há muito trabalho a fazer e que os novos eleitos não podem descurar.
“Eu acho que o nosso país precisaria de um maior envolvimento internacional das próprias Autarquias e dos seus protagonistas” defende Ricardo Rio, que é também membro do Comité das Regiões Europeu.
“Acho que muitas vezes – talvez por comodismo ou por desinteresse noutros casos – muitos dos protagonistas não assumem essa dimensão internacional quando ela é fundamental”, reforça o ainda presidente da autarquia de Braga.
“Braga conseguiu, durante os últimos anos, ter um grande protagonismo internacional e isso foi fundamental para aprendermos com os melhores, para bebermos das boas práticas dos outros, para ajudarmos no processo de decisão. E acho que os próprios cidadãos de Braga têm consciência disso e reconhecem o mérito dessa estratégia que nós prosseguimos”.
“Em geral os cidadãos consideram que o seu autarca é o primeiro agente de reivindicação junto do Poder Central, junto do Governo, e não tanto junto da própria União Europeia”.
À pergunta da Antena 1 sobre se os autarcas têm noção da importância da participação nas instâncias europeias, Basílio Horta responde que “as autarquias a nível europeu participam pouco”.
“Há a participação no Comité das Regiões e depois participam nas comissões, na Comissão de Economia, na comissão dos direitos, liberdades e, portanto, aí há realmente participação dos autarcas”.
“Agora a pergunta é esta: em que é que se traduz essa participação? Em queixas? Em sugestões? Mas as queixas são ouvidas? As sugestões são adotadas? Quer dizer, uma coisa é a participação, outra coisa é a utilidade dessa mesma participação”, conclui o autarca socialista de Sintra, que reforça o lado positivo desta participação: “Para os nossos Autarcas, eu falo por mim, é importante porque aprende-se bastante. Ou seja, nós, com o contacto com outros colegas europeus, aprendemos formas de encarar problemas comuns.
E nós próprios, por vezes, também temos alguns planos que são programas líder a nível europeu. Nós, em Sintra, tivemos um plano de acolhimento e integração dos imigrantes que que foi um plano líder a nível europeu”.
Luís Antunes, que se prepara para deixar a liderança da Câmara Municipal da Lousã, defende que “ainda há um caminho a percorrer, especialmente visível no que diz respeito a Portugal”, porque, “nomeadamente nas instâncias em que participamos, verificamos que as representações dos outros países têm uma dimensão regionalizada e têm, institucionalmente, outra expressão”.
“Mas acho que já hoje os autarcas portugueses têm voz. O Comité das Regiões tem conseguido, enquanto órgão consultivo, do ponto de vista formal e objetivo, tomar decisões, fazer recomendações e melhorar propostas e políticas da União Europeia”.
“E que, claro, depois também do ponto de vista informal, naquilo que é a força institucional dos órgãos, nomeadamente na ligação com o Parlamento e com a Comissão – mas essencialmente com o Parlamento – na perspetiva de evidenciar aquela que é a importância dos Municípios e das Regiões, nomeadamente nos meios que têm à sua disposição para aplicação dos mecanismos de financiamento europeu”.
“Considero que, especialmente no que diz respeito aos municípios portugueses, nos faz falta maior atenção e presença não só nestes órgãos mas também naquilo que deve ser uma presença permanente nos assuntos e nas decisões europeias”, realça Luís Antunes.
Já o presidente da autarquia de Aveiro refere que “temos tido um contributo que considero muito importante e eu sou membro do Comité das Regiões há dez anos e, portanto, já tenho uma boa leitura da situação”.
“Julgo que o Comité das Regiões é um instrumento muito útil para mantermos as Instituições Europeias – habitualmente os organismos principais Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu – sensibilizados para a importância do poder local. O Comité das Regiões é uma ferramenta importantíssima no manuseamento de projetos que envolvem a área da cultura, da investigação e desenvolvimento, da mobilidade, etc.”.
“Onde é que está o perigo, na minha opinião? Está basicamente numa tentação que está muito bem plasmada, por exemplo, na proposta da Comissão Europeia para o Quadro Financeiro Plurianual 2028/2034: uma propensão para o centralismo, de usar o modelo PRR em vez de usar o clássico modelo dos programas operacionais de dimensão nacional e de dimensão regional. E, obviamente, nós defendemos que o centralismo é um erro porque impede que a União Europeia e os seus Estados-Membros utilizem um poder (o Local) que tem as virtualidades que eu lhe referi há pouco”, reforça José Ribau Esteves.
José Ribau Esteves considera ainda que “nós já descobrimos (o valor de os autarcas se envolverem mais nas Instituições Europeias), mas temos que lhe dar muito mais importância e também temos que nos articular melhor – eu não diria melhor na qualidade, mas em quantidade – com outras Instituições Europeias”.
“Temos trabalhado bem com o Parlamento Europeu, mas também precisamos de trabalhar melhor com o nosso Governo nacional. E já houve, no passado, trabalho de articulação regular entre a Delegação de Portugal no Comité das Regiões e o Governo, situação essa que entretanto deixou de ser feita”.
“Vamos ter um um novo mandato autárquico, com muito autarcas novos. É preciso que eles se sensibilizem, que nós todos também os ajudemos a sensibilizarem-se para a importância desta dimensão”.
“E obviamente podemos e devemos fazer mais e fazer melhor no investimento político, também financeiro, nesta frente do nosso trabalho, porque a dimensão europeia é cada vez mais importante na vida dos Municípios portugueses, não só no que respeita aos fundos comunitários mas em várias outras matérias e é fundamental que os autarcas – agora temos que falar dos próximos que vão chegar – façam mais e melhor do que aquilo que nós fizemos. E portanto, o que eu desejo é que os Autarcas portugueses possam dar sempre mais e melhor importância a esta dimensão europeia do seu trabalho”.
Foto: Ribau Esteves – RTP
O Próximo Quadro Financeiro Plurianual e a maior centralização das decisões sobre os fundos europeus
A Comissão Europeia apresentou uma proposta de Orçamento Comunitário de longo prazo para sete anos a partir de 2028 no valor de dois biliões de euros. Além disso, vai ser preciso que cada Estado-membro apresente um plano nacional para sete anos.
No fundo, passam a existir uma espécie de 27 quadros financeiros plurianuais, um por cada Estado-membro que terá que negociar com a Comissão Europeia como aplicar esses fundos sendo que os valores para a Política de Coesão passarão a estar no mesmo pacote dos fundos para a agricultura por exemplo.
E sendo certo que há mínimos para cada área, o facto é que será cada Governo a decidir quanto investir e em quê, centralizando mais o processo e afastando mais o Poder Local da execução destes fundos.
“Quando nós olhamos para a proposta, por exemplo, a proposta de Quadro Financeiro Plurianual que a Comissão Europeia pôs em cima da mesa para o período de programação 2028-2034, obviamente que fica uma preocupação enorme”, sublinha o ainda Presidente da Câmara Municipal de Aveiro.
“Como sabe, o documento é altamente protestado pelo Comité das Regiões, por vários dos partidos principais da gestão partidária do Comité das Regiões, precisamente porque está provado – está provado na história e está provado por tantos modelos de gestão de Estados – que o centralismo é sempre o caminho errado”, reforça José Ribau Esteves.
“Descentralizar, puxar mais pelos poderes que são mais próximos dos cidadãos, que conhecem melhor os problemas, que têm melhor capacidade para gerir o desenvolvimento, para mobilizar os cidadãos, etc., é uma aposta fundamental e portanto, nós no Comité somos contra o modelo PRR – aliás, é só preciso olhar para o que tem vindo a acontecer no modelo PRR na questão dos fundos comunitários – e, obviamente, defendemos o modelo clássico que a União tem usado e que passa pelos programas operacionais nacionais ou setoriais e pelos programas operacionais regionais, onde estas matérias, que envolvem as competências do Poder Local, têm acolhimento em termos de tipologia de projetos a financiar”.
“Portanto, é esta esta a minha visão e é a visão do Comité das Regiões nesta luta por uma União Europeia mais forte que tem que cuidar de um Orçamento que é difícil, mas tem que ter novas fontes de receita, de um Orçamento que tem que continuar a cuidar da coesão territorial e da coesão social da União Europeia, que é um dos seus trunfos políticos. Mas ao mesmo tempo, a União tem que se alargar a outros países – é importantíssimo para a União o seu alargamento”, reforça José Ribau Esteves.
“Penso que há vários fatores que neste momento, põe em risco o papel e a importância dos Municípios e das Regiões”, defende Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal da Lousã e Membro do Comité das Regiões.
“Temos pela frente um novo Quadro Financeiro Plurianual e espero que a versão final não seja esta que está apresentada porque considero que a nova formulação – conjugando esses dois envelopes da Coesão com a Agricultura – é negativa e resulta, objetivamente em menos Fundos de Coesão. Na minha opinião, para um país como Portugal vai ser complicado e vai tornar muito mais difícil a concretização de alguns objetivos e realização de algumas infraestruturas que ainda hoje são necessárias e pertinentes para consolidar ou potenciar o desenvolvimento”, reforça o autarca que está ainda à frente da Câmara Municipal da Lousã.
“Este é um grande desafio e tenho procurado – em função da informação que disponho e daquilo que é também a minha presença no Comité das Regiões – sensibilizar, alertar os meus colegas para este cenário”.
“Porque é um cenário – nomeadamente com a organização que temos em Portugal e com aquilo que é a dependência que os Municípios têm dos fundos comunitários para realizar ou para concretizar investimentos nomeadamente em infraestruturas pesadas – a que tem que se dar muita atenção”.
“E se conjugarmos isso com aquilo que é a realidade em termos do universo de financiamento e de receitas próprias com a atual Lei das Finanças Locais – que também, em minha opinião, tem que ser revista por variadas razões – considero que é importante que exista uma nova lei das Finanças locais que terá que ter já em perspetiva esta possível redução de fundos comunitários para os municípios”.
É na mesma linha que se articula o pensamento de Ricardo Rio, eleito pelo PSD para estar á frente da autarquia de Braga.
O ainda presidente desta Câmara do Minho defende que “o facto de se centralizar todos esses fundos – e ainda por cima se misturar os Fundos da Coesão com várias outras dimensões – leva a que aquela expressão da nossa Presidente do Comité das Regiões de que será uma espécie de Hunger Games de fundos comunitários, não deixe de ter alguma razão de ser porque vai estimular uma competitividade entre áreas que deveriam ser complementares e que deveriam ter verbas dedicadas.”
“E, aliás, o próprio Comité das Regiões tem reivindicado a cativação de verbas diretas para as Autarquias Locais na própria União Europeia e inclusivamente a possibilidade de envolver as Autarquias em áreas que normalmente não são muito consideradas, como é o caso do futuro Fundo da Competitividade, que também supostamente será criado em breve”, defende Ricardo Rio.
Também membro do Comité das Regiões, Basílio Horta refere que “é muito provável que todas as verbas ou uma parte das verbas que eram para um dos sustentáculos da Europa, para o apoio solidário, para o apoio da Coesão, ou seja as verbas da Coesão, fiquem prejudicadas, quer na quantidade, quer na forma de serem disponibilizadas. Porque é muito possível que haja uma centralização na disponibilização das verbas do apoio europeu”.
“Portanto, quer na quantidade – pela necessidade de emergência e de outras despesas – quer na forma de disponibilizar essas verbas, eu creio que vai haver mudanças que não serão as melhores” refere o Autarca de Sintra.
Foto: Luís Antunes – Câmara Municipal Lousã
Desafios para os próximos Autarcas
Com novas prioridades para o próximo Orçamento Europeu de longo prazo, que, de acordo com a proposta da Comissão Europeia, não aumenta o valor de fundos disponível para todas as áreas – o que já foi contestado pelo Parlamento Europeu – os novos autarcas vão enfrentar novos desafios sobretudo porque as verbas destinadas à Política de Coesão não estão autonomizadas e aparecem no mesmo envelope financeiro que as que são destinadas à Política Agrícola Comum.
Mas que mais desafios europeus vão enfrentar os novos autarcas?
“Creio que todos os temas são impactantes, ainda que uns mais diretamente e outros mais indiretamente, naquilo que é a vida de uma autarquia”, considera Luís Antunes, até agora presidente da Câmara Municipal da Lousã eleito pelo PS.
“Estas questões do Fundo de Coesão e todas as outras situações que estão em cima da mesa – como a possível reafectação de verbas dentro daquilo que ainda é o quadro do Horizonte 2030 em termos de Quadro Financeiro Plurianual – podem ter consequências mais diretas e imediatas”.
“Mas há um conjunto de outras matérias a ter em conta nomeadamente tudo aquilo que é hoje relacionado com a transição energética e a questão das alterações climáticas”.
“É muito importante a questão que hoje está na ordem do dia – e que também depende muito dos fundos comunitários e, em concreto em Portugal, do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) – que é a habitação. Até mesmo os prazos do PRR é um assunto que vai estar em destaque nos próximos tempos e nas prioridades dos Autarcas deste próximo ciclo”, destaca o autarca socialista da Lousã.
“Claramente porque é um grande desafio concretizar, dentro dos prazos que estão definidos, algumas obras, e não só por razões administrativas ou institucionais. Isto tem também a ver com a capacidade de resposta das empresas para poder fazer acontecer dentro dos apertados prazos que temos”.
“Mas existem muitos desafios. E nesta questão da Coesão, eu penso que todos também temos que ter consciência daquilo que são os desafios da União Europeia, nomeadamente os compromissos assumidos com a Ucrânia e aquilo que diz respeito ao MRR (Mecanismo de Recuperação e Resiliência), que digamos assim, dá as condições financeiras para a execução do PRR mas que é também uma operação de financiamento”.
“Portanto, há um conjunto de desafios como a questão da defesa, que está na ordem do dia, e a reafectação de verbas que também impacta nesta questão da proposta do Quadro Financeiro Plurianual e naquilo que diz respeito às verbas da Coesão”.
“E, portanto, há aqui um conjunto de ameaças à Política de Coesão e àquilo que tem sido o papel das Regiões e dos Municípios, nomeadamente na aplicação de fundos comunitários”, reforça Luís Antunes.
“Há várias dimensões que são absolutamente críticas”, defende o autarca social-democrata de Braga, Ricardo Rio “uma das primeiras – além dos desafios que decorrem da dimensão financeira, do novo quadro e das novas perspetivas financeiras – é a importância do financiamento para a defesa”.
“Eu sou também, no âmbito do Comité das Regiões, Relator de uma opinião que vai ser agora aprovada na próxima semana no plenário do Comité das Regiões, em que defendo que tem que existir uma dimensão regional da Política de Defesa, em que tem que existir também a capacidade, por exemplo, dos agentes locais, mobilizarem o tecido científico para induzir a inovação que torne os seus territórios também competitivos nessa área. E isto não passa apenas por uma lógica de militarização. Muitas vezes passa por tecnologias, serviços, produtos que, como costumo dizer, têm um uso dual, ou seja, que podem ser também benéficos para a sociedade no seu todo”.
“Há uma outra área que é que é obviamente crítica, e na qual a União Europeia vai ter que investir bastante no futuro, que é a componente da resiliência dos territórios. Todos estes fenómenos climáticos que nós vamos sentindo em todos os Estados-Membros – desde as temperaturas extremas até às inundações, às ameaças dos fogos, etc. – são questões que vão colocar muitos desafios à gestão dos territórios e que, obviamente, obrigam todos os Autarcas a terem também um envolvimento forte nessa matéria”.
“E depois há temas que não são de hoje, que têm estado na primeira linha da agenda da União também, como é o caso de todas as políticas ligadas à sustentabilidade que não podem ser descuradas no sentido de promover uma mobilidade mais sustentável, por exemplo, para resolver muitos dos desafios que essas cidades têm”.
“Há hoje uma questão que é que é absolutamente transversal, que é a questão da habitação, em que também aí, de uma forma interligada com o Estado Central e com a União Europeia, têm que existir, obviamente, respostas concretas que mitiguem os impactos que as pessoas estão a sofrer desta crise dos preços da habitação, mais até do que da oferta da habitação”.
“Há objetivos muito ecléticos que obrigarão seguramente ao envolvimento dos poderes locais para a sua resolução”, defende o presidente da Autarquia de Braga.
José Ribau Esteves coloca um desafio importante “na primeira linha dos desafios ao nível nacional, mas que se mistura intimamente com o nível europeu: a nova Lei de Finanças Locais. Portugal precisa urgentemente de uma nova Lei de Finanças locais”.
“A Associação Nacional de Municípios Portugueses já apresentou – há dois anos, ainda no último ao último Governo do doutor António Costa, era ministro o Dr. Fernando Medina – a nossa proposta base de nova Lei de Finanças locais, porque obviamente a lei que temos é anacrónica, está completamente desligada daquilo que hoje é o país, daquilo que hoje são as assimetrias regionais que é preciso combater, também através da Lei das finanças locais, do mercado de carbono, das novas funções do território, etc, etc, etc.”
“E isto tem uma relação muito íntima com a União Europeia por causa da importância para os Orçamentos Municipais dos Fundos Comunitários na perspetiva de que – não quero ser catastrofista, mas enfim – um próximo quadro de Fundos Comunitários terá menos fundos disponíveis para Portugal e, desde logo, para os Municípios portugueses, esperando eu que o alargamento aconteça, porque a Europa precisa imenso de crescer”, reforça o autarca eleito pelo PSD para Aveiro.
A despedir-se da presidência da Câmara de Sintra e da presença no Comité das Regiões, Basílio Horta refere que “para os próximos Autarcas o principal desafio é o de que o princípio da Coesão, que foi a base da criação da União Europeia, não seja profundamente prejudicado, ou seja, que o princípio da Coesão continue a iluminar as decisões da União Europeia. Isso é fundamental”.
“Pode ter mais verbas ou menos verbas, pode ter mais dificuldade ou menos dificuldade na atribuição, mas é essencial que o princípio da Coesão esteja sempre presente nas decisões europeias. Eu creio que é o grande objetivo e que os autarcas têm que lutar por ele e não o devem deixar cair”.