O maior elefante já registrado pelo homem, apelidado de Henry, está em exposição no Smithsonian em Washington, DC (EUA). Com quase quatro metros de altura, ele foi abatido por um caçador em Angola, nos anos 1950, e seu legado é repleto de mistérios. Com quase um metro a mais de altura em relação aos outros destes animais vistos pelo continente africano, Henry pode muito bem ser um dos únicos exemplos já vistos de uma subespécie gigante, que devido à violência humana e mudanças climáticas, hoje existe numa região praticamente inacessível do continente. Isso, claro, se esses Elefantes Fantasmas realmente existirem.
Essa é a pergunta que o diretor Werner Herzog, lenda do cinema de documentários, coloca diante do explorador e cientista sul-africano Steve Boyes, um homem que dedica a vida à preservação do continente e sonha em ver esses titãs da terra. Seria melhor aos elefantes continuarem vivendo apenas na imaginação, como suposições eternas que caçadores e desmatamento não podem tocar, ou a comprovação de sua existência – um grande feito científico e pessoal – vale o esforço de se aventurar num território repleto de criaturas perigosas, a região da Angola chamada pela tribo local, os Luchazi, de “Lisima lya Mwono” – ou, em bom português, A Fonte da Vida.
Em seus documentários, como The Fire Within e A Caverna dos Sonhos Esquecidos, Herzog frequentemente se preocupa com o contraste de imagens e realidade. Daquilo que ele filma e daquilo que realmente está lá. Qual é o significado do que estamos vendo, e como a gravação daquilo, sua transformação em cinema, altera o contexto do objeto e a posição de quem o filma? Essas são as questões que o cineasta coloca diante de Steve, e por mais que o protagonista do filme siga selva adentro nessa expedição, toda vez que Herzog o questiona, ele parece incerto. Mais de uma vez, Steve admite que, talvez, os elefantes estejam melhores como fantasmas.
Afinal de contas, que animal ficou melhor depois de entrar em contato com a raça humana? Herzog insere cenas de África, Adeus (Africa Addio, 1966) no meio do documentário. Trata-se de um filme italiano que Roger Ebert descreveu como “brutal, desonesto e racista” e que, entre outras atrocidades, mostra caçadores reais matando elefantes reais, uma visão que infecta cada centímetro da jornada exibida em Elefantes Fantasmas (Ghost Elephants, 2025). Ninguém do grupo de Steve sequer pensa em matar uma dessas criaturas majestosas, mas é possível ver, estampado no rosto destes homens, o medo de que eles estejam abrindo uma caixa de pandora.
Herzog, porém, parece se preocupar menos e menos com isso conforme a viagem começa. Acompanhando Steve, um guia angolano chamado Kerllen Costa e três rastreadores mestres da etnia Coissã – Xui, Xui Dawid e Kobus –, o diretor não só enfatiza como nossa relação com a preservação de animais selvagens mudou, mas especialmente o quão difícil é chegar na Fonte da Vida. O grupo passa uma semana na “estrada”, cruzando rios e dormindo em meio a aranhas que parecem saídas dos piores pesadelos e lagartos dignos de serem chamados de dragões. Eventualmente, os jipes são descartados e o progresso só pode ser feito em motocicletas. Nos últimos 50 km, nenhum veículo pode ser usado. É preciso ir a pé.
Herzog até aproveita essa jornada – uma que envolve os Coissãs, tidos como o povo mais antigo da Terra, e um local chamado de Fonte da Vida – para discutir algumas ideias sobre a origem do homem e seu comportamento ao longo da história, mas o diretor, assim como nós, parece se render diante da paisagem. Elefantes Fantasmas talvez decepcione quem esperava mais reflexões profundas do bávaro favorito dos cinéfilos, mas é difícil culpar sua troca de exploração textual pelo foco em só mostrar o que está, literalmente, ao seu redor.
Entre criaturas que estariam em casa em filmes de Guillermo del Toro e reis de tribos locais que precisam autorizar a continuação da aventura, Elefantes Fantasmas tem elementos de sobra para nos deixar fascinados e desejando que aquele passeio nunca termine. O que mais Steve e seu grupo podem encontrar? O que mais as câmeras podem descobrir? Eventualmente, eles chegam ao local onde os elefantes devem estar. Pegadas e fezes são descobertas, e, se dividindo, os exploradores vão em busca da filmagem de uma vida. Não vamos revelar como tudo é concluído, mas Elefantes Fantasmas encerra seu tempo na África abraçando totalmente o mix de emoções que se vê no rosto de Steve quando ele pensa e repensa seu desejo de ver aquilo que, até então, só existia em seus devaneios.
O filme então perde boa parte de sua energia com um epílogo situado no Smithsonian e em laboratórios de faculdades que examinam as amostras de fezes e pelos encontrados na Fonte da Vida para traçar paralelos com Henry. É, claro, algo de enorme significância científica, mas os corredores esterilizados não possuem o mesmo impacto do verde africano.
Não é à toa que Steve e seus companheiros de viagem arriscaram tanto. O que eles vêem, e o que vemos através de seus olhos, é digno do sobrenatural. Elefantes Fantasmas não é só um bom título para o documentário, ou uma boa forma de descrever essa elusiva espécie. O maior feito do filme de Herzog é capturar como essa busca ganha ares de mito, como ela parece levar os personagens para uma terra mística, e como o filme, constantemente, se pergunta se pertencemos, ou não, ali.
Elefantes Fantasmas foi exibido no Festival do Rio 2025. O filme estreia no Disney+ em data não determinada, em 2026.
Elefantes Fantasmas
Ghost Elephants
Ano:
2025
País:
EUA
Classificação:
12 anos
Duração:
99 min
Direção:
Werner Herzog
Roteiro:
Werner Herzog
Elenco:
Kerllen Costa
,
Kobus
,
Xui Dawid
,
Xui
,
Steve Boyes
,
Werner Herzog
Onde assistir: