Poupança e Investimentos
“Aprovámos uma recomendação aos Estados-membros para que criem nos seus países – no caso, naturalmente, naqueles em que ainda não exista – uma conta de poupanças e investimentos, conta esta que deverá incluir um conjunto de produtos e soluções de investimento relativamente simples”, começa por explicar Maria Luís Albuquerque numa entrevista com alguns correspondentes portugueses em Bruxelas.
A comissária explica que a Comissão recomenda “que ativos particularmente complexos ou criptoativos não sejam incluídos nestas contas” que devem dar “aos cidadãos europeus a possibilidade de fazer investimentos, num contacto direto com os mercados de capitais, para promover uma cultura de investimento e de tomada de risco, de uma forma ponderada e com as adequadas proteções”.O objetivo é criar “um formato adequado para que os aforradores e os investidores de retalho possam ter essa oportunidade”.
Maria Luís Albuquerque explica que o Executivo comunitário considera que “é muito importante para os cidadãos europeus terem a oportunidade de colocar as suas poupanças, ou uma parte das suas poupanças, em investimentos que lhes tragam mais retorno”.
“Nós temos, na Europa, um valor superior a 11 mil milhões euros em depósitos nos quais as pessoas colocam as suas poupanças mas, na verdade, com o contexto de inflação que tivemos nos últimos anos, isso significa que efetivamente estão a perder valor. Têm o mesmo número de euros ou mais, porque têm os juros, mas na verdade compram menos coisas. E é uma pena que quem poupa esteja a perder o valor daquilo que poupou, em vez de estar a acrescentar valor para o futuro”.
Na conversa com os jornalistas portugueses, a comissária designada por Portugal referiu que já há países na União Europeia que já têm este tipo de contas.
“Um dos casos que é normalmente referido é o da Suécia o que não só permite que os cidadãos suecos tenham um retorno muito mais elevado das suas poupanças, como permite que o país tenha também o mercado de capitais mais dinâmico da Europa” e, portanto, “isso mostra que estas duas faces da mesma moeda funcionam”.
Maria Luís Albuquerque defende que também “pode funcionar em qualquer Estado-membro” e que a “intenção é, de facto, promover uma cultura de investimento e de tomada de risco, sim, com as salvaguardas necessárias para que as pessoas saibam em que é que estão a investir e qual é o risco que estão a correr”.
“O investimento em mercados de capitais, para a esmagadora maioria das pessoas, é algo que tem de ser visto num prazo mais longo, ou seja, a volatilidade de curto prazo não é relevante a não ser para aquelas pessoas que estão constantemente a comprar e vender, mas não é esse o objetivo dos produtos que nós entendemos que devem ser integrados neste tipo de conta”.
Por isso, o que se pretende é “promover uma cultura de investimento para que as pessoas compreendam aquilo que é a relação entre risco e retorno. Quando nós não temos qualquer risco, não temos nenhum retorno. Para nós termos ganhos, temos que estar disponíveis para aceitar algum risco. E o risco, sobretudo para o investidor de retalho, deve ser deve ser conhecido e mitigado”.
A comissária alerta que “as pessoas não devem pôr todos os seus recursos na mesma aplicação, como é óbvio, e, portanto, devem distribuir as suas poupanças pelas várias formas disponíveis”. Para isso “devem ter em atenção que se acham que podem precisar do dinheiro a qualquer momento, um depósito é com certeza a melhor opção – tem liquidez, está ali – se acham que é um dinheiro que estão a poupar para um prazo mais longo, o mercado de capitais é uma alternativa muito interessante e, desde que devidamente diversificada, todos os dados revelam que o retorno é mais elevado”.
“O que nós queremos, na verdade, é que os cidadãos europeus, naturalmente os cidadãos portugueses incluídos, tenham todas estas oportunidades à sua disposição, tenham a possibilidade de escolher.”
Comissária europeia Maria Luís Albuquerque | foto: Andrea Neves – Antena 1
Benefícios fiscais
E para incentivar novas práticas de investimento e um olhar mais atento para outras oportunidades e formas de usar o dinheiro a Comissão recomenda, também, aos Estados-membros “que acompanhem estas contas de incentivos fiscais. São dados alguns exemplos do tipo de incentivos fiscais que poderiam ser atribuídos mas, no essencial, o meu apelo é que o incentivo fiscal seja pelo menos tão interessante como aquele que exista para outros produtos de investimento”.
Maria Luís Albuquerque recorda que “os regimes fiscais são prerrogativa de cada Estado-membro”. Contudo, a comissária pretende que “aos cidadãos seja dada a oportunidade de investir com um incentivo fiscal que seja pelo menos tão bom como outro que já exista”, mas “como é que esse incentivo fiscal vai ser determinado e se vai ou não ser aplicado é uma decisão de cada de cada Estado-membro”.
“As pessoas têm direito a esse benefício em função da sua residência fiscal e é isso que, de facto, vai determinar a possibilidade de investir e os benefícios fiscais que pode ter”.
Uma boa alternativa aos depósitos a prazo?
Maria Luís Albuquerque considera que sim, que “se as pessoas pensam que não vão precisar desse dinheiro nos próximos tempos, é claramente uma boa alternativa”.
“Aliás, numa conferência em maio, organizada pela CMVM e em que eu estive, o presidente da CMVM mostrou exatamente a comparação do que é que teria sido investir no mercado de capitais português com o ter o dinheiro num depósito a prazo, na última década, talvez – já não me recordo exatamente do prazo – mas a diferença era absolutamente extraordinária. Sim, os retornos são mais elevados”.
Mas a Comissária insiste na ressalva: “Estamos a falar de produtos que têm risco moderado. Estamos a pensar num investidor médio, sendo que esta tomada de risco deve ser ponderada, cautelosa e não é recomendado, em caso algum, que as pessoas ponham todo todas as suas poupanças no mesmo sítio. A nossa sabedoria popular diz que nós não devemos pôr os ovos todos no mesmo cesto”.
“E, portanto, mesmo para aquelas pessoas com rendimentos mais baixos, ou sobretudo para essas pessoas com rendimentos mais baixos, ter conhecimentos que os ajudem a fazer uma melhor gestão financeira do seu rendimento, seguramente que os ajudará”. Por isso esta proposta vem acompanhada de outra: a de aumentar a literacia financeira dos cidadãos europeus.
“Temos não só a recomendação para a criação deste tipo de contas, mas também uma recomendação para aprofundar a literacia financeira. Isso ajudará qualquer pessoa, qualquer agregado familiar”.
Mais e melhor literacia Financeira
O Colégio de Comissários aprovou também uma recomendação aos países-membros da União Europeia para que avancem com “uma estratégia europeia para literacia financeira”.
“Porque sabemos que a literacia financeira, em demasiados países da União Europeia, está em níveis muito baixos. E quando falamos de literacia financeira, falamos naturalmente da decisão de investir as poupanças, mas falamos de conceitos mais vastos e, em muitos casos, mais básicos”, refere Maria Luís Albuquerque.
“Nós queremos que os europeus se sintam confortáveis e tenham a informação necessária para tomar decisões financeiras, e decisões financeiras tomamos todos nós no dia a dia, quer sejamos aforradores ou não, quer sejamos investidores ou não”.
Por isso, o que se pretende com esta estratégia “é, naturalmente, elevar o nível de conhecimentos financeiros da população europeia”, reconhecendo “que há muitas iniciativas na Europa – e mesmo para lá da Europa – que são muito bem conseguidas, que têm dado resultados positivos e, portanto, queremos primeiro promover essa partilha de boas práticas para que possamos aprender uns com os outros aquilo que funciona e aquilo que não funciona” salienta a Comissária com a pasta da União da Poupança e dos Investimentos.
Comissária europeia Maria Luís Albuquerque | Foto: Andrea Neves – Antena 1
Literacia direcionada
“As ações de literacia financeira devem ser muito direcionadas, ou seja, devem ter em conta as necessidades específicas de cada grupo populacional, quer seja uma questão de idade, quer seja uma questão da forma como as pessoas vivem, das habilitações académicas que têm, do tipo de comunidade de que estamos a falar”, refere Maria Luís Albuquerque.
No encontro com correspondentes portugueses em Bruxelas, a comissária deu mesmo alguns exemplos: “Podemos estar a falar das mulheres que optaram por ficar em casa e cuidar da família, que são um grupo que tem necessidades particulares, podemos estar a falar de comunidades imigrantes, que frequentemente estão excluídas do envolvimento com o setor financeiro, enfim, temos muitos grupos diferentes de cidadãos, temos, por exemplo, pessoas mais velhas mais sujeitas à fraude, com menos literacia digital”.
“Temos de pensar nas ações de literacia financeira como feitas de forma adequada para as necessidades a que pretendemos dar resposta em vez de pensarmos que temos soluções como um website que qualquer pessoa pode consultar e que não vai responder, necessariamente, àquilo que são as necessidades de muitas pessoas”.
E a União Europeia compromete-se a fazer mais frequentemente Eurobarómetros para verificar o resultado destas iniciativas e de que forma estão, ou não, a conseguir aumentar os conhecimentos financeiros dos cidadãos.
“Há também um apelo a que os fundos disponíveis a nível europeu para ações desta natureza sejam bem utilizados para também se poder financiar não só ações de literacia financeira como também investigação nesta área muito relacionada, também, com comportamentos”.
“Estamos a falar do que são os conhecimentos teóricos que as pessoas devem ter, idealmente a começar nas escolas – isto também não é uma competência da Comissão da União Europeia – mas idealmente começará cedo, ainda que em qualquer idade se vá a tempo para ter conhecimentos desta natureza”, refere Maria Luís Albuquerque.
As duas propostas – que são, na verdade, recomendações aos Estados-membros – foram apresentadas em conjunto porque a Comissão entende que a teoria e prática podem ser um caminho mais robusto na definição de estratégias de conhecimento. “Assim, de um lado fomentamos o conhecimento, do outro damos às pessoas a oportunidade para pôr esses conhecimentos em prática. E é a conjugação destas duas vertentes que seguramente ajudará a que os europeus tenham o maior nível de literacia financeira”.Os parceiros para a literacia
“Para a literacia financeira contamos com todos”, esclarece a comissária Maria Luís Albuquerque.
“Aliás, temos muitos exemplos em Portugal de iniciativas da sociedade civil muito positivas e com trabalho feito em matéria de literacia financeira, e também temos os supervisores, os reguladores, as entidades públicas, as instituições financeiras, todas essas entidades têm iniciativas de literacia financeira”.
E as escolas podem ser parceiros privilegiados nesta estratégia para a qual vão existir apoios europeus.
“Sim. Idealmente, os conhecimentos de literacia financeira, que são conhecimentos básicos para a nossa vida do dia a dia, devem ser introduzidos tão cedo quanto possível. Mas verdade é que muitos de nós já não estão na escola – e já não vão voltar – e, portanto, temos de pensar também como é que respondemos às necessidades de toda essa população que já não está na escola”.
Por isso a Comissão quer conquistar novas parcerias nesta missão. “Eu normalmente, quando vou visitar os Estados-Membros, falo com os sindicatos e peço-lhes apoio nestas iniciativas de literacia financeira porque o local de trabalho é, obviamente, um bom local para se transmitirem conhecimentos”, explica a comissária designada por Portugal.
“Portanto, a ideia é ser o mais abrangente possível, em termos de a quem se dirige, e o mais focado possível para responder às necessidades. Nós não vamos olhar para toda a gente e pensar que todos precisam de distinguir entre duas opções de investimento quando há pessoas que precisam de começar pelo mais básico de saber, por exemplo, como é que usam um cartão de crédito sem ficar endividadas, como é que vão ao supermercado e sabem escolher os produtos que precisam gastando menos dinheiro possível. Há muita gente a quem isto nunca foi ensinado”.
“Estamos a falar de melhorar a qualidade de vida das pessoas e, portanto, em muitos casos, será preciso começar pelo básico e a estratégia de literacia financeira também tem isso em conta. E quando as pessoas já tiverem esses conhecimentos, provavelmente terão mais facilidade para perceberem como é que podem escolher entre opções de investimento”.Aumento da poupança na União Europeia
Dados do Eurostat mostram que a poupança das famílias aumentou para 15,4 por cento na Zona Euro, em geral.
A comissária que tem a responsabilidade por esta área refere que “o aumento da poupança é uma realidade que é muito díspar na União Europeia”.
“Há países, há Estados-membros que têm taxas de poupança muito elevadas e Estados-membros que têm poupanças muito baixas e, portanto, um comentário geral tem sempre que ter isso em conta. Depois precisamos de perceber porque é que estão a aumentar as poupanças. Às vezes é por uma situação de incerteza e preocupação com o futuro. A causa pode não ser necessariamente a mais positiva”.
Mas este aumento de poupanças não deixa de ser uma boa notícia em todas porque “o ponto positivo de haver mais poupanças é a que Europa tem recursos suficientes para resolver os seus problemas”.
“Se nós conseguirmos ter um mercado financeiro eficiente, funcional e integrado, nós damos oportunidade a quem tem poupanças de as aplicar melhor – melhor para si próprios, com mais retorno – e ao mesmo tempo damos às nossas empresas e aos nossos projetos fontes de financiamento adicionais, em particular em instrumentos de capital. E, portanto, o aspeto positivo do aumento da taxa de poupança é a constatação de que a Europa tem recursos suficientes para fazer face às suas necessidades”.
“O que nós sabemos também é que esses fundos, se em vez de ficarem parados num depósito bancário forem investidos no mercado de capitais, também têm a vantagem de dar às empresas acesso a outras fontes de financiamento de mercado e é muito importante que as empresas europeias tenham uma estrutura mais equilibrada de financiamento entre dívida e capital”.
Maria Luís Albuquerque salienta mesmo que “essa é uma das razões pelas quais a nossa produtividade tem vindo a ficar para trás, porque a estrutura de financiamento das empresas europeias depende demasiado de dívida e tem pouco capital – isto, obviamente em agregado e em média – o que significa que têm menores possibilidades de crescerem e inovarem do que empresas em outras regiões, porque para isso é preciso capital”.
“O capital é paciente, espera pelo retorno por um período mais longo. A dívida não funciona assim e, portanto, para nós termos uma economia que funcione melhor, devemos também proporcionar que as empresas europeias tenham mais acesso à capital”.
A Comissária refere ainda que essa eventual vantagem para as empresas “cria um círculo virtuoso porque, na verdade, se as empresas forem mais dinâmicas, tiverem mais capacidade para crescer e para inovar, criam melhores empregos e pagam melhores salários, e as pessoas beneficiam novamente”.
Comissária europeia Maria Luís Albuquerque | Foto: Andrea Neves – Antena 1
Áreas de investimento
“A União de Poupança e de Investimentos é agnóstica em termos de sectores, ou seja, não há qualquer indicação de para que sector é que o dinheiro deve ir. É uma decisão das pessoas”.
Maria Luís Albuquerque salienta a importância de deixar claro que a escolha da área de investimento e uma prerrogativa dos cidadãos.
E porque muito se tem falado na necessidade de ter mais investimentos na indústria de defesa europeia, a Comissária realça que “o dinheiro é dos cidadãos, são os cidadãos que poupam e, por isso, os cidadãos devem ter total liberdade para decidir onde é que o colocam”.
E há mais uma garantia para os aforradores, pois “se decidirem que estas contas de poupança e investimento são uma boa oportunidade também terão total controlo sobre onde é que o seu dinheiro é aplicado e, portanto, desse ponto de vista, não há aqui nenhum favorecimento de nenhum sector ou de nenhuma estratégia”.
“Deve ser investido onde as pessoas querem pôr o dinheiro, onde entendem que é mais razoável, de acordo com aquilo em que acreditam e onde o retorno possa ser mais interessante. Não há nenhuma ligação entre aquilo que são as prioridades estratégicas da União Europeia e estas medidas”.