O Comité Nobel norueguês anunciou esta sexta-feira, em Oslo, a atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2025 a María Corina Machado, opositora política venezuelana do Governo de Nicolás Maduro, “pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.
Joergen Watne Frydnes, presidente do Comité Nobel, que anunciou o nome do vencedor, descreveu María Corina Machado como uma “corajosa e empenhada defensora da paz” e uma “mulher que mantém acesa a chama da democracia no meio de uma escuridão crescente”.
A política venezuelana, de 58 anos, vive na clandestinidade desde Agosto de 2024, por força da repressão de Maduro, tendo sido impedida pelo regime chavista, em 2023, de se candidatar à presidência do país sul-americano nas eleições do ano seguinte. Foi, ainda assim, capaz de juntar uma série de partidos opositores num projecto eleitoral comum, a Plataforma Democrática Unitária, que apoiou a candidatura presidencial de Edmundo González Urrutia, e liderou vários protestos em Caracas.
“Oh my god… I have no words.”
Listen to the emotional moment this year’s laureate Maria Corina Machado finds out she has been awarded the Nobel Peace Prize.
Kristian Berg Harpviken, Director of the Norwegian Nobel Institute, shared the news with her directly before it was… pic.twitter.com/OCUpNz752k
— The Nobel Prize (@NobelPrize) October 10, 2025
Exilado em Madrid – depois de a Comissão Nacional Eleitoral venezuelana, controlada por aliados de Maduro, ter declarado a reeleição do Presidente, contrariando as sondagens e as primeiras contagens dos votos, que apontavam para a vitória do candidato da oposição –, Edmundo González publicou um vídeo nas redes sociais que mostra uma conversa telefónica que teve com Machado, que lhe diz, do outro lado: “Estou em choque. Não posso acreditar nisto.”
Pouco depois, o Comité Nobel divulgou um vídeo no X que exibe o momento em que Kristian Berg Harpviken, director do Instituto Nobel da Noruega, telefona a María Corina Machado para lhe anunciar que venceu o Nobel da Paz. “Meu Deus. Não tenho palavras”, começa por dizer a opositora política venezuelana, com a voz claramente embargada. “Muito obrigada, mas espero que compreenda que somos um movimento, isto é uma conquista de toda uma sociedade. Sou apenas uma pessoa. Certamente não mereço isto”, acrescenta.
Numa mensagem posterior, publicada também no X, Machado destacou que o “enorme reconhecimento” oferecido “à luta de todos os venezuelanos é um impulso para concluirmos a nossa tarefa: conquistar a liberdade”. Depois, referiu-se especificamente a Donald Trump, Presidente norte-americano, e um dos nomeados para a edição deste ano do Nobel da Paz, dizendo que a Venezuela conta “com o Presidente Trump, com o povo dos Estados Unidos, com os povos da América Latina e com as nações democráticas do mundo como nossos principais aliados para alcançar a liberdade e a democracia”.
¡Nuestra querida Maria Corina Machado, galardonada con el Premio Nobel de la Paz 2025! Merecidísimo reconocimiento a la larga lucha de una mujer y de todo un pueblo por nuestra libertad y democracia. ¡La primer Nobel de Venezuela! ¡Enhorabuena @mariacorinaya, Venezuela será… pic.twitter.com/jpmrUEujtL
— Edmundo González (@EdmundoGU) October 10, 2025
“Coragem civil”
“Como líder do movimento democrático na Venezuela, María Corina Machado é um dos exemplos mais extraordinários dos últimos tempos de coragem civil na América Latina”, disse, por sua vez, Frydnes. “Machado tem sido uma figura-chave e unificadora numa oposição política que já esteve profundamente dividida; uma oposição que encontrou um terreno comum na exigência de eleições livres e um governo representativo.”
Ao receber o Nobel da Paz, a opositora política sucede à organização japonesa Nihon Hidankyo, fundada por sobreviventes dos ataques nucleares norte-americanos contra Hiroxima e Nagasáqui, durante a II Guerra Mundial, que recebeu o prémio na edição do ano passado.
Em 2024, Marína Machado já tinha vencido, em conjunto com Edmundo González, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu, numa iniciativa apoiada e autorada pelo PSD.
Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia), António Costa (presidente do Conselho Europeu) e Roberta Metsola (presidente do Parlamento Europeu) foram alguns dos líderes políticos que recorreram às redes sociais para dar os parabéns à vencedora do Nobel da Paz.
Numa mensagem publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa disse que “esta atribuição do Nobel da Paz reconhece e encoraja as aspirações democráticas de todos” e elogiou a luta “corajosa e abnegada pela democracia, justiça social e pleno respeito pelos direitos humanos dos venezuelanos” liderada por Machado. Através do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, o Governo também se congratulou com a escolha do Comité Nobel.
“Estado brutal e autoritário”
Engenheira industrial de formação, María Corina Machado descreve-se como “radicalmente liberal” e ideologicamente ao centro, apesar de os seus críticos a associarem à direita conservadora venezuelana e de ter boas relações, por exemplo, com o Vox, partido de direita radical de Espanha, que a convidou a discursar, por videoconferência, no encontro Europa Viva 2025, que juntou no mês passado vários líderes daquela família política em Madrid. Maduro diz que é uma “burguesa” e associa-a ao “imperialismo americano”.
A opositora política defende a liberalização económica da Venezuela, a reforma da segurança social e a privatização da PDVSA, a empresa petrolífera estatal, entre outras medidas.
No comunicado que publicou no seu site sobre a atribuição do prémio, o Comité Nobel norueguês diz que a Venezuela “evoluiu de um país relativamente democrático e próspero para um Estado brutal e autoritário, que agora sofre uma crise humanitária e económica”.
Este inmenso reconocimiento a la lucha de todos los venezolanos es un impulso para concluir nuestra tarea: conquistar la Libertad.
Estamos en el umbral de la victoria y hoy más que nunca contamos con el Presidente Trump, el pueblo de los Estados Unidos, los pueblos de América…
— María Corina Machado (@MariaCorinaYA) October 10, 2025
“A maioria dos venezuelanos vive em extrema pobreza, enquanto os poucos que estão no topo enriquecem. A máquina violenta do Estado é dirigida contra os próprios cidadãos do país. Quase oito milhões de pessoas deixaram o país. A oposição tem sido sistematicamente reprimida por meio de fraudes eleitorais, processos judiciais e prisões”, denuncia.
A sentença do Supremo Tribunal Federal que decretou a inelegibilidade de María Corina Machado durante 15 anos diz que esta ajudou a articular o apoio internacional ao autoproclamado Presidente Juan Guaidó, incluindo a imposição de sanções económicas internacionais contra a Venezuela.
Nicolás Maduro, que ainda não reagiu oficialmente ao anúncio desta sexta-feira do Comité Nobel norueguês, chegou ao poder em 2013, tendo sucedido a Hugo Chávez, líder histórico do Partido Socialista Unido da Venezuela e do movimento bolivariano, que governava o país latino-americano desde 1999.
Os seus opositores, as Nações Unidas e dezenas de organizações de direitos humanos e civis acusam o Presidente e o seu regime de violações grosseiras de direitos humanos, restrições à liberdade de expressão e de imprensa, e utilização do aparelho de Estado para perseguição e silenciamento de críticos e dissidentes e para impedirem a realização de eleições livres e justas.
Thameen al-Kheetan, porta-voz do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, disse esta sexta-feira que a atribuição do Nobel da Paz a María Corina Machado é um “reconhecimento”, que “reflecte as claras aspirações do povo da Venezuela por eleições livres e justas, por direitos civis e políticos e pelo Estado de direito”.
E Trump?
As semanas que antecederam a atribuição do galardão deste ano mereceram especial atenção internacional, depois de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, ter assumido publicamente que merecia a distinção e dito que seria “um insulto” se tal não acontecesse, argumentando ter posto fim a “sete guerras”, e contando com o apoio, por exemplo, de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita.
O recente acordo alcançado entre o Hamas e o Governo de Israel, tendo em vista um cessar-fogo na Faixa de Gaza e a libertação dos reféns, baseado numa proposta de Trump, já não teve, no entanto, impacto no processo de decisão da equipa liderada por Joergen Watne Frydnes, uma vez que este foi concluído na segunda-feira.
Steven Cheung, director de comunicações da Casa Branca, publicou uma mensagem na rede social X a afirmar que o “Comité Nobel demonstrou que põe a política acima da paz”. “O Presidente Trump continuará a fazer acordos de paz, a acabar com guerras e a salvar vidas. Ele tem um coração humanitário e nunca haverá ninguém como ele, capaz de mover montanhas com a força da sua vontade”, acrescentou.
Questionado por um jornalista sobre a campanha que foi feita nos últimos meses por Trump e pelos seus aliados para que o Presidente norte-americano vencesse o galardão deste ano, Joergen Watne Frydnes disse que o Comité Nobel recebe milhares de cartas todos os anos com nomeações e toma as suas decisões com “coragem e integridade”. “Baseamos a nossa decisão apenas no trabalho e na vontade de Alfred Nobel”, concluiu, citando o químico sueco que criou os prémios que hoje têm o seu nome.
Para a edição deste ano do Prémio Nobel da Paz, que é atribuído desde 1901 a quem “tiver feito o maior ou melhor trabalho pela fraternidade entre nações e a abolição ou redução de exércitos permanentes e a formação e difusão de congressos de paz”, havia 338 nomeações: 224 pessoas, incluindo Trump, e 94 organizações.
O Presidente dos EUA, que autorizou a realização de ataques norte-americanos contra navios ao largo da costa da Venezuela alegando que transportam drogas, não comentou a atribuição do Prémio Nobel da Paz a María Corina Machado, alguém que até chegou a elogiar no passado, tendo apenas republicado a mensagem que a opositora venezuelana escreveu nas redes sociais e através da qual lhe agradece.
Os representantes de María Corina Machado vão receber o prémio, assim como 11 milhões de coroas suecas (cerca de 998 mil euros), numa cerimónia agendada para o dia 10 de Dezembro, em Estocolmo, na Suécia.