Antes destes acordos, a OpenAI anunciou em abril que iria receber um investimento de 40 mil milhões de dólares do grupo japonês SoftBank. Também anunciou uma parceria para o desenvolvimento de infraestrutura computacional com empresas como a Oracle e a CoreWeave. Pelas contas feitas pelo Financial Times (FT), todos os acordos fechados pela OpenAI este ano totalizam perto de um bilião de dólares.

Se os compromissos de todos os acordos forem cumpridos na totalidade, a OpenAI ficaria com acesso a mais de 20 gigawatts de capacidade de computação para desenvolver modelos e serviços de inteligência artificial. Seria o equivalente à energia necessária para alimentar 20 reatores nucleares, calcula o FT.

Além do desafio de implementar toda essa estrutura de computação, alguns analistas começam a levantar dúvidas sobre a “crescente concentração do mercado em torno da OpenAI”, conforme diz Henrique Valente, analista da ActivTrades Europe, num comentário ao anúncio da parceria com a AMD. Não é o único analista a mencionar esta questão, numa altura em que já há mais vozes a lançar alertas para uma bolha em formação na indústria de IA.

Os avisos mais recentes? Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou ainda o Banco de Inglaterra já alertaram para a possibilidade de “correções abruptas” de mercado, especialmente no setor da IA. Kristalina Georgieva, a diretora do FMI, reconheceu “o potencial de melhoria da produtividade da IA”, mas o sentimento de entusiasmo “poderá inverter-se”, alertou.

Após o anúncio do acordo com a AMD, Greg Brockman, co-fundador e presidente da OpenAI, dividiu-se entre entrevistas à Bloomberg e à CNBC. Nessas ocasiões, falou sobre os vários acordos anunciados e de como a OpenAI “precisa de todo o poder de computação que conseguir”. O desenvolvimento de modelos e de funcionalidades de IA necessita de uma infraestrutura de grandes dimensões. Só que isso custa dinheiro — e muito.

“Por cada gigawatt de fábrica de IA provavelmente vai precisar-se entre 50 e 60 mil milhões de dólares”, estimou Jensen Huang, o CEO da Nvidia, em entrevista à CNBC esta semana, onde o negócio entre a OpenAI e a rival AMD foi um tema de destaque. “Eles [OpenAI] não têm o dinheiro ainda. Vai acontecer”, garantiu o CEO quando questionado sobre a situação financeira da OpenAI.

A dona do ChatGPT não divulga resultados ao mercado — até porque não tem qualquer obrigação de o fazer. A informação que existe sobre a situação financeira da OpenAI foi divulgada pelo site The Information e também pela Reuters, que avançaram que as receitas anuais da empresa rondam os 12 mil milhões de dólares. Apenas uma pequena parte do necessário para ter 1 GW de computação. Ainda em março, antes dos anúncios de acordos e parcerias, uma notícia da Bloomberg referiu que a empresa estava a ser confrontada com os custos crescentes dos chips, dos custos dos centros de dados e da guerra em curso para contratar talento especializado em IA.

Vários quadros saíram da OpenAI para formar as suas próprias empresas de IA; noutra vertente, saíram especialistas para outras empresas, como a Meta, disposta a pagar milhões em salários. Outra questão a juntar-se ao cenário: a expectativa de que a OpenAI atinja um cash-flow positivo apenas em 2029, diz a Bloomberg.

No caso da OpenAI, a diferença entre as receitas e a necessidade de investimento começa a deixar alguns analistas nervosos. E, mais uma vez, a dar corpo às dúvidas sobre uma bolha a avizinhar-se no mercado da IA. “A OpenAI não está em posição de fazer nenhum destes compromissos”, afirmou ao Financial Times Gil Luria, analista da DA Davidson. “Parte do ethos ‘finge até conseguires’ [fake it until you make it] de Silicon Valley levou muita gente a pôr-se em jogo. Agora várias grandes empresas têm muito em jogo com a OpenAI”, alertou.

Henrique Valente, analista da ActivTrades Europe, nota ao Observador que a OpenAI, “muito provavelmente, terá despesas superiores às receitas nos próximos anos”, por estar “numa fase inicial de desenvolvimento e expansão”. Dá como exemplo o caso de empresas “como a Amazon, a Tesla ou a Uber, que durante anos operaram sem rentabilidade porque tinham investidores dispostos a financiar o crescimento sem retorno no curto prazo”. “Isso é normal, desde que haja um caminho claro para a rentabilidade futura”, realça.

Só que, na perspetiva de Henrique Valente, da ActivTrades, “o grande risco, no caso da OpenAI, está na magnitude dos valores anunciados e na circularidade dos investimentos”. Os negócios circulares são transações em que, como o nome indica, os montantes transitam de um lado para o outro entre os mesmos protagonistas. Usa como exemplo a primeira grande investidora da OpenAI, a Microsoft. “É simultaneamente o principal investidor, o maior cliente e o fornecedor da infraestrutura cloud onde os modelos da OpenAI operam”, explica o analista.

No caso do acordo anunciado com a Nvidia, a empresa de chips vai canalizar até 100 mil milhões de dólares para a OpenAI, mas o acordo implica que a dona do ChatGPT utilize sistemas da Nvidia para o projeto dos 10 GW de computação. Ou seja, o montante de investimento poderá voltar à casa de partida. Jensen Huang, o CEO da Nvidia, afirmou numa entrevista que “é a primeira vez” que a fabricante vai “vender diretamente chips à OpenAI”. Até aqui, isso tem sido feito através de terceiros, garantiu.

Esta circularidade “acontece com várias parcerias anunciadas pela OpenAI e cria um ciclo em que o dinheiro circula dentro do mesmo grupo de empresas”, diz Henrique Valente. “Gera uma perceção de expansão e de investimento externo que, em grande parte, vem de dentro do próprio ecossistema, ao mesmo tempo que inflaciona as valorizações destas empresas.” Tanto a Nvidia como a Microsoft figuram-se como duas das empresas em destaque nesta onda de desenvolvimento da IA, tendo chegado este verão a uma capitalização em bolsa de 4 biliões de dólares, um valor nunca antes visto nos mercados.

O clube dos 4 biliões está inaugurado. A IA é parte de uma história que leva a Nvidia (e em breve a Microsoft) a valer o PIB do Japão

Brian Collelo, analista sénior da Morningstar, reconhece que a circularidade de alguns dos anúncios da OpenAI “faz arquear as sobrancelhas de alguns investidores”. Numa nota enviada ao Observador, o analista refere que há maior presença de circularidade no acordo feito com a Nvidia do que no estabelecido com a AMD. “Vemos este negócio como menos circular, porque a OpenAI poderá não necessariamente usar os proveitos das ações da AMD para comprar mais GPU [unidades de processamento gráfico] da empresa”, explica. “No entanto, envolve as duas partes um pouco mais do que numa relação de fornecedor e cliente.”