Se no último mês um livro dominou os feeds e stories das redes sociais, esse livro é Coisa de Rico (Todavia), de Michel Alcoforado. O autor promete, logo de início, um ensaio de antropologia que explique o que é ser rico no Brasil, afirmando – de maneira jocosa – que nenhum economista, historiador ou sociólogo conseguiria explicar o fascínio dos brasileiros por bens de consumo nos outlets americanos durante o começo dos anos 2010.

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No começo do livro encontramos o casal emergente Mário Jorge e Claudette, são eles que abrem as portas do mundo da riqueza para Michel Alcoforado e deixam muito claro que ele precisará se infiltrar nas camadas mais abastadas da população brasileira, usando “mocassins marrons, calça bege, óculos de tartaruga e blazer azul-marinho com botões dourados de Miami”.

Olívia, uma herdeira que mora na Suíça, é quem guia Michel pelo árduo caminho de infiltração nas elites tradicionais brasileiras, das famílias ditas “quatrocentonas”. O autor conta, então, que precisou se tornar outra pessoa para ter acesso ao mundo dos brasileiros endinheirados. 

Utilizando a identidade de “antropólogo do luxo” Alcoforado conseguiu transitar pelas camadas mais abastadas da sociedade, entrevistando 53 pessoas para sua pesquisa, que resultou na tese de doutorado.

Coisa de Rico (Todavia)Coisa de Rico (Todavia)

As teses

De maneira geral, Alcoforado sustenta duas teses. A primeira é que no Brasil ninguém se considera rico, pois a riqueza seria relacional. Desta maneira, sempre há alguém mais rico.

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A segunda tese construída ao longo do livro é que no Brasil a riqueza é expressa através de bens de consumo, as “coisas de rico” do título. Mais que dinheiro no banco, relógios, perfumes, bolsas de grife e automóveis são os fatores distintivos. 

Apesar das cenas espirituosas, Coisa de Rico perde fôlego na segunda metade. Encerrada a narrativa da infiltração, o texto se fragmenta em descrições soltas e citações de clássicos da sociologia e antropologia, sem grande aprofundamento. 

Os dados de mercado tampouco acrescentam: são muitos – talvez demais –, mas não dizem quase nada além dos pontos que o autor quer legitimar. As próprias teses carecem de densidade.

Alcoforado parece se preocupar mais com o que faz alguém se sentir rico no Brasil do que com o que de fato faz alguém rico, e o texto acaba soando mais como um conjunto de “causos” do que o fruto de uma reflexão produzida depois de quinze anos de pesquisa.

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O mesmo pode ser dito sobre a tese que dá nome ao livro. Ao longo de toda a história, a riqueza – o que se pode constatar pelo esplendor das tumbas egípcias, por exemplo – foi expressa por meio de objetos materiais, e o Brasil não é exceção. 

Essa busca por legitimação através da materialidade – em especial por meio de objetos luxuosos e ostentatórios – é uma característica das fortunas emergentes nas mais diversas culturas, diferente do “dinheiro velho”, que se distingue pelo refinamento. Aqui o autor não aponta nenhuma novidade. 

Em uma das cenas, por exemplo, o autor diz que “[os novos ricos] enfrentam uma intensa maratona de trocas de endereço de modo que consigam encontrar um lugar capaz de abrigar suas novas identidades”, e aproveita para esclarecer a um grupo de emergentes que Warren Buffett, com uma fortuna de 162 bilhões de dólares, continuou morando na mesma casa em Omaha. A escolha de Buffett é profundamente infeliz, pois o bilionário americano é famoso justamente por sua austeridade atípica. O livro está repleto de exemplos como esse.

Vale o hype?

Michel AlcoforadoMichel Alcoforado

De modo geral, o texto é divertido e entretém até certo ponto – a primeira metade –, mas depois perde o impulso e a coesão narrativa. Além disso, o tom de coluna social, a profundidade das análises que não ultrapassam o lugar-comum, os vieses e cacoetes do autor se mostram enfadonhos. Seria difícil imaginar uma releitura do livro.

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Coisa de Rico, no fim, reafirma as teses que critica: o fetiche do luxo e a superficialidade como estilo.

*O texto reflete somente as opiniões do autor.

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