Ela começa com sinais sutis: febre alta, cansaço extremo, confusão mental. À primeira vista, pode parecer apenas uma gripe forte ou uma infecção comum. No entanto, a evolução pode ser devastadora. A sepse, também conhecida como infecção generalizada, é uma emergência médica que exige ação imediata. Apesar de grave e potencialmente fatal, ainda é pouco conhecida pela população, e essa falta de informação é um dos maiores inimigos na luta pela vida.
Marcelo Cordeiro, infectologista do Sabin Diagnóstico e Saúde, explica que a sepse é uma resposta exagerada do organismo a uma infecção, capaz de provocar lesões em um ou mais órgãos, como rins, pulmões, coração e até cérebro. “Sem tratamento adequado e rápido, o quadro pode evoluir para um choque séptico, que, frequentemente, leva à morte”, alerta o especialista.
Mas, afinal, como ela acontece? A sepse se instala quando uma infecção, causada por bactérias, vírus ou fungos, desencadeia uma reação inflamatória descontrolada no corpo. Pneumonias, infecções urinárias ou até feridas de pele aparentemente inofensivas podem servir de porta de entrada. Essa inflamação generalizada se espalha pela corrente sanguínea e passa a comprometer o funcionamento de múltiplos órgãos.
Nos casos mais graves, a pressão arterial despenca, o fluxo sanguíneo se torna insuficiente e os órgãos sofrem danos severos, levando ao choque séptico, estágio em que o risco de morte é ainda maior. O tempo, nesse cenário, é um fator determinante. “Cada hora de atraso na administração do antibiótico e no suporte hemodinâmico aumenta a mortalidade. Por isso, reconhecer os sinais precocemente pode salvar uma vida”, reforça Marcelo.
A boa notícia é que a prevenção é possível. Segundo o infectologista, manter o cartão de vacinas em dia e tratar prontamente qualquer infecção, mesmo aquelas que parecem simples, como de pele, dente ou trato urinário, são medidas essenciais para reduzir o risco. A atenção aos sinais do corpo e a busca rápida por atendimento médico diante de febre persistente, calafrios, fraqueza ou confusão mental podem fazer toda a diferença entre a recuperação e a complicação.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
Sintomas e sinais de alerta
Principais infecções que podem evoluir para sepse
-
Pneumonia
-
Infecção urinária
-
infecções de abdome (vesícula, apendicite)
-
pele/tecidos moles
-
Infecções de cateter ou pós-cirúrgicas
O que a inflamação pode causar
-
Vasodilatação: os vasos sanguíneos se dilatam, o que diminui a pressão arterial e compromete o fluxo sanguíneo para os órgãos.
-
Coagulação: pequenos coágulos de sangue podem se formar nos vasos dos órgãos, prejudicando ainda mais o suprimento de oxigênio e nutrientes.
-
Disfunção orgânica: a combinação de inflamação, fluxo sanguíneo reduzido e falta de oxigênio pode levar à parada da função de um ou mais órgãos (como coração, rins ou pulmões).
-
Choque séptico: em casos graves, a pressão arterial cai drasticamente e os órgãos sofrem danos severos, levando ao choque séptico, uma condição perigosa que pode ser fatal.
Grupos de risco
-
Idosos e crianças pequenas
-
Pessoas com doenças crônicas (diabetes, cardiopatias, doença renal)
-
Imunossuprimidos (câncer, HIV, uso de corticoide/imunossupressor, pós-transplante)
-
Gestantes, puérperas e pessoas em pós-operatório
-
Portadores de dispositivos médicos ou que possuem alguma porta de entrada, como cateteres ou feridas
Como prevenir
-
Higiene: lave as mãos frequentemente com água e sabão ou álcool em gel, e cuide da higiene de feridas e lesões para evitar que se transformem em focos de infecção.
-
Vacinação: mantenha seu calendário de vacinação atualizado para se proteger contra doenças que podem levar à sepse, como infecções respiratórias e outras
-
Tratamento de infecções: busque atendimento médico para tratar infecções assim que elas aparecerem e siga as orientações médicas para evitar complicações. Não se automedique, especialmente com antibióticos.
-
Controle de doenças crônicas: mantenha condições como diabetes e doenças pulmonares sob controle, pois elas podem aumentar o risco de desenvolver infecções graves.
-
Atenção aos sinais: fique atento a sintomas como febre, calafrios, confusão mental, falta de ar e baixa pressão arterial.
Palavra do especialista
Como é feito o tratamento de um paciente com sepse?
É uma verdadeira corrida contra o tempo. Assim que o diagnóstico é suspeitado, o paciente deve receber antibióticos de amplo espectro o mais cedo possível, pois cada hora de atraso pode aumentar significativamente o risco de morte. Além disso, são adotadas medidas de suporte à vida, como reposição de líquidos na veia para estabilizar a pressão arterial e garantir a perfusão dos órgãos. Em muitos casos, é necessário identificar e controlar o foco da infecção, o que pode envolver drenar abscessos, remover ou trocar cateteres contaminados ou até realizar cirurgias para eliminar o agente causador. Pacientes graves podem precisar de ventilação mecânica, suporte renal (hemodiálise) e monitoramento intensivo em unidades de terapia intensiva (UTI). O tratamento é individualizado e exige uma equipe multidisciplinar atuando de forma integrada e rápida para evitar o agravamento do quadro.
Por que a sepse, muitas vezes, é confundida com outras condições clínicas?
A sepse é traiçoeira justamente porque seus sintomas iniciais são inespecíficos, como febre, mal-estar, cansaço, taquicardia, confusão mental ou falta de ar. Esses sinais podem facilmente ser atribuídos a doenças comuns, como uma gripe forte, desidratação ou crise de uma condição crônica. Quando a sepse já está instalada em seu quadro mais específico, realmente fica mais fácil identificá-la, mas, nesse estágio, as chances de sobrevivência já diminuem bastante. Por isso, o reconhecimento precoce é fundamental. Alguns sinais de alerta que merecem atenção incluem alterações na pressão arterial, redução na produção de urina (diurese), confusão mental, frequência respiratória aumentada, febre persistente, palidez intensa ou, em alguns casos, manchas avermelhadas na pele (rash cutâneo). Esses sintomas indicam que o corpo está reagindo de forma intensa à infecção, podendo evoluir rapidamente para um quadro grave. Diante de qualquer suspeita, o atendimento deve ser o mais rápido possível, seguindo os protocolos atuais de tratamento da sepse.
A população em geral conhece pouco sobre a sepse. Como melhorar a conscientização sobre esse problema?
O caminho passa, sobretudo, pela educação, tanto da população quanto dos profissionais de saúde. Assim como em outras doenças, o conhecimento sobre a sepse vem de um processo educativo e de uma ampla divulgação sobre seus riscos e formas de prevenção. Grande parte dos casos ocorre no ambiente hospitalar, muitas vezes associada à falta de cuidado, à desatenção com os extremos da vida (crianças e idosos) ou com pacientes que apresentam comorbidades, ou seja, outras doenças graves que comprometem o organismo. É importante lembrar que a sepse é sorrateira e pode evoluir de forma muito rápida, em questão de horas, para um quadro grave. Por isso, tanto a população quanto os profissionais da saúde precisam estar atentos aos sinais e sintomas.
*Charles Schmidt é infectologista pediátrico e gerente médico do centro de pesquisas clínicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas — Fundação da Faculdade de Medicina USP
Brasiliense, moradora do Guará, estudante de Jornalismo no sétimo semestre, pela Universidade do Distrito Federal. Atuando como estagiária na Revista do Correio.