Como vê a economia portuguesa?
Todos os indicadores de conjuntura são favoráveis, os lucros das empresas cresceram muito ao longo dos últimos anos e, hoje em dia, as empresas estão muito mais capitalizadas, com maior capacidade de investimento e também são mais rentáveis. A concessão de crédito bancário à economia está a crescer em todos os segmentos que são relevantes. Os sinais são claros de crescimento económico e que se vão manter no futuro próximo, acima da média da zona euro, em redor de 2%. Quando a zona euro estiver um pouco mais forte podemos perfeitamente crescer à volta dos 3%, o que, de alguma forma, contrasta com uma certa paralisia económica que houve na primeira década deste século.
Um crescimento de 3% já é um valor mais simpático…
É um crescimento certamente mais forte do que foi até aqui a média ao longo dos últimos anos. Evidentemente que face ao custo de vida, que aumentou muito nos últimos anos, e também à imigração é preciso intensificar ainda mais esse crescimento para que ao crescimento macroeconómico se junte a realidade de uma vida com mais qualidade para as pessoas.
Qual é a justificação de estarmos a crescer mais do que as restantes economias da zona euro?
Tivemos uma grande crise entre 2010 e 2013 e as crises são sempre momentos regenerativos. Na sequência dessa crise houve um conjunto de reformas institucionais que foram implementadas em Portugal. Houve também a necessidade da própria economia se reorientar para atividades que pudessem ser transacionadas no mercado internacional, tendo havido uma grande internacionalização da economia portuguesa nesse período, não só no mercado de exportação de bens, mas também na captação de turismo que até aí não eram características em Portugal. O próprio mundo acabou por descobrir muitas virtudes da economia portuguesa e do país Portugal, que nos tornaram um destino relativamente popular em termos europeus e isso obviamente fez com que depois surgissem novas oportunidades para o investimento. Penso que nessa crise de 2010-2013 está necessariamente a semente do crescimento que temos visto ao longo dos últimos 15 anos e que tem permitido a Portugal ter uma nova posição no mundo, uma posição mais central no plano europeu, no sentido de as empresas olharem para Portugal como uma base de expansão para novos mercados, não só na Europa mas em outros continentes, com os quais Portugal sempre manteve boas relações. Portugal tornou-se num país mais apelativo e isso traduziu-se em taxas de crescimento mais intensas.
Como vê as vozes críticas a apontarem para um excesso de dependência da economia face ao turismo?
O turismo tem sido uma grande alavanca de crescimento da economia portuguesa e associadas ao turismo surgem depois outras oportunidades. Hoje em dia vemos certamente muitos negócios que terão sido suscitados pela boa experiência que algumas das pessoas responsáveis por negócios tiveram ao visitar Portugal na qualidade de turistas e que depois viram Portugal como uma boa base para fazer algo mais do que o turismo. Não alinho nada nessa tese do turismo como um mal estrutural, claro que cria alguns desafios, cria a necessidade de diversificar o próprio turismo e cria naturalmente alguma pressão imobiliária, no sentido de que muito do alojamento local veio substituir o tradicional, mas isso também permitiu regenerar algumas zonas das cidades, nomeadamente Porto e Lisboa, que estavam muito envelhecidas. No entanto, os preços da habitação que muitos associam ao impacto do turismo tem outras justificações, nomeadamente a falta de investimento em construção que tem existido em Portugal ao longo dos últimos 20 anos.
O PRR nessa matéria foi uma oportunidade perdida?
Vão existir oportunidades no mercado da construção durante muitos anos. Aquilo que os dados nos indicam é que em termos de licenças emitidas e em termos de fogos para habitação familiar construídos temos estado muito abaixo nos últimos anos face ao que já fizemos em décadas passadas. É necessário construir mais. Evidentemente que hoje em dia executar um projeto imobiliário é mais complexo porque há uma série de regulações, uma série de procedimentos que têm de ser cumpridos e aí o que Portugal tem de fazer é descomplexificar todo o sistema de maneira a permitir construir mais. E refiro-me a construir em sentido lato, não apenas na construção, mas construir novas oportunidades de desenvolvimento económico para que a vida em sociedade seja feita com menos fricção e que todos possamos usufruir mais dos benefícios que o desenvolvimento económico nos traz.
O Governo anunciou uma série de medidas para o mercado da habitação, mas a mais polémica foi a ‘renda moderada’ de 2.300 euros…
A expressão ‘renda moderada’ é infeliz porque, se olharmos para os salários dos portugueses, uma renda de 2.300 euros não é uma renda moderada, é uma renda relativamente alta. Mas, independentemente da semântica, o que é efetivo é que hoje em dia é preciso estimular a construção e também é preciso estimular que os imóveis que hoje em dia estão fora do mercado possam regressar ou possam entrar no mercado. Por isso, programas que procuram baixar a fiscalidade, reduzir entraves administrativos no sentido de que possa haver mais imóveis no mercado de habitação são todos bem-vindos. Evidentemente que depois no jogo político pode-se argumentar que em vez de ser 2.300 poderia ser um valor mais baixo ou em vez de 2.300 não deveria haver limite algum.
Na última entrevista que nos deu disse que se reduzissemos a taxa de IRS haveria no imediato um aumento dos salários. Continua a haver resistência em levar a cabo essa redução?
Portugal teve durante muito tempo uma situação orçamental muito complexa, marcada por grandes défices e, como tal, reduções súbitas de receita fiscal eram arriscadas. Neste momento, a situação orçamental portuguesa está estabilizada, Portugal tem tido saldos orçamentais positivos, tem tido saldos primários, ou seja, antes do pagamento de juros, bastante significativos, na casa dos 3% do PIB, o que é, de facto, um valor muito relevante. Neste momento, fruto dessa otimização das contas públicas já há a possibilidade de operar uma redução da carga fiscal. Apesar de ainda ser ténue, há uma tendência de redução da carga fiscal que já vem de 2023 e que é importante manter para, precisamente, reduzir a desvantagem que Portugal tem, nomeadamente em sede de IRS e também em sede de IRC, face a outros países, onde as taxas de imposto sobre as pessoas são mais baixas, são menos progressivas e onde as taxas de imposto sobre as empresas também são mais baixas, não penalizando empresas de maior dimensão e com maiores lucros. Em Portugal, o IRC penaliza e desincentiva a dimensão empresarial e a dimensão dos lucros, porque, a partir de certo montante de lucros, temos taxas de IRC progressivas, são as chamadas derramas estaduais. Um nível de fiscalidade excessivo face aos concorrentes com quem nos comparamos. Em suma, mantenho a mesma posição que tinha há dois anos. Acho que faz sentido aliviar os portugueses da carga fiscal que temos em Portugal.
O Governo tem optado por avançar com as tais borlas fiscais.
Já sabemos que no cálculo político há sempre outras variáveis que acabam por moldar as medidas, mas o que é importante é haver uma redução da carga fiscal. O Governo implementou uma medida que me parece muito relevante, que foi permitir uma atualização dos escalões de IRS, porque aquilo que acontecia é que pelo simples aumento de salários, associado ao efeito de inflação, frequentemente a taxa de IRS ficava agravada. Hoje em dia, há um aumento dos escalões de IRS para garantir que, por fatores que não exclusivamente de inflação, as pessoas possam entrar num nível de fiscalidade mais elevado.
Os últimos dados da DGO apontam para uma subida da carga fiscal na ordem dos 8%.
Depende de que tipo de carga fiscal estamos a falar. Se estamos a falar nos impostos sobre rendimento, apesar de tudo, tem havido alguma moderação na carga fiscal. Se estamos a falar nos impostos sobre consumo, aí temos, de facto, uma grande elasticidade fiscal, na medida em que, desde há muito tempo para cá, as receitas tendem a crescer mais do que o PIB nominal. E isso deve-se, certamente, à eficiência da máquina administrativa que gera a cobrança fiscal.
O que espera do próximo Orçamento do Estado?
Penso que não haverá grandes surpresas. Há, neste momento, como já disse, uma situação estabilizada em termos de contas públicas. Há também, do ponto de vista societal, uma grande unanimidade, no sentido de que ter contas públicas equilibradas é um ativo do país.
É a tal moda das contas certas?
Exatamente, e basta ver o que se está a passar neste momento em França, em que há uma situação de grande descontrolo orçamental e que irá penalizar nos próximos anos. Portugal, nesse aspeto, acho que aprendeu a sua lição. Tem hoje um quadro institucional onde se incluem organizações como o Conselho de Finanças Públicas que se dedicam a manter o zelo nessa matéria. E face a essa mesma estabilidade há a possibilidade de haver algum desagravamento fiscal. No entanto, não pode haver muito e também é preciso conter alguma tentação do crescimento da despesa pública. Em 2024 já se sentiu algum crescimento da despesa pública e é importante moderar para não entrarmos em desvios.
Não haverá esta tendência de entrar em desvios, nem que seja por motivos eleitoralistas?
Sim, infelizmente a política é muito sensível aos grupos de interesses e aos lóbis institucionais, e todos sabemos que em Portugal, a exemplo de outros países, existem esses lóbis institucionais. O desafio está, mais uma vez, em resguardar o Estado de um papel de grande intervenção na escolha de setores económicos a promover ou a promover mais proporcionalmente do que outros, sem ter uma base material para o fazer. O que quero dizer com isto? Olhando para as estatísticas do comércio internacional ou para as estatísticas do investimento sabemos perfeitamente que há um conjunto de setores que levam o vento pelas costas. E que setores são esses? O setor farmacêutico tem sido um setor fantástico em Portugal nos últimos 10 anos, o setor alimentar, o setor da construção que, precisando de ser mais dinamizado, já não é o patinho feio que foi até certa altura, e tudo o que diz respeito a telecomunicações e a TIC em geral. São setores que têm crescido, onde as margens de lucro têm aumentado, onde a capacidade de penetrar mercados internacionais é cada vez maior. Depois, há outros setores, alguns daqueles ditos tradicionais, onde os dificuldades são maiores e onde há necessidade de reajustamento das próprias empresas, com novos modelos de negócios para fazer face à concorrência internacional. Se em termos de orientação política formos capazes de evitar que lóbis de setores que estão com dificuldades dominem a agenda de política económica e ao invés soubermos reconhecer que há um conjunto de setores que estão muito bem e que podem ser alavancados ainda mais, então aí acredito que teremos uma política económica razoavelmente equilibrada, para que alguns dos apoios que podem ser operacionalizáveis tenham um efeito prático e efetivo de alavancar a economia portuguesa e não simplesmente de amortecer eventuais choques.
Mas corremos o risco de em 2026 vivermos em duodécimos?
Não creio que esse risco esteja em cima da mesa. Acho que haverá um acordo. Agora, será um acordo com graus de liberdade relativamente diminutos face à tendência que tem existido nos últimos anos e que se vai manter, ou seja, com uma certa contenção da despesa pública e também com uma certa contenção da carga fiscal, podendo haver no imediato um desagravamento de alguma carga fiscal.
E em relação ao IRC, não se prevê uma descida além do previsto.
A medida mais relevante no caso do IRC seria acabar com as derramas estaduais, precisamente para eliminar a tal progressividade fiscal que existe hoje e que penaliza as empresas que têm maiores lucros, que, por sua vez, são também aquelas que têm maior capacidade de reinvestir, que contribuem para um emprego mais qualificado e que praticam salários mais elevados, ou seja, aspetos positivos que a fiscalidade presente desincentiva. Ao invés, a redução de 1 ou 2 pontos percentuais na taxa geral do IRC são medidas mais incrementais e de menor impacto.
Quanto à TAP, concorda com a venda de 49,9% ou acha que devia ter ido mais além?
O modelo que está em cima da mesa vai determinar uma grande presença do Estado na definição da estratégia e que depois, obviamente, vai ter impacto na operação que a TAP tem ou pode vir a ter. Agora, também é verdade que neste momento tudo se encaminha para que, face ao caderno de encargos que o Governo publicou, a TAP seja adquirida em parte por um grupo de aviação com outro historial e com outra envergadura. Não é a solução a que se chegou há uns anos e, desse ponto de vista, quando nos juntamos com os melhores da indústria há sempre vantagens a colher. No limite, admito que seja um passo transitório para que um dia se possa discutir uma privatização maior.
Não partilha a ideia daqueles que defendem que a TAP seja uma empresa de bandeira?
Não, penso que é um modelo caduco e que já não é praticado no resto do mundo. Mesmo na pandemia, quando os Estados entraram para auxiliar financeiramente as companhias, na maior parte dos casos rapidamente saíram. É um paradigma que não tem qualquer vantagem face a uma TAP que deve ser avaliada pelas suas proezas operacionais e pela sua capacidade de gerar rentabilidade financeira, em vez de ser (não gosto da expressão) sorvedouro, exigindo a intervenção dos contribuintes.
E como vê que potenciais candidatos, como a Lufthansa, anunciarem despedimento de quatro mil pessoas até 2030?
Com a incerteza que recai sobre a economia internacional admito que há negócios que são mais suscetíveis a essa mesma incerteza, e a aviação pode ser um deles. É natural que as empresas possam perspetivar uma redução da sua atividade e que tenham de fazer os ajustamentos necessários. Além disso, há outros setores, como o da energia e dos petróleos, que têm vindo a anunciar planos de redução de estrutura, precisamente porque os preços estão mais baixos e isso, no imediato, desfavorece grandes planos. Ora, o importante é que essas empresas estejam cá hoje, amanhã e depois e, se esses ajustes de curto e médio prazo servirem para sustentar uma situação financeira mais equilibrada a médio e longo prazo e beneficiem não só a sobrevivência, mas também a sua capacidade de gerar valor, então não vejo com maus olhos. Pelo contrário, vejo com muitos bons olhos, porque é assim que a economia funciona.
Por falar em incertezas, Lagarde já veio admitir que afinal o impacto das tarifas norte-americanas ficaram aquém do que estava previsto.
Penso que, em primeiro lugar, está a defender o acordo comercial que procurou gizar com os Estados Unidos. Em segundo lugar, está, de alguma forma, a apelar à tal resiliência económica da Europa que vai ocorrer. Porquê? Porque a grande consequência que a nova forma da Organização de Comércio Internacional está a produzir é que a Europa vai depender mais de si própria. O comércio externo dos Estados-membros da União Europeia com os outros Estados-membros vai intensificar-se. Isso já se está a ver no caso de Portugal. Entre janeiro e julho deste ano, vemos que houve um intensificar das relações comerciais com a União Europeia. Ao invés, houve uma redução da nossa relação comercial com os Estados Unidos, com as Américas em geral e também com África.
Podia ter sido feito outro acordo?
A política norte-americana, nomeadamente a sua política externa, está num momento de afastamento de todo o mundo. Infelizmente, todos os exemplos que vamos vendo no dia-a-dia, do ponto de vista da liderança política na América, mostram que há um profundo desrespeito pela ordem internacional que vigorou nas últimas décadas. Há um profundo desrespeito pelas instituições, pelas regras do jogo. Esta é uma nova América, na qual não me revejo, e que pelo impulso político desta Administração vai fazer com que os Estados Unidos se desliguem de várias partes do mundo e passem a olhar para a evolução económica de uma forma muito mais egoísta.
Perante uma Europa adormecida, como diz Mario Draghi.
A Europa tem de tornar a atividade económica mais dinâmica. Obviamente que isto é mais fácil dito do que feito. A verdade é que a Europa, ao longo dos últimos anos, tem sido campeã na introdução de muitas regulações que, depois, por uma razão ou por outra, ou se tornam demasiado onerosas ou tornam-se impraticáveis.