Na sede de campanha de Maria das Dores Meira tinha-se vista desafogada para a Câmara de Setúbal: literal e metaforicamente, já que foi na Praça do Bocage, a meia centena de metros dos Paços do Concelho, que a candidata independente celebrou o regresso à presidência, retirando ao seus antigos camaradas da CDU uma autarquia que governavam há 24 anos.

A vitória de Dores Meira não significa apenas uma derrota histórica dos comunistas, que perdem uma das duas capitais de distrito que ainda governavam, mas a primeira vitória de sempre do PSD e do CDS em Setúbal. Ambos os partidos apoiaram a candidata, que, no entanto, nunca exibiu as suas cores ou os seus símbolos — e figuras reconhecíveis de sociais-democratas e centristas foi coisa que não se viu nesta noite eleitoral.

A festa estava preparada com três leitões, um porco no espeto, frangos assados e doces para todos os gostos. Mas as primeiras projecções vieram amargar um pouco a boca aos apoiantes de Meira, que desde cedo se concentravam no local. A vitória parecia certa, mas com o PS a uma distância muito mais curta do que a caravana esperava, e ainda com possibilidade de ganhar.

No final, Dores Meira reconquistou mesmo a câmara municipal, mas por uma unha negra – os socialistas terão ficado a meia centena de votos da vitória. Além disso, Meira não conseguiu a presidência de nenhuma das cinco juntas de freguesia e, até à hora da última actualização deste texto, o cenário era ainda muito incerto na assembleia municipal.

“Setubalenses e azeitonenses, Setúbal está e volta”, disse Dores Meira quando finalmente chegou à sua sede, já perto da uma da manhã. Num curto discurso, a futura presidente da Câmara de Setúbal disse que esta eleição marca o início de “um novo ciclo, uma nova era de democracia” na cidade, em que haverá “uma governação sem amarras ideológicas”. Ainda assim, Dores Meira prometeu trabalhar “com todos” e até fez questão de repetir as palavras: “Com todos”.

Logo a seguir a esta garantia, Meira não esqueceu os adversários – sem os nomear – para os acusar de “cobardia” na campanha. A agora autarca referia-se às suspeitas de mau uso dos dinheiros públicos quando era presidente da mesma câmara que acaba de reconquistar: “Fomos alvos de calúnias, ameaças, perfis falsos e muita, muita desinformação. O cerco foi longo, mas aqui estamos prontos a governar.”

O que pareceu certo desde o princípio da noite foi a derrota da CDU, cujo cabeça de lista, André Martins — que chegou a ser vice-presidente de Dores Meira —, assumiu o mau resultado ainda antes das 22h. A coligação entre comunistas e ecologistas passa de primeira para quarta força política na Câmara de Setúbal, onde o Chega é agora a terceira força.

António Cachaço, que substituiu Lina Lopes na corrida autárquica, não consegue repetir o feito alcançado pelo Chega nas legislativas de Maio — vitória no distrito e no concelho de Setúbal —, mas melhora muito o resultado do partido face às autárquicas de 2021 e, consoante o número de vereadores que eleger, pode tornar-se incontornável na governação municipal.