Historiador Matthew Restall analisa as múltiplas faces e legados do explorador italiano

Cristóvão Colombo é, há séculos, uma das figuras mais debatidas da história mundial. Herói para uns, vilão para outros, o navegador genovês continua a dividir opiniões. No novo livro “The Nine Lives of Christopher Columbus”, o historiador Matthew Restall propõe-se a compreender precisamente isso: como é que um único homem deu origem a tantas versões de si próprio.

Publicado pela editora W.W. Norton & Company, o livro traça a vida e as “muitas pós-vidas” de Colombo — isto é, a forma como foi visto, reinterpretado e reinventado ao longo de mais de cinco séculos. Restall, professor Edwin Erle Sparks de História da América Latina Colonial, Antropologia e Estudos de Género na Universidade Estatal da Pensilvânia, confessa que nunca tinha considerado escrever um livro sobre Colombo.

“Parecia-me um tema ultrapassado, pouco atual”, admite. “Mas uma viagem a Espanha mudou isso.”

Durante uma visita à Galiza, Restall deparou-se com uma versão curiosa da história: moradores locais garantiram-lhe que Colombo não era genovês, mas sim um nobre galego que teria fingido a própria morte em 1492 e mudado de nome. Intrigado com a força dessa crença popular, o historiador decidiu investigar até que ponto essa e outras versões moldaram a figura de Colombo no imaginário coletivo. Assim nasceu a ideia das “nove vidas”.

Do homem comum ao mito nacional

A primeira parte do livro é uma biografia tradicional, que segue o percurso de Colombo desde as origens humildes em Génova até à ascensão social que conseguiu graças às expedições financiadas pela Coroa de Castela. Restall descreve-o como “extraordinariamente egocêntrico e narcisista”, mas reconhece-lhe uma tenacidade notável.

“Nos Estados Unidos, essa persistência foi vista como uma virtude. Ele não desistia porque o seu ego estava totalmente ligado ao sonho de ascender socialmente — e conseguiu fazê-lo”, explica o autor.

A segunda parte da obra mergulha na transformação de Colombo em símbolo. Após a independência dos Estados Unidos, o navegador foi elevado ao estatuto de herói nacional, comparável a George Washington. “Washington e Colombo tornaram-se quase figuras equivalentes”, observa Restall. “Basta pensar no nome da capital: Washington, no Distrito de Colúmbia.”

O auge dessa veneração ocorreu em 1892, durante as comemorações do quarto centenário da viagem de 1492 — o mesmo período em que o Pledge of Allegiance (juramento de lealdade à bandeira) começou a ser recitado nas escolas. Coincidiu também com a chegada em massa de imigrantes italianos aos Estados Unidos, que encontraram em Colombo um símbolo de orgulho étnico e integração cultural.

“Ao perceberem que o país via Colombo como um herói patriótico, os italo-americanos adotaram-no como figura identitária. Criaram o seu próprio Colombo”, explica Restall.

De herói a vilão

Mas o mito começou a mudar no final do século XX. O quinto centenário da viagem, em 1992, marcou um ponto de viragem: muitos passaram a ver Colombo como responsável pelo início da colonização, da escravatura e da devastação das populações indígenas. Cada vez mais cidades — incluindo a própria Penn State — optaram por substituir o Dia de Colombo pelo Dia dos Povos Indígenas.

“Para uma geração mais jovem, Colombo representa o opressor. Para muitos italo-americanos, porém, ele simboliza a luta pela aceitação num país que inicialmente os discriminou”, resume Restall. “São dois Columbos diferentes.”

Entre a controvérsia e o consenso

Perante debates tão acesos, o autor defende uma posição conciliadora.

“Não vejo porque não possam coexistir o Dia de Colombo e o Dia dos Povos Indígenas”, afirma. “Deve caber a cada comunidade decidir. O importante é perceber que estamos a falar de figuras distintas, moldadas por experiências e narrativas diferentes.”

Com “The Nine Lives of Christopher Columbus”, Matthew Restall propõe, assim, uma reflexão crítica sobre o poder da memória histórica — e sobre como um homem do século XV continua, meio milénio depois, a dividir o mundo em torno do seu nome.