O mundo ultrapassou o primeiro de vários “pontos de não retorno”, avisam especialistas, com consequências potencialmente catastróficas para a humanidade e para a natureza, caso não haja uma ação urgente.
O alerta é feito no segundo Relatório Global Tipping Points (Pontos de Não Retorno), que será lançado na próxima semana pela WWF Internacional, em parceria com a Universidade de Exeter e outros parceiros científicos internacionais, antecedendo a Cimeira COP30, no Brasil.
Este novo relatório, diz a organização ambientalista, revela que os recifes de coral de águas quentes – dos quais dependem quase mil milhões de pessoas e cerca de um quarto da vida marinha – estão já a sofrer uma mortalidade generalizada, sinal de que o primeiro ponto de não retorno climático foi atingido. Mesmo que o aquecimento global seja estabilizado nos 1,5°C, é praticamente certo que os recifes ultrapassem o seu limite térmico, levando à perda de recifes em larga escala, a menos que a temperatura global regresse para cerca de 1°C.
“Pequenas áreas de recifes poderão sobreviver e devem ser protegidas com medidas de conservação urgentes”, defende a WWF.
O relatório alerta ainda para a iminência de outros pontos de não retorno: o colapso da Floresta Amazónica, onde irá realizar-se a COP30, o degelo irreversível das calotas polares e a desestabilização da Circulação Meridional de Reviravolta do Atlântico (AMOC), uma corrente oceânica vital para o clima global.
Explica a WWF que o colapso da AMOC poderá ocorrer com menos de 2°C de aquecimento e terá como consequências invernos mais rigorosos no noroeste da Europa, perturbações na época de monções da África Ocidental e da Índia, e quebras significativas nos rendimentos agrícolas em várias regiões do mundo, colocando em risco a segurança alimentar global.
A publicação deste relatório surge num momento crítico, com os ministros reunidos nas vésperas da Cimeira da COP30, no Brasil, salienta a organização. O documento, elaborado por 160 cientistas de 87 instituições em 23 países, defende que os países devem agir imediatamente para minimizar a ultrapassagem do limite de 1,5°C, uma vez que cada fração de grau e cada ano passado acima desse valor aumentam significativamente o risco de atravessar pontos de não retorno nos sistemas naturais.
Para contrariar este cenário, os autores do relatório defendem a necessidade de desencadear “pontos de viragem positivos” – como a rápida adoção de tecnologias limpas e soluções baseadas na natureza.
Estes processos já estão em curso em áreas como as energias solar e eólica, a adoção de veículos elétricos, o armazenamento em baterias e o uso de bombas de calor, especialmente em mercados-chave. Mudanças no consumo e na produção podem também desencadear pontos de viragem positivos em setores como a alimentação, contribuindo para travar a desflorestação e restaurar ecossistemas.
“A preocupação com as alterações climáticas está a crescer globalmente – e mesmo um número reduzido de pessoas pode levar a maioria a mudar”, declara a WWF.
“Governos, empresas, sociedade civil e indivíduos têm todos um papel a desempenhar. As pessoas compreendem a necessidade de mudança e apoiam a transição para um mundo mais limpo e saudável, desde que essa transição seja justa.”
Alice Fonseca, Climate & Policy Officer da WWF Portugal, avança que “o que este relatório nos diz é que já começámos a ultrapassar os pontos de não retorno da natureza e do clima”.
“O tempo para agir está realmente a esgotar-se, mas ainda podemos conter os danos. Para isso, é necessária uma ação imediata e decisiva por parte dos líderes mundiais na COP30 – para proteger os direitos das pessoas em todo o mundo, já que as metas atuais e contributos de cada país não são suficientes. Mas também é preciso alavancar pontos de viragem positivos. Restaurar a natureza é uma das formas mais poderosas de o fazer, sendo essencial para criar resiliência, remover carbono da atmosfera e apoiar a subsistência das comunidades. Precisamos de acelerar esta e outras transformações com ações coordenadas entre governos, empresas e sociedade civil”, aponta a especialista.
O relatório destaca ainda que os pontos de não retorno representam uma ameaça distinta das restantes crises ambientais, exigindo uma resposta mais ágil e inovadora por parte das instituições. Diz a WWF que as políticas atuais não estão preparadas para lidar com fenómenos abruptos e irreversíveis, pelo que é necessário agir com urgência, apoiando a transformação social e desencadeando “pontos de viragem positivos”, como a adoção em massa de tecnologias verdes.