Psicodélicos na saúde mental, evidências atuais

Apesar dos avanços da psicofarmacologia, muitos pacientes ainda não encontram alívio completo com os tratamentos convencionais. O estudo STAR*D, o maior já realizado sobre depressão maior, mostrou que cerca de 25% alcançam remissão com o primeiro antidepressivo, e aproximadamente 30% não respondem a nenhuma medicação mesmo após múltiplas tentativas.

Esses dados expõem um limite do modelo biomédico, o sofrimento humano não se reduz a desequilíbrios neuroquímicos. A ciência contemporânea reconhece, cada vez mais, a importância da espiritualidade para a saúde mental. Pesquisas de Harold Koenig e da Organização Mundial da Saúde indicam associação entre vivência espiritual e menores índices de depressão, ansiedade e suicídio, além de maior bem-estar, resiliência e sentido de vida.

Vivemos, porém, um tempo em que a busca de sentido muitas vezes se confunde com a de estímulos externos, comida, álcool, redes sociais, relações, tentativas de preencher um vazio que é da alma. A verdadeira busca é para dentro. Na jornada interior encontramos o que nutre, o centro, o eixo, o sagrado que habita em nós.

Nesse contexto, os psicodélicos, ou enteógenos, ressurgem como possíveis ferramentas terapêuticas. O termo vem do grego entheos genesthai, despertar o deus dentro. Substâncias como psilocibina, ayahuasca e MDMA, em contextos clínicos seguros, têm mostrado efeitos antidepressivos e ansiolíticos, além de favorecer experiências de transcendência e reconexão consigo mesmo e com o sagrado.

No Brasil, esses tratamentos não são regulamentados pela Anvisa e permanecem restritos a contextos religiosos ou de pesquisa. Em outros países há caminhos regulatórios em implantação ou já estabelecidos, com protocolos supervisionados, como na Austrália, com prescrição de psilocibina e MDMA por psiquiatras em indicações específicas, no Canadá, com acesso por programas especiais em casos selecionados, na Nova Zelândia e na Suíça, com aprovações sob supervisão médica, e nos Estados Unidos, em modelos estaduais como os de Oregon e Colorado para uso terapêutico em ambientes controlados.

Mais do que alterar percepções, os enteógenos ampliam a consciência, e estudos clínicos e qualitativos apontam que podem ajudar o indivíduo a reencontrar propósito, pertencimento e sentido. Em uma perspectiva junguiana, falamos do numinoso, a dimensão do mistério, do fascínio e da reverência que algumas pessoas relatam como conexão com algo maior, trata-se de uma interpretação teórica e de experiências individuais, não de uma posição institucional do veículo.

O desafio da psiquiatria contemporânea talvez seja integrar química e espírito, ciência e mito, razão e sagrado. Cuidar não é apenas silenciar sintomas, é reconciliar o ser com o sentido da vida, abrir espaço para transformação, autoconhecimento e plenitude interior.

Francine Nunes Ferreira é médica psiquiatra, CRM 148.090, formada pela Faculdade de Medicina do ABC, com residência em Psiquiatria pela EPM-UNIFESP e título de especialista pela Universidade Federal de São Paulo. Atua como médica colaboradora no ambulatório de Transtorno de Personalidade Borderline do PROVE da UNIFESP, dedicado a atendimento e pesquisa em violência, e é analista junguiana em formação pelo Instituto Junguiano de São Paulo, filiado à International Association for Analytical Psychology, em Zurique.

Ao mesmo tempo, vale lembrar que, independentemente do medicamento, mesmo quando vem de plantas, o uso requer cuidado, orientação qualificada e contexto seguro. A história da medicina mostra que o natural pode ser potente para o bem e para o mal, a papoula deu origem à morfina e à codeína para dor, a casca de salgueiro inspirou o ácido acetilsalicílico, a dedaleira rendeu a digoxina para o coração, a quina trouxe a quinina contra a malária, a beladona forneceu a atropina usada até hoje em emergências, o curare originou bloqueadores musculares em anestesia. Esses exemplos lembram um ponto simples, potência terapêutica anda junto com riscos, dose, pureza, interações e indicação clínica importam. Com psicodélicos não é diferente, é preciso avaliação médica, checagem de contraindicações, acompanhamento profissional e um plano terapêutico que respeite a pessoa por inteiro.

Nota editorial, este texto tem caráter informativo e reflete abordagens clínicas e teóricas discutidas na literatura, não constitui endosso institucional a práticas religiosas, espirituais ou terapêuticas.

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