Portugal perdeu “demasiado tempo e esforço com promessas vãs de hidrogénio” verde e de que seria um produtor desse hidrogénio para exportar para outros países para “agradar à Europa”. A posição foi manifestada pelo secretário de Estado da Energia, durante uma intervenção na comissão parlamentar de ambiente e energia. Jean Barroca justifica esse esforço pela força do momento — a crise energética que se seguiu à invasão da Ucrânia — e por “força da especulação e do que foi uma vontade política de alinhar com a Comissão Europeia e “com a vontade de agradar à Europa”.

Para o secretário de Estado, o foco dado ao hidrogénio desviou as atenções do biometano (gás produzido a partir de resíduos) e atrasou o desenvolvimento deste gás renovável em Portugal. Mais maduro em termos tecnológicos, o biometano pode ser injetado na atual infraestrutura sem exigir grandes investimentos, sendo por isso uma solução para substituir o consumo de gás natural (de origem fóssil) e as emissões.

Para Jean Barroca, transformar o hidrogénio num ativo barato e exportável “seria o pior dos negócios para nós” e até “ruinoso” porque se estaria a exportar energia renovável que é fundamental para a transição energética da indústria nacional.

Sem criticar diretamente a política energética seguida pelo Governo socialista, o secretário de Estado da Energia justificou este foco em excesso no hidrogénio também com a necessidade de aproveitar as verbas do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) — existia muito interesse europeu em financiar esses investimentos, mas alguns projetos de hidrogénio foram caindo, obrigando a reprogramar as verbas para outros investimentos.

A ideia de que Portugal (e Espanha) poderiam exportar hidrogénio verde barato para a Europa foi também alimentada pela Alemanha e pelo então chanceler Olaf Scholz que procurava alternativas ao gás natural russo. A pressão foi também colocada sobre a França para viabilizar um projeto antigo de interligação com a rede de gás ibérica através de um gasoduto que ligasse Sines à Alemanha. O resultado foi um acordo a três — França, Portugal e Espanha — para um novo projeto de gasoduto a ligar Espanha e França pelo Mediterrâneo e preparado para transportar num futuro o tal hidrogénio verde. O tema suscitou acusações cruzadas entre o então Governo de António Costa e o PSD sobre de quem era a culpa pelo atraso nas interligações europeias.

Chanceler alemão pôs Portugal no mapa europeu do gás e faz pressão sobre França. Porque não avançou ainda o gasoduto?

Passada a moda do hidrogénio verde, pelo menos no que toca à ambição de exportação, o Parlamento está a discutir os investimentos para a rede de distribuição do gás natural, no âmbito do qual foi ouvido o secretário de Estado e vários operadores do setor. Jean Barroca apontou para o atraso de vários anos na aprovação destes planos bianuais. O último aprovado é de 2018, durante o primeiro Governo de António Costa e antes da pasta energia passar para o Ministério do Ambiente.

Uma ausência prolongada de decisão que apresenta vários riscos, desde não permitir uma visão integrada no setor até permitir a estabilidade e previsibilidade para investir.

A consequência é que não havia investimentos aprovados para o ano de 2024 e 2025, o que representou riscos para a segurança operacional das redes, obrigando o Governo a aprovar de forma autónoma investimentos pontuais. O secretário de Estado da Energia considera que esta é a oportunidade para resolver um passivo de planeamento da rede de gás.

Mas alerta também para o facto dos investimentos propostos acontecerem num contexto de queda de consumos de gás natural, o que potencia o impacto deste plano nos preços do gás natural. O que recomenda algum conservadorismo e um equilíbrio entre o preço e os investimentos que, para Jean Barroca, se devem focar no setor industrial.

O plano de investimentos nas redes de distribuição de gás entre 2025 e 2029 propõe valores de 395 milhões de euros, tendo sido alvo de um parecer da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos no ano passado onde recomenda uma redução dos valores propostos, limitados ao “absolutamente necessários para que não se tornem num fator de agravamento do risco de sustentabilidade da atividade de distribuição de gás e não venham a constituir um futuro custo afundado”.

A decisão final sobre este plano cabe ao Governo, depois da discussão no Parlamento. Para aprovação está também o plano de investimentos na rede alta pressão do gás que teve um parecer da ERSE no final da semana passada que vai também no sentido do travão aos valores a investir.

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