“Ao adquirir Luís Vicente, a JM adota uma postura ofensiva: não só permite garantir fornecimento próprio e robustez da cadeia de distribuição, tema crescentemente relevante, mas pode também impor padrões de qualidade, eficiência logística e gerir melhor riscos externos (como variações de custos agrícolas). A exigência poderá passar pelo sucesso na integração operacional, controlo de custos e obtenção da aprovação da autoridade concorrencial”, denota João Queirós.
Para o analista do Banco Carregosa, “a compra da Luís Vicente não é apenas uma operação de crescimento, mas uma consolidação de poder estrutural na cadeia alimentar. A Jerónimo Martins deixa de depender exclusivamente de fornecedores externos e passa a controlar de forma mais ampla o ciclo produtivo, posicionando-se com vantagens competitivas de longo prazo num setor cada vez mais condicionado por custos, sustentabilidade e segurança alimentar”.
A JMA tem ainda 100% de outras duas empresas de produção de fruta. Já este ano, passou de uma quota de 50% para 100% da Tastyfruits, com a qual o grupo pretende ser dono do “maior laranjal biológico em Portugal” já a partir de 2025. A par desta, a JMA passou a deter também 100% de empresa Outro Chão, que começou por ser uma parceria com o antigo dono da herdade do Vale da Rosa, António Silvestre Ferreira, para a produção de uva biológica sem grainha. Em 2024, a JMA adquiriu os 20% do parceiro, “que precisou focar-se no seu negócio core: a Vale da Rosa”. A Vale da Rosa foi, entretanto, vendida a investidores espanhóis, após uma “situação difícil” que a empresa atribuiu, em parte, ao facto de ter perdido a Jerónimo Martins como cliente.
Com a Outro Chão, a JMA lançou entretanto a marca de uvas sem grainha “hey,vita!”, para a qual desenvolveu um “trabalho extenso de divulgação” e que no ano passado, além de Portugal, foi comercializada na Polónia, onde a JM tem, aliás, a maior fatia do seu negócio, com os supermercados Biedronka.
Para cada uma das marcas, a JMA criou um website, formou a equipa comercial “e realizou iniciativas destinadas a abrir canais de venda com o objetivo de promover os seus produtos no mercado nacional e internacional, permitindo aumentar a sua atividade e diversificar os clientes em 2025”.
O objetivo, assumido pelo grupo nos sucessivos relatórios e contas, é “salvaguardar a capacidade de as Companhias do Grupo se abastecerem de alguns produtos estratégicos e criar diferenciação de qualidade”. No ano passado, no rescaldo do primeiro embate da guerra na Ucrânia e do pico da inflação alimentar, tanto Pedro Soares dos Santos como António Serrano admitiam que podia ser necessário procurar investimentos “para proteger a cadeia de abastecimento”. “O país precisa que grupos como a JM continuem a fazer este trabalho, precisamos de agricultura viável”, afirmou António Serrano na apresentação dos resultados de 2023 aos jornalistas.
Já no contacto mais recente entre a administração da dona do Pingo Doce e a imprensa, que teve lugar em março deste ano, o grupo deixou ainda mais claro que a área agroalimentar vai ser, cada vez mais, uma prioridade. E uma peça fundamental para a meta de 50 mil milhões de euros em receitas (em 2024 foram de 33,5 mil milhões).
“Construímos know how e uma ideia do impacto que pode ter para o grupo e estudámos muito como se desenvolve o negócio agroalimentar num mundo que está muito competitivo e onde a tecnologia joga um papel importante”, afirmou, em março deste ano, Pedro Soares dos Santos, admitindo que o grupo estava a “pensar no que pretende fazer do agro para o seu futuro”. Não abriu o jogo sobre possíveis aquisições, remetendo para a apresentação, ainda este ano, de um plano estratégico até 2030.
“Tivemos uma década de grande crescimento e grande consolidação, agora temos de olhar para os próximos cinco anos. Esse vai ser o grande desafio desta direção executiva. Temos um número da cabeça, temos uma ambição que queremos atingir. Queremos chegar a 2030 ou 2029 a 50 mil milhões. Temos de pensar no caminho, o que as operações atuais podem valer e o que tem de ser adquirido de novo para fazer parte do nosso portefólio”, comentou. Como? “O segredo é a alma do negócio”.
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É, segundo o próprio grupo, um dos principais operadores do país na produção e distribuição de frutas e legumes. Em vendas, a Luís Vicente é a 12.ª maior do seu setor, segundo os dados (de 2023) consultados pelo Observador. Fatura mais de 50 milhões de euros por ano. Pertencia, até agora, a uma das 50 famílias mais ricas do país. A venda à Jerónimo Martins vai alterar apenas a posição que os seus donos ocupam no ranking da Forbes.
A lista mais recente das maiores fortunas de Portugal, feita no final do ano passado, coloca Luís Vicente, a quem chama de “rei da fruta do Oeste”, na 49.ª posição, com um património estimado em 314 milhões de euros, proveniente dos negócios em Portugal e em Angola. Em 2018 ocupava a 8.ª posição, com 822 milhões de euros. No mesmo ranking, a família Soares dos Santos surge na terceira posição, com uma fortuna avaliada em 2.942 milhões de euros.
A história da Luís Vicente começa em 1967 em Torres Vedras. Foi nesta região do Oeste que o empresário que dá nome ao grupo começou a produzir e a distribuir pera rocha. O primeiro armazém foi construído já nos anos 70, mas foi na década de 80 que começou a expansão para aquele que viria a ser o grupo que a Jerónimo Martins agora adquiriu. A empresa Luís Vicente propriamente dita é constituída em 1987, ano em que começa a distribuir fruta tropical. É Luís Manuel Vicente, filho do fundador, que dá continuidade ao negócio.
O grupo vendido à Jerónimo Martins produz em nome próprio em quatro mercados: em Portugal, a aposta é na pera rocha, maçãs, pêssegos, ameixas, nectarinas, dióspiros e marmelos; na Costa Rica, que tem “as melhores condições do mundo para a produção de abacaxi”, o grupo tem áreas de produção deste fruto em parceria com produtores locais; no Brasil, também com parcerias em vários estados, concentra-se nas frutas tropicais, nomeadamente manga, papaia, mamão e lima. Tem ainda uma herdade em Angola, que fica de fora do negócio com a JM. Tudo o resto passa para a família Soares dos Santos.