Durante o discurso na Assembleia Nacional, não houve qualquer menção do primeiro-ministro francês ao chamado “imposto Zucman” — que tributaria em 2% todos os patrimónios superiores a 100 milhões de euros e que poderia arrecadar cerca de 20 mil milhões de euros por ano para as contas do Estado. No entanto, Olivier Faure já fez questão de realçar que pretende que esta tributação avance, mesmo que o campo macronista ainda se oponha à ideia.
Mesmo neste tópico, existe alguma margem para negociação, como confidenciou fonte do PS ao canal de televisão BFMTV: “Se não for o imposto Zucman, mas se for algo que transmita a mensagem de que se paga muito mais impostos quando se é muito rico do que quando se é professor, isso também seria bom para nós”. Os socialistas também prometem fazer pressão para aumentar o poder de compra e mexer nas tabelas de IRS no Orçamento do Estado.
Perante as concessões de Sébastien Lecornu e a previsão de que haverá outras cedência, a hipótese de os socialistas contribuírem para o agudizar da crise política é agora improvável. Como confidencia um membro da ala mais moderada do PS à BFMTV, mesmo que o Orçamento “esteja repleto de medidas más, a mera suspensão da reforma das pensões é a prova de que” o PS “pode mudar vidas”. “E isso não é pouca coisa antes das eleições municipais e presidenciais”, ilustra, numa prova de que os socialistas querem apresentar as cedências do Governo como um trunfo político.
Porém, nem todos os socialistas vão alinhar nesta estratégia. Alguns já anunciaram que vão votar a favor das moções da censura. Especula-se que entre três (como já estimou Olivier Faure) a cinco deputados do PS o façam. Um deles é Paul Christophle, que anunciou, nas redes sociais, que, embora a reforma do sistema de pensões seja “boa”, “há outras aspetos” que é necessário levar em consideração. “Precisamos de mais medidas de poder de compra e de justiça fiscal”, defendeu. No X, anunciou o seu sentido de voto nas moções: “A conta não bate certo. Na quinta-feira, eu censuro.”
Le compte n’y est pas. Jeudi, je censure.
— Paul Christophle (@paulchristophle) October 14, 2025
Ao que tudo indica, os deputados que não vão cumprir a disciplina de voto pedida por Olivier Faure serão poucos. A maioria do partido celebra a “grande vitória” da idade da reforma. “Mas não é a única”, relembrou o socialista Emmanuel Grégoire. “O mais importante começará agora. É importante manter esse equilíbrio de poder, que está a ser construtivo. Precisamos de ser razoáveis, mas continuaremos a trabalhar para melhorar o Orçamento mau que foi apresentado”, disse o deputado, numa entrevista à RTL, avisando que a moção de censura continuará a ser um instrumento que poderá ser usado “a qualquer momento”.
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No campo macronista, existem alguns membros desagradados com as cedências ao Partido Socialista. A reforma das pensões foi uma medida unânime entre os centristas e uma luta política longa e custosa. Olivier Dussopt, antigo ministro do Trabalho, manifestou-se contra esta cedência. “Esta suspensão não está em consonância com a situação económica, a demografia e as reformas implementadas em outros países europeus”, criticou, numa entrevista ao Le Parisien. Para o ex-governante, trata-se de um “grande erro” e coloca por terra a “única e última reforma estrutural do segundo mandato de cinco de Emmanuel Macron”.
Outros apoiantes do macronismo ouvidos na imprensa francesa concordam que, embora seja benéfico a curto prazo e alivie momentaneamente a crise política, é uma medida negativa para as finanças públicas, ao mesmo tempo que pode levar a que os socialistas elevem ainda mais a fasquia e coloquem novas imposições — estando o governo de Sébastian Lecornu a correr o risco de se tornar “refém” do PS.
Em sentido inverso, outros apoiantes do bloco centrista aplaudem a coragem. Ainda que não pertença atualmente a nenhum partido, a antiga primeira-ministra Élisabeth Borne (em tempos próxima dos socialistas, mas hoje macronista) foi a primeira a sugerir que talvez o Palácio do Eliseu devesse ceder neste ponto, mesmo tendo sido quem implementou a reforma. O argumento que a antiga líder do Executivo usou é que esta cedência é a “condição para a estabilidade do país”. “No contexto atual, para avançar, é necessário ouvir os outros.”