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Volodymyr Zelenskyy, presidente da Ucrânia EPA/
O triplo “ataque” a Odessa terá sido passo em falso para o presidente da Ucrânia, que quer afastar rivais. Estará em causa um cerco político interno.
É um símbolo da resistência da Ucrânia contra a Rússia, mas agora Odessa tem sido alvo de “ataques”… de Kiev.
Não são ataques terrestres ou aéreos, não envolvem militares. Mas, ao longo da semana passada, a administração do presidente Volodymyr Zelenskyy lançou uma série de medidas que afetam a governação, os direitos linguísticos e o património histórico de Odesa.
São medidas que já originaram críticas generalizadas entre residentes locais e observadores políticos: sentem que a democracia e a autonomia locais estão a ser ameaçadas.
Presidente fora
A medida mais controversa foi a revogação da cidadania ucraniana e a destituição do cargo do presidente da Câmara Municipal de Odesa, Gennady Trukhanov.
Trukhanov venceu as eleições três vezes, mas foi acusado de possuir um passaporte russo (algo que nega).
Os críticos sublinham que a ação contornou a Justiça, violando o Artigo 25 da Constituição da Ucrânia, que proíbe a revogação da cidadania.
Muitos interpretam o decreto como uma manobra politicamente motivada, destinada a afastar um potencial rival nas próximas eleições presidenciais.
Aliás, o The Spectactor, que escreve que este “ataque a Odessa foi longe demais”, acrescenta que Zelenskyy está a tentar afastar prováveis concorrentes às eleições.
Russo e moldavo, não
Para além do tumulto político, Kiev aprovou legislação que retira o russo e o moldavo da lista de línguas minoritárias protegidas.
A decisão afeta milhões de ucranianos de língua russa, incluindo residentes de Odessa, uma cidade conhecida pela sua diversidade linguística.
Muitos locais consideram a medida um ataque à sua identidade, aprofundando ainda mais o sentimento de alienação face ao governo central.
Também na cultura
O património histórico de Odessa também está sob escrutínio.
O Instituto da Memória Nacional de Kiev ordenou a retirada de figuras consideradas “imperialistas” – como o Conde Mikhail Vorontsov, governador do século XIX que desempenhou um papel crucial na formação de Odessa como um porto cosmopolita no Mar Negro.
Há críticos que argumentam que apagar figuras como Vorontsov ameaça desligar a cidade da sua herança europeia, em vez de “descolonizá-la”.
Ataque “sem precedentes”
No conjunto, estas ações têm sido descritas como um ataque sem precedentes à autogestão, à língua e à identidade cultural de Odessa.
Surgiu uma oposição generalizada a nível local, incluindo até rivais políticos de Trukhanov, que classificam o decreto do governo central como uma violação dos princípios democráticos.
Os residentes, que suportaram anos de bombardeamentos russos e acolheram centenas de milhares de refugiados, enfrentam agora o que muitos entendem como um cerco político interno.
O perigo
E estas medidas podem ter consequências estratégicas.
Em vez de promover a unidade, Kiev corre o risco de alienar regiões-chave, minar o apoio local e oferecer oportunidades de propaganda a Moscovo.
Para Odessa, cidade há muito emblemática da abertura, do multilinguismo e da orientação europeia da Ucrânia, a perceção de lealdade imposta e apagamento cultural gerou frustração e ressentimento, levantando questões sobre a trajetória mais ampla da democracia ucraniana em tempos de guerra.
“Ou estás comigo…”
O The Spectactor sugere que o recado de Zelenskyy é claro: lealdade por decreto. “Ou é à minha maneira, ou estás fora”.
Recorde-se que não foi só a Rússia que controlou danos internos desde que a guerra começou em 2022: o governo de Zelenskyy sancionou políticos rivais, fechou canais de televisão, silenciou os críticos anti-corrupção e dissolveu partidos sob a justificação da “segurança nacional”.
Há um aparente estreitamento da vida pública, uma purga calculada da dissidência, até um controlo da política e da cultura – olhando para Odessa.
Ou seja, o governo de Zelenskyy está a aplicar, em alguns contextos, o que critica no governo de Putin.