Toda a gente — e sei bem que quando se começa uma frase por toda a gente está-se inevitavelmente a generalizar, mas ainda assim arrisco na generalização — tem algures na vida um momento de epifania: aquele segundo em que o clube (que não é do pai, nem do tio) marca um golo e nos apercebemos que somos do FCP; ou quando vamos ao aniversário de um amigo do nosso melhor amigo e damos com alguém que nos faz pensar “esta vai ser a mãe dos meus filhos”.

A minha epifania ocorreu em Aveiro, no carro de um amigo que me deu boleia para casa – e lamento, mas esta história não vai ser tão interessante quando o início do parágrafo dá a entender. Até então, eu desmerecera a música de Jeff Bucley como AOR, sigla que indica a pouco entusiasmante categoria que dá pelo nome completo de Adult Oriented Rock; simplesmente, não conseguia compreender o que havia assim de tão original naquela música, que me parecia (perdoem) lamechas.

Não era a primeira vez que eu e o meu amigo tínhamos esta discussão – tempos antes eu despachara os Blue Nile com o mesmo argumento. Ainda por cima, tinham baixos slapados e sintetizadores – aquilo parecia-me música para divorciados de 40 anos e eu não tinha 40 anos, nem hipotecas nem filhos.

[o trailer de “It’s Never Over”, Jeff Buckley”:]

Mas, nessa noite, o meu amigo limitou-se a pôr uma canção a tocar no leitor de cassete do rádio: chamava-se Nightmares by the Sea e era de Sketches for My Sweetheart the Drunk, o disco póstumo, de 1998. Notem bem: Jeff Buckley já tinha morrido, eu ficara triste pelos meus amigos que eram fãs, mas até escutar Nightmares by the Sea eu nunca conseguira ter a ligação que eles tinham com a música dele.

Só que Nightmares by the Sea era outra coisa: muito mais negra e contida do que a emocionalidade à flor da pele (achava eu) de Grace, o disco de estreia (de 1994), muito mais próximo dos Television e do pós-rock, guitarras secas em duelo – e naquele instante fiquei apaixonado por aquela canção.

Isto levou-me a re-ouvir Grace, que passei a apreciar, mas ainda assim não com o grau de religiosidade que os meus amigos lhe prestavam. Até que fui ao cinema ver Breaking the Waves seguido de The End of the Affair. Foi nessa sessão dupla que surgiu um trailer qualquer que usava Lover, You Should Have Come Over, precisamente do álbum Grace – e nesse exato instante, fui tomado por uma emoção que desconhecia e tudo – os amores falhados, a morte de Jeff, a minha rejeição de anos a algo que era tão claramente o meu campeonato – abateu-se sobre mim e desatei a chorar (um senhor de idade simpaticamente pôs-me a mão no ombro e disse “Não se preocupe, isto nunca melhora”). Até hoje não sei qual o filme que usava a canção.

O que sei é que, desde então, Grace se tornou uma religião. E o mais ridículo é que eu já era fã do pai, Tim, e conseguira, com muito esforço e alguns empregos de verão para ganhar dinheiro e ir a Londres, comprar a discografia completa do Buckley mais velho – que, nesses dias, era difícil de determinar.