O primeiro sinal foi dado logo após o cessar-fogo decretado por Israel na sexta-feira passada: homens armados do Hamas, alguns com a farda da polícia, começaram a aparecer nas ruas da Cidade de Gaza.

O facto de o Hamas estar visível nas ruas não foi visto como um problema: tratar-se-ia sobretudo de manter alguma possibilidade de ordem e de estrutura, e várias vozes de Gaza diziam que temiam mais o vazio total de poder do que a presença do Hamas.

Até Donald Trump falou sobre isso, dizendo que não era problemático (ao contrário do facto de não terem sido devolvidos a Israel todos os corpos de reféns mortos, que considerou problemático).

Mas depois surgiram notícias de execuções públicas e assassínios pelos combatentes do Hamas. Os alvos parecem ter sido sobretudo os clãs que aceitaram apoio de Israel e com que as autoridades do Estado hebraico pretendiam ter um contrapeso ao Hamas, apostando no seu enfraquecimento e em alguma revolta da população, e também de alguns ligados à Fatah, a facção no poder na Autoridade Palestiniana, na Cisjordânia ocupada.

Até agora, todos os sinais eram de que a vantagem estava do lado do Hamas.

Um militar israelita (as forças de Israel ainda estão em 53% do território da Faixa de Gaza) relatou ao Haaretz como assistia “ao inconcebível”: “Começa a parecer que está a acontecer aqui um massacre. Há dezenas de mortos e centenas de feridos dos clãs suspeitos de terem ajudado Israel”.

Conclusão: “Quem quer que pensasse que haveria uma alternativa de governo, descobriu, no espaço de horas, de que modo não são relevantes e de que modo é que o Hamas manteve o seu poder em Gaza”, declarou o militar.

O analista israelita Michael Milshtein, especialista em movimentos palestinianos como o Hamas, comentou na rede social X (antigo Twitter) que este parecia ser o fim do que chamou “a fantasia dos clãs” que as autoridades israelitas alimentaram em relação a Gaza, com um ano de esforços para apoiar grupos armados que pudessem ser uma alternativa ao Hamas a parecer terminar.

Milshtein sublinha que voltar a conseguir o monopólio do uso da violência não é fácil para um Hamas enfraquecido: há relatos de combates duros e também os islamistas perderam combatentes e figuras de relevo em confrontos com membros armados dos clãs.

Mas Milshtein critica sobretudo o que diz serem erros saídos da incapacidade de Israel avaliar o que é possível fazer na Faixa de Gaza, da ideia da saída voluntária dos palestinianos de Gaza até à distribuição militarizada de ajuda através da Fundação Humanitária de Gaza até, agora, aos clãs.

A relação entre os clãs e o Hamas (e também a Fatah) não é imutável; um dos clãs, aliás, optou por desistir de se opor ao Hamas e anunciou o seu apoio ao movimento.

A luta entre o Hamas e os clãs não tem directamente que ver com a questão do desarmamento do movimento previsto no plano de Trump, embora esta seja uma condição que o Hamas já disse que não irá aceitar, repetindo que apenas o fará quanto existir um Estado palestiniano.

No entanto, há analistas que admitem que poderá entregar algum do armamento usado contra Israel, como os rockets, mantendo as armas tipo metralhadoras (e a vasta rede de túneis).

Um alto responsável militar dos EUA apelou, diz o Guardian, ao Hamas para “parar a violência contra os civis” e para “desarmar sem demora”.