Moscovo acusa a Europa de tentar transformar a guerra da Ucrânia na “guerra de Trump”, enquanto Washington, DC pondera reforçar o arsenal ucraniano com armamento de longo alcance
O Kremlin voltou a endurecer o tom contra Washington, DC, desta vez perante a possibilidade de os Estados Unidos venderem mísseis de cruzeiro Tomahawk à Ucrânia. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, avisou que essa decisão representaria “uma escalada muito séria” e provocaria “danos colossais” nas relações entre os dois países.
As declarações foram feitas numa entrevista ao jornal russo Kommersant, publicada esta quarta-feira, sob o título “A Europa quer transformar o conflito na Ucrânia na guerra de Trump”. Lavrov afirmou que o fornecimento de Tomahawks “comprometeria a normalização” de relações entre Moscovo e Washington, DC e “desfazeria os avanços bilaterais alcançados desde a administração Biden”.
Apesar das ameaças, analistas do Institute for the Study of War (ISW) consideram que o envio de mísseis Tomahawk para Kiev não representaria uma escalada significativa no conflito. Pelo contrário, argumentam, equivaleria apenas ao tipo de armamento que a Rússia tem utilizado contra a Ucrânia desde o início da invasão.
Moscovo tem recorrido com frequência a mísseis de longo alcance, como os Kh, Kalibr, Kinzhal e Iskander, em ataques quase diários a alvos ucranianos. Em novembro de 2024, o exército russo chegou a usar, pela primeira vez, o novo sistema balístico Oreshnik, com múltiplas ogivas independentes, e prometeu estacioná-lo na Bielorrússia até ao final de 2025.
O ISW defende que os Tomahawk poderiam permitir à Ucrânia atingir objetivos militares russos de elevada importância, como a fábrica de drones Shahed em Yelabuga (Tartaristão) ou a base aérea Engels-2, de onde partem bombardeiros estratégicos russos usados em ataques a cidades ucranianas.
A “ameaça” surge a dois dias do encontro entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, marcado para esta sexta-feira, na Casa Branca.
Trump confirmou que “Zelensky gostaria” que os EUA avançassem com a venda de Tomahawks e admitiu já ter discutido o tema com o líder ucraniano. O secretário norte-americano da Defesa, Pete Hegseth, reforçou a ideia de que os EUA “tomarão as medidas necessárias para impor custos à Rússia” caso Moscovo continue a recusar negociações para pôr fim à guerra.
Hegseth apelou ainda aos aliados europeus para reforçarem o apoio militar a Kiev, sublinhando que “um exército ucraniano preparado para o combate e uma NATO forte liderada pela Europa são cruciais para dissuadir a agressão russa”.
Na mesma entrevista ao Kommersant, Lavrov acusou a Europa e Zelensky de quererem transformar a guerra na Ucrânia na “guerra de Trump” e de estarem a tentar “levar Trump por maus caminhos”. Segundo o chefe da diplomacia russa, os europeus e o presidente ucraniano estão a impor “ultimatos” a Washington, DC.
Esta retórica, segundo o ISW, faz parte de uma campanha russa de “controlo reflexivo”, uma estratégia de influência destinada a manipular a perceção e as decisões dos adversários, procurando afastar os Estados Unidos da Ucrânia e enfraquecer a coesão da NATO.
“A Rússia quer transformar a hesitação ocidental em fraqueza e desunião”, sintetiza o ISW. “Mas o fornecimento de Tomahawks seria apenas uma resposta proporcional ao tipo de armamento que Moscovo usa todos os dias contra a Ucrânia.”