O que estão compartilhando: que a tecnologia 5G pode oferecer riscos à saúde, principalmente quando antenas são instaladas em locais como escolas e hospitais. Uma postagem cita como exemplo um caso nos Estados Unidos, em que uma torre 5G instalada em uma escola na Califórnia teria sido desativada após oito crianças serem diagnosticadas com câncer.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Não há comprovação científica de que o 5G, nome dado à quinta geração da tecnologia de conexão móvel, cause problemas de saúde. Assim como nas gerações anteriores, o 5G funciona por meio de torres que transmitem dados usando ondas de rádio. Essas ondas emitem radiação não ionizante, que não tem energia suficiente para causar danos ao DNA ou mutações genéticas, mecanismos que levam ao câncer. O post verificado omite que o caso citado é de 2019. A torre de celular em questão foi desligada pela empresa Sprint antes de o 5G começar a ser implantado comercialmente nos EUA (saiba mais abaixo).
Procurado, o autor da postagem citou uma tese de doutorado defendida em 2010, sobre casos de câncer ocorridos entre 1996 e 2006 em Belo Horizonte. A tecnologia de 5G ainda não havia sido adotada naquela época.
Postagem engana ao associar tecnologia 5G a diagnósticos de câncer em alunos de escola da Califórnia Foto: Reprodução/Instagram
Saiba mais: a preocupação com a exposição humana a campos eletromagnéticos de radiofrequência é antiga e o debate é legítimo. No entanto, a peça verificada distorce e omite informações ao citar um caso antigo, em que uma torre de celular foi desativada em uma escola em Ripon, na Califórnia, após pais associarem as ondas de radiofrequência emitidas pela estrutura a casos de câncer em alunos.
A torre foi desligada mesmo após testes confirmarem sua segurança e conformidade com as normas federais (aqui). A postagem engana ao afirmar que a torre era de 5G e ao relacionar a tecnologia ao câncer.
Conforme notícias publicadas pela imprensa (aqui e aqui), o 5G começou a ser oferecido comercialmente nos EUA em abril de 2019, na mesma época em que a Sprint, antiga empresa de telecomunicações americana, desligou a torre instalada na escola. Naquele ano, a Sprint anunciou que ativaria sua rede 5G em maio, começando em Atlanta, Chicago, Dallas e Kansas City (aqui).
Os diagnósticos de câncer em quatro alunos de uma escola primária em Ripon, registrados entre 2016 e 2019, ganharam repercussão quando a CBS News noticiou que pais acreditavam que os casos tinham ligação com a radiação de radiofrequência emitida por uma torre de celular presente no campus.
As reportagens da emissora sobre o caso não mencionam que a torre seria 5G. Após a Sprint desativar a estrutura, pais que investigavam as possíveis causas dos diagnósticos elaboraram uma lista com outros registros de câncer na cidade e perceberam que os casos iam além do ambiente escolar. Com isso, passaram a considerar outra hipótese: a presença de tricloroetileno (TCE), substância química associada ao câncer, encontrada nas águas subterrâneas e nos poços de Ripon.
Ao Verifica, Ubirani Barros Otero, epidemiologista que atua na Área Técnica Ambiente, Trabalho e Câncer da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional do Câncer (Inca), explicou que não seria possível atribuir os casos ao 5G, já que a tecnologia foi lançada comercialmente apenas em 2019 e o câncer não é uma doença de desenvolvimento imediato.
“Qualquer tipo de câncer requer um período mínimo que a gente chama de período de latência, que vai da exposição até o surgimento da doença”, explicou.
A radiação do 5G e das torres de celular faz mal à saúde?
A diferença entre a quinta geração de redes móveis para as gerações anteriores (3G, 4G) está no uso de faixas de frequência mais altas, o que permite que mais dispositivos acessem a internet simultaneamente e com maior velocidade. Apesar dessa evolução, o tipo de radiação emitido pelas torres de celular permanece o mesmo.
Embora a radiação de radiofrequência emitida por torres de celular já tenha gerado dúvidas sobre possíveis riscos à saúde, especialistas ouvidos pelo Verifica explicaram que não há evidências científicas sólidas de que esse tipo de radiação cause câncer.
A radiofrequência está no espectro das radiações não ionizantes, usadas para transmitir sinais de celular e Wi-Fi, e não tem energia suficiente para alterar o DNA ou causar danos significativos às células do corpo. É o que explicou a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz, diretora do Corpo Clínico e coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
“As ondas de radiofrequência são ondas de radiação, mas é o que a gente chama de radiação não ionizante. Ela é completamente diferente da radiação do raio-x, do raio gama e da radiação ultravioleta”, disse a oncologista.
A radiação ionizante é capaz de causar danos à saúde, como o câncer, dependendo da dose de exposição. Em relação à radiação não ionizante, a médica pontuou que estamos praticamente imersos nessa radiação.
“Nós temos ondas de rádio, de micro-ondas e a própria luz visível, então nós temos um espectro grande desse tipo de radiação e não temos nenhum dado que mostre que isso é capaz de causar danos à saúde ou causar câncer”, disse.
Em 2011, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou os campos eletromagnéticos de radiofrequência como possivelmente carcinogênicos para humanos (grupo 2B), com base em evidências limitadas de um possível aumento no risco de tumores cerebrais entre usuários de celulares.
Segundo a epidemiologista Ubirani e a oncologista Maria Del Pilar, a classificação não confirma que há evidências consistentes de que a exposição a esse tipo de radiação possa causar câncer.
Em 2024, a Agência Australiana de Proteção contra Radiação e Segurança Nuclear (Arpansa) publicou o resultado de uma revisão sistemática encomendada pela OMS sobre os potenciais efeitos à saúde causados pela exposição a ondas de rádio (aqui). A análise não encontrou associação entre o uso de celulares e o risco de câncer no cérebro.
O professor Ken Karipidis, que liderou a revisão pela agência australiana, disse que essa é a avaliação mais abrangente e atualizada das evidências até o momento. Segundo ele, quando a IARC classificou as ondas de rádio como possivelmente cancerígenas para humanos, ela se baseou “em evidências limitadas de estudos observacionais em humanos”.
“Esta revisão sistemática de estudos observacionais humanos é baseada em um conjunto de dados muito maior comparado ao examinado pelo IARC, que também inclui estudos mais recentes e abrangentes, para que possamos ter mais confiança de que a exposição a ondas de rádio da tecnologia sem fio não é um risco à saúde humana”, disse o professor à Arpansa.
Radiação de radiofrequência emitida por torres de celular são não ionizantes e não tem energia suficiente para alterar o DNA, ou causar danos significativos às células do corpo Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
No Brasil, Anatel regula os níveis de radiação de radiofrequência
Conforme informações disponíveis no site da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (aqui), os limites de exposição humana a campos eletromagnéticos de radiofrequência adotados no Brasil seguem as diretrizes estabelecidas pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP), que desenvolve e dissemina recomendações científicas sobre a limitação da exposição à radiação não ionizante.
A agência afirma que “de acordo com os estudos desenvolvidos na OMS, não há evidências científicas convincentes de que a exposição humana a valores de campos eletromagnéticos abaixo dos limites estabelecidos cause efeitos adversos à saúde”.
De acordo com Hugo Filgueiras, doutor em telecomunicações pelo Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a radiofrequência gera calor, mas os níveis emitidos costumam ser de 50 a 60 vezes menores do que o necessário para causar uma elevação de 1 grau na temperatura ao redor da torre. Segundo o especialista, a distância entre as pessoas e a estrutura faz com que a exposição à radiação caia para valores considerados insignificantes em termos de variação térmica.
Segundo Filgueiras, a instalação de torres de celular ocorre mediante autorização da Anatel, que define a faixa de frequência a ser utilizada para cada tecnologia, além de estabelecer limites como a potência máxima e a altura permitida para a estrutura.
“Tudo isso é regulado pela Anatel e, posteriormente, são realizadas fiscalizações periódicas, tanto de forma preventiva quanto mediante denúncias”, afirmou.
“Essas denúncias chegam de outros sistemas ou de outras operadoras que percebem que o sistema dela está sofrendo algum tipo de interferência”, comentou.
Para o doutor em telecomunicações, as discussões em torno do 5G estão relacionadas ao receio do que é novo e desconhecido.
“O 5G é uma tecnologia nova, que muda suas codificações para melhorar a experiência do usuário. Mas, na prática, o que estamos colocando no ar não é nada diferente do que já transmitimos há muito tempo”, disse.
“Estamos com exposição a ondas eletromagnéticas tanto quanto sempre estivemos, não há nada diferente do que a gente já tem”.
O que diz o autor da postagem
A publicação aqui verificada foi publicada pelo médico William Araújo, que tem um milhão de seguidores no Instagram. Procurado pelo Verifica, Araújo enviou um link de uma tese de doutorado defendida em 2010 por uma engenheira na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo mostrou correlação entre casos de morte por câncer e a localização de antenas de celular em Belo Horizonte.
A análise foi feita com base em bancos de dados preexistentes, que reuniam informações sobre óbitos registrados na capital mineira entre 1996 e 2006. Entre os 22.543 casos de morte por câncer ocorridos nesse período, a engenheira selecionou 4.924, cujos tipos – próstata, mama, pulmão, rins e fígado – são reconhecidos na literatura científica como relacionados à radiação eletromagnética. Ela utilizou geoprocessamento para descobrir a distância entre as residências das pessoas que morreram por câncer e as antenas.
A epidemiologista Ubirani explicou que há grupos de pesquisadores no Brasil que defendem a tese de que as torres de celular podem ser prejudiciais à saúde e causar câncer. No entanto, não há evidências científicas que comprovem essa relação.
“Até o momento, na literatura científica que a gente consulta, que são aquelas sem conflitos de interesse, como a da OMS e da IARC, que são agências reguladoras de pesquisa mundialmente, não existe uma resposta que comprove isso”, afirmou.