Gonçalo Luís, 22 anos. Nasceu para o futebol em Mondim de Basto, no Mondinense, mas foi no FC Porto que, durante nove anos, se fez guarda-redes para uma carreira que agora prossegue no Celoricense. Quis o sorteio da Taça de Portugal cruzar caminho com os dragões.

Depois de ter sido o titular com Celeirós e Mafra, Gonçalo espreita novo jogo, contra o clube que o formou e do qual guarda inúmeras memórias.

De Oscar Bobb, Francisco Conceição e Martim Fernandes como nomes promissores a singrar até à semana de treinos com Conceição, pelo meio com a brincadeira de Uribe e a passagem pelo Sp. Braga B e pela época atual em Celorico.

Maisfutebol (MF) – Foi o guarda-redes na Taça contra Celeirós e Mafra. Já sabe se vai jogar contra o FC Porto?

Gonçalo Luís (GL) – Não sei e não tenho essa garantia. Se tiver oportunidade, seria um privilégio e uma felicidade enorme. Gostava, teria significado pessoal especial, pelo facto de ter feito lá a minha formação. Foram oito anos lá, é uma casa que me diz muito e que guardo com carinho e gratidão.

MF – A caminhada na Taça supera já as vossas expectativas e objetivos?

GL – Sim e não. Sim no sentido em que, se me perguntassem no início se acreditava que estaríamos nesta posição, talvez não. Mas pelo que a equipa tem feito, acho que estamos nesta fase por mérito próprio. Fomos bons nos dois primeiros jogos. Claro que há uns tempos não idealizava isto, mas estamos aqui e é o especial do futebol.

MF – Como viveram o momento do sorteio e o que sentiu quando calha o FC Porto?

GL – Acho que vem tudo à cabeça, um turbilhão de emoções. É um jogo especial, não só para mim, mas para qualquer atleta. E é especial por ser um jogo de Taça, uma competição tão bonita. Vem muita coisa à cabeça, mas também vem o sentido de responsabilidade e de querer aproveitar ao máximo o jogo.

MF – Fica alguma pena por não se jogar em Celorico de Basto…

GL – Fica sempre, porque acho que a terra merecia este jogo aqui, estes adeptos fantásticos que nos têm acompanhado. Mas em Barcelos acho que teremos uma massa adepta forte para apoiar-nos.

MF – O Gonçalo é de Mondim de Basto, começa a formação no Mondinense, mas muda-se para o FC Porto com 11 anos e fica lá até ao fim da formação. Como se dá essa ida para o FC Porto?

GL – Foi muito de repente. Eu comecei a jogar cedo e escolhi a posição de guarda-redes porque o meu irmão também era e eu fazia tudo o que ele fazia. Mas pela falta de guarda-redes eu comecei a jogar dois ou três escalões acima. As coisas correram-me bem e há um jogo em Chaves em que eu me destaco e tive a sorte de ter lá um olheiro do FC Porto que quis que eu fizesse treinos na Constituição, no Vitalis Park. Eu fiz cinco a seis treinos, eles gostaram, dizem que me querem lá e foi assim. Foi uma enorme felicidade. Por ter sido numa fase precoce da minha vida – era muito novo – acho que não dei o devido valor na altura, mas olhando para trás, foi um momento muito especial para mim.

MF – Não deu o devido valor?

GL – Acho que por ser miúdo. Deixamo-nos levar pela onda, nem se tem bem noção das coisas, foi tudo rápido. E pelo facto de em Mondim de Basto não haver essa visibilidade. Eu fui o primeiro a ter esta mudança grande. É nesse sentido.

MF – E quando vai para o FC Porto, fica lá ou fazia viagens para treinos e jogos?

GL – Nos dois primeiros anos, eu fazia as viagens, treinávamos duas a três vezes por semana. Os meus pais fizeram esse esforço por mim. Chegou uma altura em que os treinos começaram a ser de manhã, todos os dias, com jogo ao fim de semana e não tive outra opção senão ir para o Porto. Fui para lá morar, com apoio da minha mãe.

MF – Que memórias e histórias guarda desses tempos? São oito anos…

GL – Muita malta com quem convivi, grandes amigos e treinadores, pessoas que conheci em todo o clube. Em torneios, desde miúdo, com 10 ou 11 anos. Fomos para Turquia, Chéquia, países que nem sonhava ir tão cedo. Mas, acima de tudo, guardo as amizades. Claro que dentro de campo guardo momentos como a minha estreia, os jogos, mas guardo mais uma simples viagem a caminho do treino em que apanhava um colega em Amarante e íamos a falar e a conviver. As amizades que eu fiz com o futebol, mas que levei para a vida.

MF – Esteve em equipas com nomes como Oscar Bobb, Gabriel Brás, Gonçalo Esteves, Martim Fernandes, Vasco Sousa, Bernardo Folha…

GL – Acho que esses jogadores dispensam apresentações. Tive oportunidade de conhecer vários: Martim, Vasco, David Vinhas, não só no FC Porto, mas também no Sp. Braga, onde também estive com alguns que estão a ter boas carreiras. Mas acima de tudo, guardo as amizades, todos os que enumerou sempre foram pessoas humildes, incríveis no convívio, no partilhar de uma mesa ou banco na escola. Tudo isso supera o jogador que cada um é.

Gonçalo Luís nos seus tempos de FC Porto, no Estádio do Dragão (Foto: arquivo pessoal)

MF – Que amigos e contactos mantém desses anos?

GL – De nomes mais sonantes, tenho uma boa relação com o Martim Fernandes. Com o Vasco também. Acima de tudo, o Martim. De vez em quando entramos em contacto, as nossas famílias são amigas. Curiosamente, não falámos depois do sorteio. Pensei em falar com ele, mas depois passou.

MF – Quem é que já via como jovens promissores que singraram?

GL – Acho que o que mais me marcou no meu percurso foi o Bobb. Na altura dava para perceber que ele era dois ou três escalões acima de todos nós. Era um fora de série, aquele jogador de pegar na bola, fintava todos e fazia golo com uma facilidade enorme. E o Francisco Conceição, embora não na minha equipa. Ele era um ano mais velho, mas tive oportunidade de treinar alguns escalões acima e dava para perceber que o Francisco Conceição ia ser o que é. E o Martim, na altura em que eu era sub-19, era muito miúdo ainda, sub-15 ou sub-16, mas integra a nossa equipa. Deu para perceber que só não chegaria lá se não quisesse. Acho que esses três foram os que tive mesmo certezas.

MF – E também teve treinadores como Tulipa, José Tavares, Folha…

GL – Sim, tive Tulipa nos sub-15, gostei muito de trabalhar com ele, tratou-me bem e gostava muito de mim. Tive Ricardo Malafaia nos sub-17, José Tavares… e também tive oportunidade, não fazendo parte do plantel, de ser treinado pelo Mário Silva, que depois ganha a Youth League. Tive alguns treinos com ele. Na equipa B, tive o Folha: eu fazia parte da equipa B como terceiro guarda-redes. E tive oportunidade, não sendo o meu treinador, de ser chamado à equipa A numa pré-época, com Sérgio Conceição.

MF – …

GL – Tenho uma semana de pré-época. Acho que essa chamada ao contexto de equipa A foi, sem dúvida, foi o momento mais inesquecível. Isto foi na altura em que o Zaidu chega ao FC Porto. É a associação que faço: ele acaba de chegar ao FC Porto, é contratado, ia fazer o primeiro treino no FC Porto, era novo no clube e eu vou nessa semana também. Fiz uma semana completa com eles e depois voltei à base (risos).

MF – E como era Conceição nos treinos?

GL – Muito exigente, mesmo. Mas gente boa. Só que, quando entrávamos para campo, puxava muito por nós, muitas duras, no bom sentido. Porque, lá está, queria o melhor para o clube.

MF – E quem e o que destaca mais dessa partilha que teve nos treinos?

GL – Acho que na altura destacavam-se vários: Luis Díaz, Uribe, Otávio… eram todos craques, fora de série. E há um momento que me lembro, porque estava muito nervoso e era miúdo, que me faz relaxar um pouco: estávamos a almoçar e o Uribe começa a meter-se comigo e pergunta: “Tienes novia?” (risos). Aquela conversa normal de amigos, de futebolistas. Na altura eu estava muito nervoso, não falava com ninguém e estava ali no meio de Corona, Luis Díaz. Com os sul-americanos… E ele mete-se comigo, a perguntar coisas para me conhecer melhor. Foi o gatilho para soltar-me mais e a conviver mais com eles.

MF – Integra a equipa B, mas não chega a jogar e acaba por sair em 2022 para o Sp. Braga. Como se dá a saída para o FC Porto e a ida para Braga?

GL – Vou corrigir: eu era sub-19 e estava integrado na equipa B como terceiro guarda-redes, mas fazia parte do plantel sub-19. Eu saio numa fase pessoal difícil, opto por sair. Não foi uma saída fácil, o FC Porto não facilitou a minha saída. Tinha um ano obrigatório, mais dois de opção, mas acabo por sair. Forcei muito a saída, na altura quis por motivos pessoais. E o Sp. Braga surge, acho que foi pela boa relação do meu empresário com o Sp. Braga, que mostrou interesse em mim e acabo por ir.

MF – E como foi em Braga?

GL – Foi uma experiência boa, uma nova realidade. É a minha primeira experiência num contexto profissional, uma Liga 3 difícil, competitiva, tive oportunidade de conhecer inúmeros craques, trabalhei com Custódio como treinador, acho que tem potencial enorme e tratou-me sempre bem. Foi bom para crescer como ser humano e jogador.

MF – E agora o Celoricense…

GL – Sim. De certa forma, é um regressar a casa. Eu sou de Mondim, mas aqui também me sinto em casa, pesou muito para o meu regresso estar perto da minha família, dos meus amigos, estou num clube que me fez sentir em casa. Para mim faz sentido e estou feliz e motivado com esta nova etapa.

MF – Venceram a Supertaça AF Braga no início da época e 2025/26 é de regresso aos campeonatos nacionais, 28 anos depois. Quais os objetivos?

GL – O clube está a crescer, é uma época importantíssima. O objetivo é dar o máximo jogo após jogo. Se nos queremos manter nesta liga? Sem dúvida. E sinto-me privilegiado. Há qualidade, é um grupo forte, unido, amigo acima de tudo.

Gonçalo Luís num FC Porto-Tondela em juniores, com Martim Fernandes (Foto: arquivo pessoal)

MF – Gostava de trocar camisola com algum jogador? Tem alguma referência neste FC Porto?

GL – Sem dúvida que o Diogo Costa é a minha referência, não só a nível nacional, mas internacional. É o guarda-redes que eu vejo e mais me identifico e se tivesse oportunidade de trocar a camisola ou falar um pouco com ele… eu trabalhei com ele, na altura na equipa B, só que não sei se ele se lembra de mim, porque eu era muito miúdo (risos). Ele já estava na equipa principal como terceiro guarda-redes e em alguns jogos baixava para jogar na equipa B. Mas trocar a camisola, era com qualquer craque lá. Há tantos: Rodrigo Mora, William Gomes… mas daria prioridade aos guarda-redes, pela posição, que me diz muito.

MF – Esteve no FC Porto muitos anos. É adepto do FC Porto?

GL – (risos). Sou adepto do Celorico, que é o clube que me trata bem, que me tem cá. Claro que guardo um carinho enorme pelo FC Porto, gratidão por tudo o que o clube fez por mim e por me ter feito crescer. Há esse carinho especial pelo FC Porto.

MF – Acha possível fazer uma surpresa, mesmo sendo em Barcelos? Nem que seja momentânea durante o jogo?

GL – Acho que sim, há sempre essa ilusão. Se formos para o jogo a pensar que estamos derrotados, nem faz sentido competir. É uma equipa forte, com qualidade e qualquer atleta neste jogo está muito motivado. Acho que é possível surpreendermos o FC Porto em certos momentos.

MF – Além de jogar futebol, também estuda…

GL – Sim, além de jogar, nunca quis descurar essa parte. Estou a tirar um curso no Porto, no CEFAD, de exercício físico. E também estou inscrito em Direito na Universidade do Minho, mas congelei a matrícula. Estava a fazer o curso enquanto morei em Braga. O plano A sempre foi o futebol, sempre foi o que mais gostei. Em termos profissionais não olho muito a longo prazo, estou a fazer o curso de exercício físico porque gosto, mas é mais como plano B e para me manter ativo, para não ter só o futebol e depois do futebol não ter mais nada.