Os ventos da fortuna parecem estar mesmo a mudar de feição a favor de Kiev. Diga-se, a Ucrânia, sobretudo desde agosto último, tem vindo a intensificar os seus ataques às refinarias russas e com um grau de eficácia muito mais elevado do que era antes o caso. No antecedente, os alvos escolhidos eram sobretudos as torres de destilação fracionada – o verdadeiro coração das refinarias – hoje são também outros importantes componentes das mesmas, forçando muitas delas a deixar de funcionar por tempo indeterminado.

Os efeitos, esses, são inequívocos: a Rússia debate-se agora com uma inegável escassez de combustíveis, afetando concomitantemente o consumo interno e o esforço de guerra. Os impostos aumentam e Moscovo imprime triliões de rublos para poder financiar os seus vultuosos défices, provocando o consequente aumento da inflação – o que leva a uma corrosão da confiança interna. A Rússia está a revelar as suas fragilidades, a sua faceta de “tigre de papel”. Mostra-se incapaz de proteger com eficácia as infraestruturas críticas dos ataques coordenados dos drones e mísseis ucranianos. A sua grande dimensão territorial, que do ponto de vista geoestratégico sempre foi considerada um verdadeiro fator de poder, rapidamente se transformou, ao longo desta guerra, numa ameaçadora vulnerabilidade.  

Pese embora os novos e mais intensos ataques russos contra infraestruturas energéticas, industriais e civis ucranianas, o objetivo de afetar o moral das populações continua a fracassar. A Ucrânia resiste com determinação, enquanto a economia e o moral russos se vão deteriorando a um ritmo deveras assinalável. Encaro a agressividade russa, tendencialmente crescente, como um sinal evidente de que Moscovo estará agora mais ciente de que poderá estar a perder a guerra, e de que essa mesma realidade já não é escamoteável, mesmo internamente. Um pouco por todo o lado começam a ser visíveis as instalações fabris danificadas ou mesmo destruídas. A escassez de combustíveis não é uma ficção e o descontentamento popular já não é passível de ser varrido para debaixo do tapete, tal é a sua extensão.

Vladimir Putin partiu para uma guerra que julgou iria ser fácil e curta; de três dias apenas. Três curtos dias viram-se prolongando a quase quatro anos – ao longo dos quais o equilíbrio do conflito se foi transformando. De tal forma que, de momento, um desfecho parece estar a chegar. Tal como sucedeu à União Soviética, esta guerra poderá ir terminando ao longo de 2026, com a Rússia derrotada em resultado do seu colapso económico e não por causa de uma derrota militar. Porém, antes do seu términus, não será de excluir, a meu ver, um conflito, mesmo que de caráter limitado entre a Rússia e a NATO, motivado por um eventual desespero de causa ou mesmo provocado por um potencial erro de cálculo incitado por uma resposta assertiva a um dos múltiplos desafios e/ou testes que Putin tem vindo a lançar sobre países da NATO para testar, pondo à prova a respetiva coesão e a sua consequente vontade e/ou capacidade de resposta. Para tal temos de estar preparados.

Sem pretender fazer futurologia, num desses cenários, claro que uma eventual derrocada do regime e novas ensaios de independências regionais dentro do espaço da Federação Russa não serão de excluir. Em boa verdade se diga que a ambição imperial de Vladimir Putin poderá produzir efeitos verdadeiramente indesejáveis para ele e para a Rússia como um todo. O tal império que Putin tem tentado reerguer com tanto afinco começa a dar sinais que poderá, dentro em breve, começar a desmoronar por dentro.

Vladimir Putin procurou sempre iludir a situação real da sua economia. Coagiu bancos a conferir crédito quase sem limite às empresas do seu complexo militar-industrial. Os resultados estão à vista: está a perder a guerra na vertente económica de forma muito mais rápida do que a conseguir vantagens estrategicamente significativas no campo de batalha. 

O tempo deixou de jogar a seu favor e passou definitivamente para o lado ucraniano. A resiliência das suas populações constantemente atormentadas e dos seus militares, aliada ao engenho dos obreiros do seu complexo militar industrial, estão finalmente a dar frutos. A tão apregoada quão receada ofensiva russa de Verão tem vindo a redundar num verdadeiro fiasco. Demasiados mortos e feridos a troco de tão insignificantes resultados. A verdade é que o esforço da ofensiva russa: o seu ataque principal, concentrado na conquista do que resta do Oblast de Donetsk – cerca de 30% – não conseguiu romper a bem preparada estrutura defensiva ucraniana organizada à volta de um conjunto significativo de pontos fortes defendendo as principais cidades.  De facto, nesta região a Ucrânia conseguiu, aqui e ali, recuperar território perdido.

Em boa verdade à mingua de vitórias estratégias claras na frente de combate os russos continuam a procurar colmatar essas suas fraquezas elevando a fasquia dos ataques – sobretudo durante o período noturno a níveis absolutamente brutais. Lançam largas centenas de drones e mísseis sobre objetivos civis, continuando a cometer horrendos crimes de guerra.  Os ataques dos drones ucranianos estão a provocar danos de tal ordem à infraestrutura petrolífera e às refinarias russas que o governo de Moscovo foi obrigado a ter de recorrer à importação de combustíveis de países amigos. Aos habituais: à China, à Coreia do Norte e à Bielorrússia. A situação é realmente grave e tem vindo a piorar. De momento e de acordo com Neftegaz de Moscovo, 38% da capacidade de refinação russa encontra-se “fora de combate”. A guerra, como temos vindo a assistir na Ucrânia, converteu-se em essência numa espécie de correria tecnológica – e aqui temos de o dizer de forma clara: a Ucrânia tem conseguido estar sempre pelo menos um passo à frente. Numa análise cuidada de diversas fontes de informação, tudo aponta para que a casa Branca esteja finalmente a fornecer informações relacionadas com a identificação e mapeamento de objetivos militares localizados na profundidade do território russo, algo que até agora os EUA nunca teriam feito, mesmo durante a administração anterior. Esta prática incrementa, e em muito, a eficácia dos ataques ucranianos designadamente no que respeita a refinarias bem como ao sistema logístico russo, cujo bom funcionamento é absolutamente imprescindível às tropas combatentes.

O desequilíbrio orçamental da Rússia que levou à já referida produção de triliões de rublos, está agora a enovelar-se com uma outra ameaça séria à sua economia. Segundo o “Goldman Sachs” o preço de referência do Brent pode cair mesmo para os 40 dólares.  Os preços mais baixos do petróleo influenciam positivamente as economias ocidentais que apoiam o esforço de guerra da Ucrânia e negativamente a economia russa, uma vez que esta continua muito dependente da sua exportação petrolífera. É difícil imaginar a indústria petrolífera russa a debater-se com preços de referência a baixo do “breakeven”, que para o petróleo dos Urais é frequentemente referido como rondando os 60 dólares. Assim sendo, tudo indica que as perspetivas para 2026 favorecem claramente o Ocidente e poderão assumir contornos verdadeiramente catastróficos para a já depauperada economia russa. Sem uma economia pujante e sem uma logística eficaz não é de todo possível ganhar seja que guerra for, e muito menos esta que tem vindo a adquirir um caráter iminentemente tecnológico.

Existem, decerto, alguns indícios de que Putin poderá ter chegado a um acordo de trabalho com Xi Jinping. A Rússia tenta desgastar a NATO, continuando com as habituais violações do espaço aéreo e levando a cabo ataques cibernéticos, procurando fomentar a divisão interna e amedrontar as populações ocidentais, enquanto a China se encarrega de impedir que a economia russa colapse. Tudo aponta para a persistência de tais desafios. Temos de estar preparados para lhes dar a resposta que merecem. Chega de hesitações.

Da análise do espaço informacional russo tudo aponta que o fervoroso otimismo das hostes moscovitas resultante da cimeira Trump-Putin no Alasca, parece ter chegado indefetivelmente ao fim. E Putin terá decerto neste momento a consciência plena de que o tempo deixou de jogar a seu favor.

Estejamos preparados para os desafios.

Major General