Furtos aumentaram mais de 22% de 2023 para 2024 e, no primeiro semestre de 2025, a PSP e a GNR registaram 1.285 furtos, uma média de sete por dia

O que começou por ser um fenómeno associado à carência económica transformou-se, nos últimos anos, num negócio lucrativo para redes organizadas. Os furtos em supermercados e hipermercados estão a aumentar em Portugal, com métodos cada vez mais sofisticados e produtos de elevado valor a desaparecerem das prateleiras.

Só no primeiro semestre de 2025, a PSP e a GNR registaram 1.285 furtos nestes estabelecimentos, uma média de 7,1 por dia.

De acordo com os dados das forças de segurança, os furtos em supermercados aumentaram 22,75% de 2023 para 2024, passando de 1.916 para 2.352 ocorrências. No primeiro semestre de 2025, o número de furtos voltou a subir: 1.285 casos, mais 9,64% do que no mesmo período do ano anterior.

Lisboa e Porto concentram a maioria das ocorrências. Juntos, estes dois distritos somaram 656 furtos nos primeiros seis meses de 2025, o que representa mais de metade do total nacional. Seguem-se Setúbal (145), Faro (114) e Aveiro (95), completando o top cinco dos distritos mais afetados, só na área de intervenção da PSP.

“Temos vindo a verificar uma evolução negativa, com aumento de furtos em estabelecimentos comerciais, nomeadamente de bens alimentícios, mas também de produtos tecnológicos e vestuário”, confirmou o porta-voz da PSP, subintendente Sérgio Soares, que sublinhou o facto de terem registado “situações com alguma profissionalização, com redes criminosas estruturadas, muitas vezes compostas por cidadãos estrangeiros, que furtam para revenda”.

A GNR, que atua sobretudo em zonas menos urbanas, registou 567 furtos em supermercados no primeiro semestre de 2025. Segundo aquela força de segurança, “a denúncia deste tipo de crime é fundamental para a gestão operacional dos recursos disponíveis”, apelando à colaboração dos lesados.

Joana Machado, da comunicação da GNR, também confirmou a atuação de redes organizadas com liderança internacional e nacional que atua através da contratação de elementos que efetuam os furtos.

Os produtos mais furtados já não são os de primeira necessidade. Em 2022, predominavam as latas de atum, massas ou arroz, azeite. Hoje, os alvos são outros: bebidas alcoólicas, nomeadamente as destiladas, cápsulas de café, cremes, videojogos e perfumes, exatamente por esta ordem.

“Já não roubam um champô, roubam 20 ou 30. Por isso é que já proibimos a entrada de mochilas”, conta um funcionário de um supermercado em Massamá. “Temos mais de 100 câmaras e mesmo assim não conseguimos evitar tudo. Há produtos que nem dá para pôr alarme. Como é que se põe um alarme numa faca ou numa colher?”, acrescentou.

A responsável de loja do Intermarché do Cacém, Patrícia Rodrigues, confirmou que há uma mudança de perfil do ladrão, mas naquele supermercado ainda há quem tente levar sem pagar, não só bebidas alcoólicas, mas também queijos, caldos de Knorr, azeite e produtos enlatados.

Os métodos são cada vez mais ousados, segundo elementos fornecidos pela GNR e PSP. Usam sacos forrados a alumínio, mochilas com ímanes, carrinhos de bebé, trocam etiquetas e alarmes, escondem entre o folheto das promoções ou num casaco.

Tanto Sérgio Soares como Joana Machado relatam dificuldades na deteção e detenção destes indivíduos, uma vez que envolve redes organizadas e cidadãos estrangeiros.

Mas já há casos que chegaram à justiça e com condenações ou multas confirmadas pelos tribunais da Relação do Porto e de Lisboa.

Foi o caso de duas mulheres que foram apanhadas a furtar videojogos de consolas PS5, no valor de 497 euros, usando um saco forrado a alumínio e fita cola, num supermercado em Aveiro. Como eram reincidentes e deram-se ao trabalho de viajar de Lisboa acabaram condenadas a penas de prisão efetiva: uma a dois anos e seis meses, outra a dois anos e três meses. As cúmplices receberam multas de 390 euros cada.

Outro caso aconteceu em Mafra. Uma mulher foi condenada a 400 dias de multa, no total teve de pagar dois mil euros por ter furtado cinco vezes em 15 dias. Levou cosméticos, brinquedos, alimentos e pilhas, num total de 846 euros. Retirava os alarmes e escondia os produtos em sacos, passando nas caixas sem pagar.

Para combater este fenómeno, já há supermercados que estão a investir em tecnologia. Um dos sistemas mais recentes é o da empresa Veesion, que utiliza inteligência artificial para detetar gestos suspeitos em tempo real e enviar alertas para os seguranças.

É como um vídeo-árbitro. Segundo, Lucas Ferreira, executivo de contas da Veesion, “a câmara deteta movimentos anómalos e avisa o segurança, que pode intervir de imediato.”

Nelson Marques Martins, presidente da Associação de Empresas de Segurança (AES), confirmou que “há um modelo híbrido de segurança, com vigilância local, alarmística de produtos e monitorização remota por vídeo”. E acrescentou: “Nos últimos cinco anos, houve um aumento de furtos entre 10% e 20%, sobretudo no pós-pandemia, com o aumento do custo de vida e a proliferação das caixas self-checkout, que implicam novos riscos.”

“Há uma autonomia muito grande do cliente e menos controlo direto do colaborador”, sublinhou.

Já a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) admitiu um aumento nos furtos, mas recusa falar em alarme.

“Estamos a verificar um crescimento, mas nada que seja alarmante”, afirmou Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED. “Não consideramos que haja fatores sociais ou económicos por trás. Os produtos furtados, como bebidas alcoólicas, não são de primeira necessidade.”

Ainda assim, admitiu que “há uma tendência de redes de meliantes que procuram os espaços comerciais para furtar e revender”. As perdas representam, segundo Gonçalo Lobo Xavier, que não quis falar em euros, cerca de 6% do volume de negócios das empresas de distribuição.

Portugal não está sozinho. Na Alemanha, as perdas no retalho atingiram os 4,95 mil milhões de euros em 2024, com os grupos criminosos organizados a representarem um terço dessas perdas. No Reino Unido, os prejuízos ultrapassaram os 2,5 mil milhões de euros.

As técnicas são semelhantes: produtos pequenos e caros, como álcool, cápsulas de café, perfumes, lâminas de barbear, telemóveis e roupa de marca. As lojas investem em câmaras, segurança privada, expositores trancados e formação de funcionários. Ainda assim, 98% dos furtos não são detetados.

Apesar dos investimentos em segurança e tecnologia, os profissionais do furto continuam a encontrar formas de contornar alarmes, câmaras e até inteligência artificial.

“Estamos atentos e a combater o fenómeno da forma mais eficaz possível”, garante o intendente da PSP, Sérgio Soares. “Mas há reincidência, há redes organizadas e há uma realidade que não podemos ignorar: muitos fazem disto um modo de vida.”