Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon (detalhe), 1907.

Um século após sua criação, Les Demoiselles d’Avignon, obra-prima de Pablo Picasso de 1907, volta ao centro de um acalorado debate sobre suas fontes de inspiração. A controvérsia recente foi reacesa pelo colecionador francês Alain Moreau, que defende, em um artigo publicado no Bulletin da Reial Acadèmia Catalana de Belles Arts, que a pintura não teria qualquer relação com máscaras africanas — tese amplamente aceita pela crítica desde meados do século XX. Segundo Moreau, Picasso teria se inspirado, na verdade, em afrescos medievais catalães vistos durante uma viagem à Espanha, em 1906.

A teoria de Moreau desafia análises consagradas, como a do historiador Alfred Barr, primeiro diretor do MoMA, que associou as formas angulosas de duas das figuras femininas à arte tribal da Costa do Marfim e do Congo francês — culturas com as quais Picasso teve contato, sobretudo após visitar o Museu do Trocadéro, em Paris. O próprio artista, no entanto, já havia procurado minimizar essa associação, encomendando ao historiador Christian Zervos um ensaio que atribuía sua inspiração à escultura ibérica antiga. Moreau, por sua vez, contesta também as provas de Barr, alegando que uma das máscaras africanas exibidas ao lado do quadro no MoMA só teria chegado à Europa em 1935, tornando impossível que Picasso a tivesse visto em 1907.

Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, 1907.

Para estudiosos como Suzanne Blier, professora da Universidade Harvard e autora de Picasso’s Demoiselles: The Untold Story (2019), a tentativa de reduzir a obra a uma única influência é um erro. Picasso absorveu simultaneamente referências da arte africana, pré-histórica, românica, ibérica, das caricaturas populares, da escultura medieval e de artistas como Cézanne, Matisse e Giotto. Mais do que procurar rostos idênticos aos das Demoiselles, afirma Blier, é preciso compreender o espírito rebelde do artista, que se engajava ativamente com aquilo que, à época, era taxado como “primitivo” — não como cópia, mas como um processo contínuo de apropriação e reinvenção. “Picasso estava sempre olhando, absorvendo, transformando. Nunca houve apenas uma fonte”, conclui.