No estado de Kwara, no Centro-Norte da Nigéria, de maioria muçulmana, onde as tradições religiosas moldam a vida quotidiana, um grupo de raparigas está a desafiar as normas culturais ao jogar futebol. Abraçaram o espírito de equipa do jogo, a emoção da competição, os altos e baixos de ganhar e perder, ao mesmo tempo que tentam ignorar a reprovação daqueles que o consideram inadequado para as mulheres, que se vestem com recato.
Quando Maryam Muhammed amarra as chuteiras e se dirige para o treino de futebol, numa escola local em Ilorin, sente o calor sufocante — agravado pelo seu hijab e leggings —, bem como o desprezo de alguns membros da comunidade local. Aos 17 anos, ouve regularmente insultos quando se dirige para o treino na Model Queens Football Academy.
Apesar do desconforto, é importante para ela cobrir-se quando joga, em vez de usar calções e uma t-shirt. “Por vezes, parece que quero abrir o hijab, mas não posso expor o meu cabelo”, afirma. “Tenho de o vestir como uma boa muçulmana.” Os hijabs, que cobrem a cabeça e o pescoço, foram proibidos pela FIFA por razões de segurança em 2007, o que levou a que a equipa feminina iraniana fosse banida de um jogo de qualificação para os Jogos Olímpicos de 2012. A proibição foi flexibilizada em 2012, e o hijab passou a ser totalmente permitido em 2014. Nouhaila Benzina, de Marrocos, tornou-se a primeira jogadora a usar um hijab num Campeonato do Mundo feminino de seniores em 2023.
A mãe de Muhammed, Kehinde Muhammed, foi alvo de críticas por permitir que a filha jogasse. “Muitas pessoas desencorajaram-me”, diz. “Mas eu respeito as decisões dos meus filhos. Apoio-a e continuo a rezar por ela.” Cose hijabs para combinar com as camisolas das equipas. “Lembro-a que esta é a forma normal de se vestir como muçulmana”, afirma.
O treinador da Model Queens, Muyhideen Abdulwahab, está a tentar mudar as percepções. “Vamos ao encontro dos pais para lhes dizer que existem leis para o vestuário ser mais recatado”, afirma. ” Apesar disso, alguns ainda dizem não.”
Bashirat Omotosho, 19 anos, membro da equipa, é apaixonada pelo desporto, mas nem sempre pode ir aos treinos porque tem de ajudar a mãe a vender folhados numa banca à beira da estrada, para que a família possa ganhar dinheiro suficiente. Por vezes, a equipa passa a correr pela banca como parte do seu treino, o que é frustrante para ela. “Os treinos são muitas vezes de manhã, mas eu tenho de estar aqui”, diz. “Não posso deixar a minha mãe, é assim que ganho dinheiro.”
Oshoala, que não usa hijab em campo, vem de Lagos, no sudoeste da Nigéria, onde o Islão é menos conservador. Apesar do interesse crescente, a participação feminina no futebol continua a ser baixa em Ilorin, refere Ambali Abdulrazak, administrador de futebol local. A Liga de Futebol Feminino da Nigéria (NWFL) está entre as mais fortes de África, liderada por clubes do sul de cidades como Lagos e Port Harcourt, onde as infra-estruturas e o apoio social são robustos. Em contrapartida, as regiões do Norte e do Centro enfrentam barreiras culturais e religiosas, embora os esforços das bases estejam a aumentar.
A nível nacional, a popularidade do desporto está a aumentar, impulsionada pelo sucesso da equipa feminina nacional, as Super Falcons, bem como pelo aumento dos patrocínios e dos programas locais. A audiência da NWFL cresceu 40% desde 2020, com um aumento de 35% na audiência de jogos em 2024, de acordo com a empresa de media nigeriana iTelemedia, que acompanha as tendências de audiência nas ligas locais.
Enquanto o sol se punha, Muhammed e as colegas de equipa corriam pelo campo de areia, durante uma das sessões de treino. As suas vozes elevavam-se entre o barulho da chamada à oração de uma mesquita próxima. A 29 de Agosto, Muhammed foi capitã das Model Queens, numa final de um torneio de jovens. A equipa perdeu. Após o apito final, cumprimentou as colegas de equipa e aplaudiu-as quando receberam as medalhas de vice-campeãs. Mais tarde, sozinha no seu quarto, desfez-se em lágrimas com a derrota. Mas o apoio da sua família e a sua fé fizeram-na continuar. “Adoro mesmo este desporto. Tenho paixão por ele. Como os meus pais me apoiam, não há nada que me impeça.”