A Rússia lançou a Max, uma nova aplicação desenvolvida pela VK, uma empresa tecnológica russa. A plataforma foi lançada em março e a 1 de setembro passou a ser obrigatório vir instalada de origem em todos os novos telemóveis vendidos no país. Que aplicação é esta com a qual Vladimir Putin quer “soberanizar” a Rússia na esfera digital?

Para que serve?

A Max permite aos utilizadores enviar mensagens, efetuar chamadas, partilhar ficheiros e transferir dinheiro entre instituições bancárias russas. Tendo em conta a restrição do Kremlin a plataformas como o WhatsApp, a ‘super’ aplicação Max vem postular-se como alternativa às redes sociais mais convencionais, num esforço levado a cabo por Vladimir Putin para “soberanizar” a esfera digital.

Segundo a The Atlantic, o Kremlin aponta que “os cidadãos vão utilizá-la para enviar mensagens e fazer telefonemas; os pais vão comunicar com a escola dos seus filhos [e] os residentes serão capazes de provar a sua identidade aos negócios e agências governamentais”, pelo que o software tem vindo a ser comparado à plataforma chinesa WeChat.

O que é o WeChat?

O WeChat é uma aplicação desenvolvida pela multinacional chinesa Tencent, uma das empresas mediáticas mais lucrativas do mundo. A aplicação funciona como uma rede social, além de disponibilizar funções como serviço de mensagens instantâneas e carteira digital, pelo que pode ser utilizada para compras (à semelhança do MBWay), para chamar um táxi ou para pagar as despesas domésticas.

Segundo uma notícia avançada pela Lusa em 2018, “em Pequim, até os mendigos têm hoje consigo um código QR impresso para transferência direta de esmolas para as respetivas contas na carteira digital do WeChat”.

O WeChat não tem um sistema de encriptação ponto-a-ponto – isto é, um sistema que protege os dados pessoais dos dispositivos, garantindo que mais ninguém tem acesso a mensagens para além dos utilizadores. Isto porque o Governo chinês exerce controlo direto sobre a plataforma, tendo, portanto, acesso a estes dados.

Assim como a plataforma chinesa, também a Max representa um passo em frente na direção da espionagem, na medida em que a ferramenta permite a monitorização tanto dos cidadãos russos, como dos ucranianos em território ocupado pela Rússia.

Desde o dia 1 de outubro, estudantes na região ucraniana de Zaporíjia, ocupada pela Rússia, foram obrigados a utilizar a Max e foram banidas outras alternativas, de acordo com a Kharkiv Human Rights Protection Group (KHPG), uma organização humanitária ucraniana.

Recorde-se que, em 2020, o presidente norte-americano Donald Trump proibia qualquer transação com o WeChat (e com o TikTok) sendo, na altura, acusado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da China de “colocar os seus interesses egoístas acima dos princípios do mercado e das regras internacionais”, conforme noticiou a agência.

Já no ano passado, o presidente venezuelano Nicolas Maduro, que boicotava a aplicação WhatsApp, defendeu o WeChat, declarando inclusivamente utilizar a aplicação, “que é muito boa”.

Estado pode aceder a dados pessoais para deter, multar, ou “muito pior”

A Max contava, em agosto, com apenas 18 milhões de registos, um número baixo quando comparado a outras aplicações russas, como a VK (da empresa com o mesmo nome), semelhante ao Facebook, usada por mais de 90 milhões de pessoas. No entanto, o baixo número pode ser justificado com a juvenilidade da plataforma, que tem ainda menos de um ano.

“O Estado pode facilmente policiar a imposição de que a Max venha já instalada nos telemóveis” ao ameaçar empresas tecnológicas ou ao prender os seus executivos, escreve a The Atlantic. Para quem comprou o telemóvel antes desta data, as táticas de Putin são diferentes, passando pela limitação ao acesso a outras aplicações de mensagens.

Chamadas de voz foram já restritas no WhatsApp e Telegram para toda a população russa e redes sociais como o Facebook e o Instagram foram totalmente banidas.

Tudo o que os utilizadores da Max fizerem na aplicação pode ser presumivelmente acedido pelo Estado. Em termos práticos, isto significa acesso a geolocalização, dados pessoais, contactos, fotografias e áudio, informações que, por sua vez, poderão ser utilizadas para detenções, multas, desaparecimentos, “ou muito pior”, refere a revista americana.

No entanto, nem sempre o ciberespaço jogou a favor de Putin. O Expresso reuniu algumas das principais notícias dos últimos anos sobre a influência do Kremlin no espaço digital.

2019

  • Putin pondera ‘desligar-se’ da Internet global. Embora a infraestrutura da Internet russa permaneça atualmente conectada à rede global, o Governo detém controle sob que informações podem chegar aos cidadãos.

2022

  • Segundo a organização sem fins lucrativos Freedom House, a Rússia foi o país onde a liberdade da Internet mais caiu nesse ano. A China foi o país com o ambiente online mais repressivo do mundo.
  • A Rússia aprova uma lei que criminaliza pesquisas online sobre temas considerados extremistas pelo Kremlin.
  • Rússia multa as empresas tecnológicas estrangeiras que não cumpram as exigências do Kremlin quanto aos conteúdos publicados.

2023

  • O Kremlin multa a aplicação Reddit, por “informação proibida” publicada contra a vontade de Moscovo.

Texto escrito por André Sousa e editado por Ricardo Marques