O Presidente do EUA disse que este shutdown era uma “oportunidade sem precedentes” para cumprir uma das prioridades deste segundo mandato: o emagrecimento do Estado federal. “Quando se encerra [o Estado], tem de se fazer despedimentos. Então, temos de despedir muitas pessoas que vão ser muito afetadas. E vão ser democratas”, disse o Presidente dos EUA na Casa Branca, quando começou o shutdown.
A zona de Washington DC, deverá ser a mais afetada, dada a concentração de serviços públicos que ali existe – e que, aliás, já vinham sofrendo cortes orçamentais importantes desde a tomada de posse de Donald Trump, que inicialmente entregou a Elon Musk e à sua “motosserra” a redução da despesa.
No shutdown de 2013, que também foi especialmente abrangente, o consumo privado na região de Washington DC caiu 5%, muito mais do que a média nacional (que registou uma descida de 0,7%). Quatro em cada cinco dos tais trabalhadores que estão em casa ou a trabalhar sem receber estarão na região de Washington, e inclui-se aqui o caso de John, já que Baltimore fica muito próximo da capital.
É pelo receio de represálias, por parte de uma administração que aos seus olhos se apresenta como vingativa e divisiva, que John prefere não ser identificado neste texto. “O furlough é só mais uma das armas que esta administração está a usar para tentar que nós nos demitamos, é isso que eles querem que façamos – é só o mais recente capítulo do ataque à função pública que começou logo em fevereiro, depois da tomada de posse de Trump”.
John, que já está na casa dos 60 anos e trabalha “em serviços de IT [tecnologias de informação]” para o Estado federal, foi considerado um trabalhador essencial, o que significa que tem de continuar a trabalhar. Porém, não há salário nem garantias de que mais tarde será pago aquilo que lhe é devido agora. “Não sei se vamos ter backpay [pagamento retroativo], acredito que eles irão tentar esquivar-se mas tenho muitas dúvidas de que consigam”, confia.
O que está na origem da disputa política em torno do orçamento federal?
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Os democratas recusaram aprovar um orçamento temporário (de sete semanas, até 21 de novembro) porque querem renovar os subsídios federais do programa de saúde Obamacare, que estão a expirar, e reverter os anunciados cortes no Medicaid (um programa de saúde para famílias de baixos rendimentos).
Os republicanos, apoiados pelo Presidente Donald Trump, exigem que os democratas reabram primeiro o Estado (aprovando o tal pacote provisório) e só depois sejam discutidas essas mudanças.
Trump está a usar o shutdown como arma política, anunciando que vai despedir milhares de funcionários públicos e mantendo serviços seletivos a funcionar e a receber ordenado (como os militares e o FBI) para minimizar o impacto para a sua popularidade.
O último salário foi-lhe pago antes do início do shutdown, mas foi uma quantia menor do que a habitual porque já vinha com três dias a menos (os três dias em que o shutdown já tinha começado mas John teve de continuar a trabalhar). “No nosso caso, não teve impacto concreto na nossa vida porque a minha mulher trabalha no setor privado e, apesar de tudo, recebemos quase todo o meu salário no mês passado”, afirma John. “Mas, mais tarde ou mais cedo, se isto continuar, vamos ter de recorrer a poupanças“, diz.
O problema é que nem toda a gente tem essas poupanças, lembra o norte-americano. “Há muita gente que não tem poupanças – uns porque não podem, outros porque não se sacrificaram a acumular – mas, seja como for, essas pessoas vão ter muitas dificuldades se isto durar mais do que 30 dias“, acrescenta. Já não falta muito, tendo em conta que o shutdown já dura há quase três semanas e o final do mês está ao virar da esquina.
No caso de John, que já tem os filhos criados, “é mais fácil”. “Não temos assim tantos gastos, somos só nós os dois aqui em casa, conseguimos aguentar-nos – é claro que, a certa altura, as ‘almofadas’ esgotam-se…“, receia este norte-americano. O que está fora de questão é fazer qualquer gasto adiável, como comprar um novo computador, por exemplo: “vejo muito poucos gastos discricionários a acontecer à minha volta“, afirma John, referindo-se aos seus amigos, alguns dos quais estão na mesma situação.
A britânica BBC falou com uma mulher norte-americana, cujo marido trabalha para o Departamento de Defesa, no Ohio, e que também está a trabalhar sem salário – tal como John. Essa mulher, que também preferiu ser referida apenas como Allison, indicou que já cancelou a habitual “escapadinha” de fim de semana prolongado que a família costuma fazer nesta altura do ano – uma viagem até ao Michigan.
Allison, que preferiu não ser identificada também pelo apelido, nem mesmo numa publicação britânica, diz que tem medo de falar e, depois, o marido poder sofrer represálias. Assim que foi anunciado o shutdown, o casal contactou o banco a pedir um período de carência no pagamento do crédito à habitação – e se a paralisação se arrastar por mais tempo será necessário retirar os filhos pequenos das atividades extracurriculares que fazem habitualmente.
Caso o shutdown se prolongue ainda mais, será ainda pior. “Se isto continuar até dezembro, não sei o que vamos fazer“, refere Allison.