Um tribunal norte-americano condenou o banco francês BNP Paribas a pagar uma indemnização de cerca de 20 milhões de dólares (perto de 23 milhões de euros) por ter, considerou o júri, ajudado a financiar os líderes sudaneses que, entre 2002 e 2008, cometeram o crime de genocídio, entre outros. A decisão, embora envolva um valor relativamente baixo para a dimensão do banco, pode, no entanto, significar um precedente que expõe o BNP Paribas ao risco de pagar milhares de milhões de euros em outros processos anexos – o que está a levar as ações do banco a derraparem 10% na bolsa de Paris.

Este é um processo que já se arrasta há vários anos e, no caso particular em que o banco foi agora condenado, tratava-se de uma queixa apresentada por três sudaneses que vivem, neste momento, nos Estados Unidos da América (EUA) e que foram vítimas e testemunhas das atrocidades cometidas pelo então Presidente Omar al-Bashir. O advogado dos três queixosos acusa o BNP Paribas de ter dado “um cheque em branco ao regime, que foi utilizado por ele para promover um reino de morte e destruição de uma parte cirúrgica da população”.

Um porta-voz do BNP Paribas, o banco que em Portugal emprega mais de nove mil pessoas (em Lisboa e Porto), considerou a decisão “claramente errada” e afirmou que “existem boas razões para recorrer” – embora não tenha confirmado que esse recurso irá, mesmo, ser apresentado. Esse porta-voz, citado pela Forbes, considera que a deliberação se baseou numa “distorção” da lei suíça aplicável e “ignora provas importantes que não foi permitido ao banco apresentar”.

O que está a levar à quebra de 10% das ações do BNP Paribas na bolsa de Paris é que os analistas receiam que esta decisão crie um precedente que obrigue o banco a chegar a acordo para acabar com os largos milhares (serão cerca de 23 mil) de outros processos relacionados com o mesmo problema.

“O banco deverá continuar a defender-se em tribunal, incluindo com eventuais recursos, mas a pressão para chegar a acordos será cada vez maior – e pode envolver valores muito mais elevados do que aqueles que estávamos a considerar”, afirmou Elliot Z. Stein, um analista especializado neste tipo de problemas judiciais, citado pela Bloomberg.

“Não excluímos que o custo global desses [eventuais] acordos judiciais possa chegar aos milhares de milhões“, acrescentou o especialista.

Ações do BNP Paribas estão a cair 10% na bolsa de Paris, embora continuem a registar uma valorização de 16% desde o início do ano. FONTE: Google Finance

Além do problema judicial, as ações do BNP Paribas também estão a ser pressionadas – tal como as dos seus concorrentes em França – pelo inesperado corte de rating anunciado na sexta-feira pela agência S&P, contra a República francesa, uma decisão explicada pela agência com o impasse orçamental e as dificuldades em formar um Governo estável no país. Além da S&P, já a Fitch tinha cortado o rating de França em setembro e a Moody’s poderá ir pelo mesmo caminho na próxima sexta-feira.

As ações dos bancos são, tendencialmente, das principais prejudicadas pelos cortes de notação financeira de um dado país, dada a importância do rating soberano para os custos de financiamento das empresas financeiras. Muitas vezes, aliás, as descidas de rating de um país levam, quase automaticamente, a que a mesma decisão seja tomada para as notações dos bancos, em simultâneo ou poucos dias depois.

Os queixosos, que serão cerca de 23 mil pessoas no total, acusam o BNP Paribas de ter facilitado, através de operações financeiras e de clearing (liquidação de pagamento) em dólares, o acesso do regime de Omar al-Bashir a receitas (nomeadamente de petróleo) e ao sistema financeiro dos EUA apesar de sanções — receitas que, segundo a acusação, foram usadas para comprar armas e financiar campanhas violentas (Darfur, Nuba, etc.).

O banco terá processado e encaminhado transações em dólares, ajudando a ocultar a verdadeira origem de pagamentos, para entidades sudanesas, permitindo que o regime recebesse receitas internacionais apesar das sanções a que estava sujeito. Essa capacidade de converter vendas de petróleo em dólares e “limpar” esses fundos através do sistema financeiro dos EUA é um dos aspetos cruciais dos processos judiciais que se arrastam há vários anos.

O caso que na última sexta-feira conheceu decisão, conhecido pelo nome Kashef et al. V. BNP Paribas et al., foi interposto em nome de refugiados sudaneses que fugiram da violência e da perseguição que marcou o Sudão naqueles anos, entre 2002 e 2008. O BNP Paribas tinha pedido um arquivamento do caso, antes do julgamento, mas esse pedido foi negado.

O júri teve de avaliar se os serviços financeiros prestados pelo BNP Paribas foram uma “causa natural e adequada” dos danos sofridos pelas vítimas dos crimes cometidos pelo regime. O julgamento durou cinco semanas e apoiou-se no facto de o BNP Paribas ter admitido contornar as sanções americanas – o que, na prática, permitiu aos responsáveis sudaneses na altura aceder a milhares de milhões de dólares americanos através do seu escritório em Genebra.

Em 2014, o banco francês tinha-se declarado culpado de ter processado fundos do regime sudanês e entidades de outros países sob sanções, como o Irão e Cuba, através do sistema financeiro americano. Na altura, o banco pagou uma multa de quase nove mil milhões de dólares (10,5 mil milhões de euros ao câmbio atual).