Caso Chega e CDU fiquem empatados em Lisboa, a lei não tem como distribuir o mandato que falta e terá de haver novas eleições. Os votos estão contados, mas as dúvidas permanecem e, com a diferença de votos a encurtar a cada recontagem e os comunistas a recorrerem para o Tribunal Constitucional, coloca-se uma dúvida: e se os dois partidos ficarem empatados?
Na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais não existe qualquer referência a um empate para definir a atribuição de um mandato entre dois partidos ou coligações. Pelo que a Comissão Nacional de Eleições (CNE), em declarações ao Observador, explica que, “em caso de empate absoluto, isto é, de empate logo na atribuição do 1.º mandato, a votação terá de ser repetida, pois é uma situação sem resposta legal“.
No caso das juntas de freguesia, por exemplo, haverá repetições de eleições após as autárquicas de 12 de outubro. E, nesses casos, o empate aconteceu no primeiro lugar — o que impede mesmo a escolha do presidente de junta. No cenário em Lisboa, um empate entre os dois partidos que estão a disputar o último vereador pode mesmo obrigar a novas eleições porque não há forma de definir o mandato em causa e o mesmo tem se ser atribuído para que os eleitos entrem em funções.
O empate só será possível caso o Tribunal Constitucional dê razão à CDU em apenas três votos nulos e estes passem a ser considerados válidos. Se assim fosse, as candidaturas lideradas por Bruno Mascarenhas e João Ferreira ficariam exatamente com o mesmo número de votos e ficaria um vereador por eleger. Além disso, há também a possibilidade de os comunistas conseguirem passar o Chega em número de votos e, nesse caso, o cenário de empate deixaria de ser equacionado.
Voltando à lei, esta dita também que “a votação em qualquer assembleia de voto e a votação em toda a área do município só são julgadas nulas quando se hajam verificado ilegalidades que possam influir no resultado geral da eleição do respetivo órgão autárquico”. Ou seja, na situação de Lisboa, as alegadas ilegalidades reportadas pelo PCP podiam mesmo influir no resultado, caso o Palácio Ratton as comprovasse. Se assim fosse, “os atos eleitorais correspondentes são repetidos no 2.º domingo posterior à decisão, havendo lugar, em qualquer caso, a uma nova assembleia de apuramento geral”.
Há ainda uma equação tida em conta na lei que ajuda na solução de outros cenários, mas aqui não funciona. No artigo 13.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais está definido o “critério de eleição”, sendo que é utilizado o Método de Hondt, e abre-se uma exceção: “No caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido o menor número de votos.” Fonte conhecedora do processo exemplifica o que aconteceria na prática se um partido tivesse 20 votos e outro dez, no caso de haver um mandato final para distribuir:
“O primeiro mandato a ser distribuído é ao partido que teve 20 votos. No segundo, o que se vai fazer é dividir o que teve 20 por dois [devido ao método usado] e o outro, que ainda tem 10 [será] dividido por um. Existe uma situação de empate em que se está a atribuir um segundo mandato a dois partidos que, pelas regras do Método de Hondt, estão com 10 votos cada um. Mas aí a lei consegue resolver, porque diz que esse mandato se entrega àquele que teve o menor divisor. Portanto, vai atribuir ao partido que teve 10 votos e não [o segundo] ao partido que teve 20.” Porém, assegura a CNE, no caso de Lisboa “esse critério não tem aplicação“.
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Nos últimos dias, Chega e CDU disputaram (e continuam a disputar) o último vereador em Lisboa que, tendo em conta os dados oficiais, ainda pertence ao partido liderado por André Ventura. O processo começou na noite eleitoral, a 12 de outubro, quando a contagem final ditou que os dois partidos ficaram separados por 11 votos — e que o Chega podia contar com dois vereadores em Lisboa. Seis dias depois, com a assembleia de apuramento geral a terminar a contagem final, a diferença fixou-se nos três votos — o que, ainda assim, evitava que o Chega perdesse (ou não elegesse) o segundo vereador.
Crente de que há votos nulos que expressam o voto nos comunistas, o PCP passou para a fase seguinte e recorreu para o Tribunal Constitucional. Numa nota enviada para as redações, a CDU Lisboa explica que “no decorrer dos trabalhos do apuramento geral foram realizados protestos por parte da CDU”, que “estão relacionados com divergências nos resultados entre a ata e o edital numa mesa de voto, a necessidade de verificação em instância superior da nulidade atribuída a votos nos quais consideramos estar expresso o sentido de voto do eleitor, bem como a divergência de critérios na avaliação da validade de votos entre forças políticas”.
Chega fica três votos à frente da CDU em Lisboa e mantém dois vereadores após contagem final
Sofia Lisboa, da CDU, explica ao Observador que o processo “suscitou uma série de protestos dos delegados” do partido relativamente “a votos que foram considerados nulos” e que os comunistas entendem que “têm uma intenção expressa de votos na CDU”. A somar a isso, o partido considera que há uma “desigualdade de critérios relativamente a outros que passaram de nulos a válidos também nos protestos”. Sem dar conta do número de votos que estão em causa, a CDU refere que há uma “série de dúvidas” que devem ser analisadas, mais ainda quando está em causa um vereador:
Não vamos considerar que este direito é uma forma de perverter o processo, é parte do processo. Neste caso, como estamos a falar também de eleição de um vereador com uma diferença de votos que neste momento são 3 votos, era estranho da nossa parte que não fôssemos considerar essa possibilidade. Podíamos não ter feito protesto de voto nenhum, [mas] neste caso temos uma série de dúvidas e portanto queremos que sejam totalmente esclarecidas.”
A CDU refere ainda que há “uma ata de uma mesa de votos que não corresponde aos valores que estão no edital e que não se entendeu no apuramento geral fazer a recontagem dessa mesa para esclarecer essa divergência de valores”.
Bruno Mascarenhas, no seguimento do recurso, acusou o PCP de ser “profissional das manobras políticas”, assegurando que “o Chega não fez nem fará nunca batota”. “Tenho a certeza absoluta que isto foi tudo visto a pente fino e que não há nada que se aponte.”
Neste momento, o resultado das eleições em Lisboa aguarda uma resposta do Tribunal Constitucional ao recurso do PCP, havendo três possibilidades em cima da mesa: ficar tudo igual (Chega à frente com um vereador), o PCP ultrapassar o Chega (o que lhe daria o segundo vereador) e um empate — cenário que obrigaria a novas eleições.